Demônio de Neon | Crítica | The Neon Demon, 2016, EUA-Dinamarca-França
Demônio de Neon é uma experiência visual que não perde o rumo quando apresenta sua forma
Elenco: Elle Fanning, Christina Hendricks, Keanu Reeves, Jena Malone, Bella Heathcote | Roteiro: Nicolas Winding Refn, Mary Laws, Polly Stenham | Direção: Nicolas Winding Refn (Drive)
Se antes Nicolas Winding Refn era mais direto, cru e até exagerado nos seus trabalhos anteriores, em Demônio de Neon há uma transcendência, quase como se estivesse filmando uma poesia. É o seu trabalho mais maduro, influenciado por diretores como Terrence Malick, mais ousado e recheado de metáforas, sendo algumas óbvias e outra nem tanto. Além de contar com uma narrativa interessante, esse é um daqueles filmes que devemos mergulhar sem distrações, na sala mais escura possível e sem barulhos externos. Em outras palavras, é uma experiência audiovisual como poucas e que não perde o conteúdo enquanto apresenta a sua forma.
Há uma atemporalidade na produção de Refn, algo expressado tanto pela fotografia de Natasha Braier quanto pela trilha de Cliff Martinez. A fotógrafa trabalha com paletas variadas do escuro ao brilhante – o glamoroso neon – e com grandes contrastes para não indicar exatamente um sentimento ou um lugar no tempo e no espaço, o que nos confunde um pouco. Mas essa parece ser exatamente a intenção. Continuemos como exemplo a música de Martinez, cheia de sintetizadores evocando um passado oitentista, mas que entra em contraste com a própria fotografia e alguns elementos modernos como celulares e computadores que aparecem rapidamente. Essa confusão temporal serve para mostrar que aquela é uma história que poderia se repetir ou acontecer em qualquer lugar.
A primeira cena do filme já é marcante visualmente, questionadora. O que vemos é uma Jesse (Fanning) numa mistura de peça publicitária e cena de crime. Com tão pouco, Refn, Laws e Stenham criam um signo marcante nas nossas mentes. Ali, Jesse é um sacrifício no altar, ainda inocente quanto ao seu papel nesse mundo da moda. Mais uma vez munindo a narrativa de contrastes, mas dessa vez usando os personagens, a protagonista entra em conflito com outras três personagens mais experientes. Jesse é uma mulher dotada de uma beleza natural, cobiçada tanto por Ruby (Malone), Gigi (Heatchote) e Sarah (Lee) que se aproximam dela por esse motivo, mas com abordagens diferentes.
Entre a insensibilidade das colegas de profissão e a falta de experiência, Jesse sabe que tem que se libertar, então o diretor continua usando mais metáforas, como uma apresentação performática onde um personagem amarrado começa a lutar contra sua atual situação. Esse novo mundo de visões e percepções, com flashs, escuridão e brilho agora são apresentados para a jovem. Antes dela adentrar completamente esse mundo há interessantes construções de cenário que aos poucos vão colocando Jesse num elevado patamar. A primeira entrevista ainda é convidativa, com planos abertos e iluminado por uma luz natural. Depois, no primeiro trabalho fotográfico, existe um forte contraste e um incômodo claro pela nudez exigida, para então ser coberta em ouro, como uma divindade a ser adorada.
A produção é uma construção visual cheia de signos marcantes, dificilmente esquecidos durante a história. Seja pelo puma que invade o quarto de hotel de Jesse – a partir daí, ela estará cercada de predadores dos variados jeitos – ou pelo constante uso do número três. Ele aparece no triângulo da marca que Jesse começa a desfilar, é representado pelas três mulheres obcecadas por ela, como as Moiras da mitologia nórdica, tecendo o destino de deuses e homens, ou até uma profanação da santíssima Trindade são referências a serem levadas em conta nessa obsessão do diretor. É pelo triângulo que Jesse entra pela primeira vez no palco, e é nele a sua transformação da realidade humana para o reconhecimento.
De certa maneira, esse é um filme de terror. Mas não do jeito que estamos acostumados. A nossa protagonista é perseguida por monstros – a indústrias, a tríade, o gerente do hotel – como em clássicos do gênero, mas existe a aura do chamado filme arte, um termo que não explica nada, servindo para posicionar em termos mais comuns qual foi a intenção do diretor. Essa produção diferente de seus padrões é o meio caminho entre um gênero e outro. Vide como Refn lida com a questão da premonição, como se Jesse fosse ciente do seu poder divino – ou demoníaco –, aproximando mais uma vez ao terror.
E para nos tirar da nossa zona de conforto, Refn acaba com a sutileza a partir do terceiro ato, aproximando-se mais do cinema que o fez ficar famoso. Ainda assim, como cenas chocantes e podendo ser acusado de exagero e mau gosto, faz sentido. A polêmica ficará por conta da violação de um cadáver que está num necrotério. Sim, é repugnante e sujo, mas faz todo o sentido para a personagem que protagoniza o ato. É uma cena relativamente longa, que prima pela montagem entre devaneio e realidade – destaque para a alternância entre as cores frias e quentes – incômoda, mas que é a síntese daquele mundo. No fim das contas, o que importa é o exterior, mesmo que ali esteja uma casca vazia.
Até nos movimentos de câmera o diretor se destaca no já citado ar retro para criar uma narrativa que está em poderia acontecer em muitos espaços – mesmo que, fisicamente, a cidade seja apresentada. Los Angeles é mostrado como um lugar sujo, deplorável, onde o que menos existem são anjos, se é que existe algum. Um lugar que muda Jesse ao ponto de deixar de lado a empatia e substituí-la por um sentimento de alívio quando, em outra tensa premonição, ela escapa de um predador que vai atrás de outra vítima. E não há descanso para ela, pelo menos não enquanto essas moiras modernas tentarem ditar seu destino.
Além de tudo Demônio de Neon é um filme corajoso – e falar mais que isso seria extremamente complicado sem entregar a trama e estragar a surpresa. Mesmo cheio de tantos símbolos e metáforas, é um daqueles exemplos que quanto menos se souber melhor, que impregna em nossas mentes a cada vez que pensamos mais nele. Se for apreciado apenas no seu nível mais básico da crítica à indústria da moda é fácil se perder entre tantos elementos. Porém, nesse caso, a mensagem foi passada. O desafio vem em destrinchar a poesia visual criada por Refn, que só exagera mesmo nos créditos estilo videoclipe para encaixar a música da cantora pop Sia. Mas os créditos não são o filme, mesmo que façam parte dele.
Demônio de Neon | Trailer
Demônio de Neon | Pôster
Demônio de Neon | Imagens
Demônio de Neon | Sinopse
“Jesse (Elle Fannng) é uma jovem de 18 anos que acaba de chegar a Los Angeles. Dona de uma beleza natural impressionante, ela tenta a sorte como modelo profissional. Após tirar algumas fotos mórbidas para um jovem fotógrafo, é contratada por uma conceituada agência de modelos. Bastante ingênua, ela passa a lidar com o ego sempre inflado das demais modelos e também com a maquiadora Ruby (Jena Malone), que possui intenções ocultas com a jovem”.
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