Django Livre | Crítica | Django Unchained, 2012, EUA

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Django Livre tem violência e comédia desmedidas, ares de cultura pop, críticas e, principalmente, uma ótima história aliada à uma ótima direção.

Com Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L Jackson, Walton Goggins, Dennis Christopher, James Remar, Michael Parks e Don Johnson. Roteirizado e dirigido por Quentin Tarantino (Cães de Aluguel).

9/10 - "tem um Tigre no cinema"Na sua nova empreitada, Tarantino compõe mais um mosaico que mistura homenagem ao cinema e a História. Django Livre tem tudo o que estamos acostumados nos filmes do cineasta: violência e comédia desmedidas, ares de cultura pop, críticas e, principalmente, uma ótima história aliada à uma ótima direção. É mais do mesmo Tarantino, e podemos levantar as mãos e agradecer por isso.

Querendo dar ao filme um clima de época, Tarantino não hesita em usar no início do filme a versão dos anos 1960 da marca da Columbia Pictures e da tipografia dos créditos dos filmes de faroeste da época. Em 1858, dois anos antes da Guerra Civil Americana, Django (Foxx) é um escravo que foi vendido de um dono ao outro, como era bem comum na época. Entre uma fazenda e outra, ele encontra o Dr King Schultz (Waltz) que estava procurando exatamente por esse escravo em especial. Com a comédia e a violência típica dos filmes do diretor, Schultz liberta Django de suas correntes, assim com os outros escravos que estavam com ele. Se disfarçando de dentista, o caçador de recompensa usa da escravidão para seus propósitos, apesar de não concordar com ela.

Por essa conveniência, Django vira um instrumento nas mãos do caçador, que o usa para identificar os seus antigos donos e não fazendo questão de não contar ao jovem seus planos (você não conta a um machado como vai ser usado), o que protagoniza uma das melhores cenas do filme, onde os dois fazem uma parada estratégica na cidade de Daughtry (onde a tensão é tátil num quadro que mostra Django passando por uma forca). Os planos de Schultz acabam servindo à Django também, pois na venda ele foi separado da esposa Brunhilde (Washington). Os dois se juntam em caçadas para poder juntar dinheiro, descobrir o paradeiro da escrava negra que tem um nome alemão e que fala a língua.

A viagem conta com aprendizados, até para o espectador. Coisas que parecem ser tão distantes para nós são explicadas, mais de uma vez, para reforçar esse passado medonho da humanidade. Por exemplo, em Daughtry, mais de um morador aponta e dizem entre si “um crioulo a cavalo”, e Django tem que responder ao atônito alemão que eles nunca viram um negro montando. A indagação é válida, pois os espectadores devem ter se perguntado a mesma coisa.

Como já é assinatura de Tarantino, podemos esperar boas doses de violência intercaladas com comédia. E o roteiro é recheado de momentos excelentes. Os mais curtos que envolvem Django, como a escolha de roupas ou o encontro com Brunhilde são bem colocados, mas nada supera a cena em que alguns brancos caçam os dois depois que terminarem o serviço que envolvia os antigos donos de Django. Numa grande sacada de Tarantino e de seu novo montador, Fred Raskin, a história tem um momento em que à primeira vista é estranho. No começo da sequência, Schultz aparece colocando dinamite dentro da carroça, e logo depois aparecem homens encapuzados com tochas nas mãos para acabar com os dois, liderados por Big Daddy (numa participação irreconhecível e muito bem-vinda de Don Johnson). Mas ao invés de seguir a cena cronologicamente, numa decisão muito inteligente, Tarantino mostra uma discussão prévia que envolvia a usabilidade dos capuzes, já que quem usava não conseguia ver nada durante a noite. Além da ponta de Jonah Hill, o diretor quis incluir a visão corretíssima de que essas pessoas pré-Klu Klux Kan eram um bando de idiotas, e também desviar a atenção do que aconteceu no começo, até que no fim da sequência… Auf Wiedersehen.

Assim como outros filmes, Tarantino não economizou fita (ou HD no caso). O filme tem 165 minutos que são bem usados. Existem flashbacks que bem curtos, explicando a história prévia de Django e Brunhilde, onde o diretor de fotografia Robert Richardson satura a imagem para diferenciá-la do segmento normal da história. Também é de se apontar a linguagem corporal de Foxx. No momento em que Schultz começa a contar sobre o mito de Brunhilde e Siegfried, Django se posiciona com um olhar curioso, quase infantil, ao ouvir com atenção a história que o amigo tem para contar.

Outros momentos vão dar volume ao conto de vingança, como a presença do Django original, Franco Nero (que me pergunto se alguém ainda se lembra dele), a torcida de moral que Schultz impõe ao companheiro (ao matar um procurado na frente do filho) e depois tenta fingir que para ele não funciona, e os treinos de Django contra um boneco de neve, numa referência anterior quando ele fica feliz que vai poder matar gente branca e ainda receber por isso como caçador de recompensas.

Apesar da longa preparação, o filme flui muito bem até conhecermos o antagonista Calvin Candie (DiCaprio), que é o atual dono de Brunhilde. Na fazenda de Candyland também conhecemos Stephen (Jackson), um negro de idade que só por ser Samuel L Jackson é ameaçador, e sabemos que nunca Tarantino daria um papel de pouca importância para um ator que aparece somente no arco final da história. Apesar de ser um arco interessante, é aqui que o diretor escorrega um pouco. Tivemos tempo suficiente até aqui, mas a história falha em mostrar como Stephen tem tanto poder e na relação quase fraternal entre ele e Calvin, o que provavelmente será explicado em cenas extras.

O filme mostra um Tarantino ainda em forma, produzindo em pequena quantidade e com muita qualidade, mas isso não quer dizer que o resultado é perfeito. Mas chega perto, pois o diretor consegue, além da ótima história, usar de outras poesias visuais que enchem os olhos. O detalhe de Calvin ser todo arrumado e limpo por fora, mas quando ele descobre o plano de Django e Schultz a câmera começa a focar nos seus dentes podres mostra que o personagem é só podridão por dentro. Apesar de termos que admitir que o plano mirabolante de Schultz para reaver Brunhilde é maluco demais, e é uma suspensão de descrença muito grande para comprar a ideia. Mas é daquelas coisas que você diz que é tão insano que pode funcionar. Django Livre é um filme amarrado, divertido e violento (com destaque para o banho de sangue do fim). Se você procura um filme Tarantinesco com homenagens e os devaneios cinematográficos próprios dele, é um prato cheio.

E não se esqueça de ficar até o fim dos créditos.

[EDIT] Fui avisado pelo colega Gabriel Escudero que Tarantino filmou em película, e é contra a tecnologia digital. Agradecido 🙂 [/EDIT]

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Django Livre concorre ao Oscar 2013 nas categorias Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Melhor Roteiro Original (Quentin Tarantino), Melhor Edição de Som (Wylie Stateman) e Melhor Fotografia (Robert Richardson).

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".