Esta é a Sua Morte: O Show | Crítica | This is Your Death, 2017
Esta é a Sua Morte: O Show trata de um tema sensível, mas é preciso se perguntar se uma abordagem dessas beira o perigoso.
Dizer apenas que o ódio intolerável está demolindo a nossa sociedade não parece ser mais suficiente para Esposito e eis a motivação para o desenvolvimento que aborda um tema delicado como suicídio de maneira tão pesada em Esta é a Sua Morte: O Show. Enquanto faz uma crítica já comum aos reality shows, o diretor tenta também decifrar o fascínio que espectadores tem desde muito tempo – apesar da explosão no fim dos anos 1990 e o começo dos anos 2000 – em presenciar uma realidade passivamente, como grandes voyeurs de uma sociedade que parece tão perdida ao ponto de preferir à vida dos outros em detrimento da própria.
Apesar do núcleo relativamente grande, a trama é centrada em Adam (Duhamel) para questões didáticas. Considerando o nome do personagem – Adão, traduzido – temos alguém entre ascensão e queda, representando a ascensão e queda da própria humanidade. A situação apresentada no prólogo faz o protagonista questionar sua posição nesse universo onde a falsidade é o mestre, como vemos no sorriso do entrevistador (Franco) enquanto Adam tenta tirar algum sentido do assassinato que ele acabou de presenciar. Aqui, ele renasce e começa a vislumbrar as pequenas belezas desse mundo, como a jovem que dança com fitas.
Porém, é difícil acreditar no pulo que o personagem dá para aceitar a proposta do reality show de Ilana (Janssen). Celebrar a vida com exposição da morte, quase inspirado nos atos de Jigsaw, não combina com a experiência traumática que o apresentador passou. O que acontece é que o argumento precisava dessa aceitação para que a trama se desenvolvesse; o que faz um roteiro forçado nesse ponto, dando a impressão que a motivação do personagem foi forçada pela ideia do filme, quando é a decisão de Adam que deveria gerar o conflito. Assim como a decisão de Sylvia (Fitzgerald) de voltar para o barco, mesmo com o asco demonstrado numa cena anterior.
Passando essas motivações que nos são empurradas goela abaixo, a trama é interessante por mostrar a dessensibilização, de novo resumida em Adam, de uma sociedade doente e que mesmo assim ainda não chegou ao fundo do poço. Se levarmos em conta que programas do gênero já tiveram até casos de estupro e continuam sendo produzidos – e acompanhados – a perversão da lei do suicídio assistido parece só um passo a mais. Nesse caso, diferente da motivação de Adam e Sylvia, o exagero funciona, pois ele serve para mostrar um grande poder, a Televisão no caso, pode torcer regras e como ela pode fugir impune por tecnicalidades (por mais que a ética diga que é errado).
No outro lado da balança fica o trabalhador Mason Washington (Esposito), um personagem negro que leva consigo o nome de um dos maiores presidentes dos EUA – e muitas vezes dito como responsável pelo fim da escravidão, o que é impreciso. Passando por dificuldades financeiras (o que é estranho quando a esposa reclama de coisas supérfluas como a assinatura da TV à cabo) e com um filho jovem que não tem acesso à um sistema de saúde público, ele é representante dos mais desfavorecidos. Se não fosse pela trilha sonora e a montagem do filme, poderíamos até dizer que Esposito flerta com um tipo de neo-realismo.
O curioso é ver como o ciclo se completa com duas mortes na história, ambas envolvendo a dificuldade em se sufocar. Se pudermos manter na mente o primeiro suicídio no programa e o último antes do grande plot twist (e não vem ao caso dizer se é bom, ruim ou óbvio), podemos dizer que ambos são grandes metáforas para como nós começamos a reagir às terríveis novidades: primeiro ficamos chocados, depois apenas um pouco incomodados até chegarmos ao ponto de não nos importarmos. A tentativa dessa violenta trama então é nos chacoalhar um pouco para fora da inanição e passividade.
Claro que incomodam algumas conveniências, principalmente à que ocasiona a já citada virada na trama que tem relação com a falta de capacidade dos roteiristas em justificar ações dos personagens. Nesse caso, eles pulam uma das regras que os candidatos têm que preencher para poder encerrar a própria vida – e se Sylvia ajudou para que isso acontecesse de alguma maneira, essa atitude ficou de fora porque não poderia ser justificada de maneira nenhuma. Além disso é muito desonesta a solução de Mason, enganando a plateia de uma maneira que não deveria.
Porém, como já mostrou 13 Reasons Why, é muito perigoso quando uma abordagem errada pode funcionar de gatilho para quem já tem pensamentos suicidas. Por isso é bem questionável a decisão de Esposito em mostrar com tantos detalhes e uma miríade de tipos de mortes no reality show. Mesmo que os últimos concorrentes estejam em oposição, é preciso nos questionarmos a mudança que veio quando uma participante relevante tirar a própria vida, mesmo que o personagem seguinte não o faça. A questão é qual das situações foi a mais marcante?
Para trazer perto da nossa realidade, sem parecer que o cenário é algo distante, a trama cita empresas que conhecemos (Facebook, Uber) o que nos mantém ligados, assim como a grande tensão que é saber se os personagens vão ou não continuar com seus planos ao vivo. E para não nos deixar fugir da chocante realidade, o diretor usa múltiplas telas para que a violência dure uns poucos segundos a mais – algo como vimos na decapitação em A Profecia. E é o choque o elemento mais funcional em Esta é a Sua Morte: O Show. Ao aproximar esses elementos familiares a nós, esse absurdo não parece tão impossível assim, mostrando que tudo que é preciso é um tanto só de perversão para dar o passo além do aceitável e torná-lo palatável.
Elenco
Josh Duhamel
Famke Janssen
Giancarlo Esposito
Sarah Wayne Callies
Caitlin FitzGerald
Direção
Giancarlo Esposito
Roteiro
Kenny Yakkel
Noah Pink
Fotografia
Paul Mitchnick
Trilha Sonora
Rich Walters
Montagem
Jamie Alain
País
Estados Unidos
Distribuição
The Film Arcade
Duração
104 minutos
Depois de presenciar um assassinato num programa de reality show, um apresentador aceita participar de uma nova produção onde os espectadores assistem pessoas se suicidando, como um incentivo à preciosidade da vida. O que começa como um objetivo nobre na visão do apresentador, logo se torna a perda da própria humanidade.
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