Blade Runner 2049 | Crítica | Blade Runner 2049, EUA
Sabendo que era impossível alcançar o inalcançável, Blade Runner 2049 é um misto de homenagem com procura do próprio caminho de Villeneuve.
Entre fazer um trabalho autoral e refazer os gigantes passos do original, Dennis Villeuneve ficou no meio do caminho. Blade Runner 2049 procura sua própria originalidade sem esquecer de prestar homenagem ao universo iniciado em 1982 ao ampliar suas questões. Deixa-se de lado um pouco o visual neo-noir do primeiro para que seja possível passear entre outros cenários e situações e para que conheçamos um mundo expandido daquele que deixou saudade – e que sempre dissemos que não precisava de continuação. Isso continua sendo verdade, mas já que ela veio, por razões mercadológicas que sejam, foi bom que ela tenha caído nas mãos de um dos melhores diretores dessa geração.
Alguns acreditam que estamos no fim do mundo: cortes nas verbas para ciência, fundamentalistas religiosos esperando o apocalipse, terraplanistas, a nova ascensão de grupos racistas. Então é normal que Fancher e Villenueve se voltem para um mundo moribundo, onde a grande metrópole vista de cima parece uma grande favela e onde fazendas são tão estéreis que tampouco suportam a vida de uma árvore. K (Gosling) faz parte desse sistema. Sendo um replicante um Blade Runner, o personagem é um agente autofágico desse mundo que não aceita as diferenças, a não ser que elas existam para o prazer de um mestre.
Interessante que K vive esse dilema de obedecer às ordens de humanos – que se julgam superiores por terem nascido – mas não pertence ao mundo deles. Ele é o resumo do pária, alguém sem lugar naquele mundo e que provavelmente seria descartado no momento em que não fosse mais necessário. Primeiro, o policial aparece como uma ameaça sem nome (apenas um código), sem face e sem forma. O primeiro ato serve para destrinchar esse personagem sem um lugar para chamar de seu, que se engana com as refeições projetadas pela AI Joi (Armas). Porém, o momento mais marcante dessa relação dos dois é quando ela é cortada pela chamada da chefe de K – literalmente pausando a vida do personagem.
Assim como o original, a chuva em Los Angeles traz um clima triste à jornada do personagem. E os vários prédios que deixam as ruas apertadas são claustrofóbicas. Tudo isso para mostrar um emaranhado sem saída, algo controlado por pessoas como Wallace (Leto), um personagem com complexo de deus e que se sente adorado com um no seu escritório dourado, construído como o palácio de um faraó. Sendo ele cego – ou melhor, com seus olhos sem vida – o CEO se acha no direito de destruir inclusive as vidas que cria, mesmo que dê um pouco de liberdade à Luv (Hoeks): a mesma liberdade que nós humanos teríamos diante de um ser onisciente.
A similaridade, sempre necessária na Ficção Científica, não decepciona na trama, aparecendo de maneira mais diretas ou em menor escala. Por exemplo, há a transformação de uma cidade inteira num grande lixão, onde pessoas ainda vivem nela e dela, apesar da propaganda oficial dizer que a empresa de Wallace acabou com a fome – isso é bem identificável em qualquer lugar do mundo. A mais profunda, não que seja uma grande novidade (como a própria relação entre K e Joi), é a discussão do que nos faz humanos, a discussão da alma e se ela nos é dada ou adquirida de alguma maneira.
Se existe algo que podemos apontar como um desenvolvimento problemático é quando a trama se explica demais. A vantagem é que isso acontece de maneira pontual, e a mais incômoda é quando uma personagem avisa que existe a chance dela desaparecer da trama e sabemos que é exatamente isso que vai acontecer um pouco mais a frente. É um daqueles momentos tão telegrafados que só ficamos aguardando a hora que vai ocorrer. E o pior é que sabemos inclusive que será o responsável pelo feito. O importante é que esse pequeno empecilho não vai atrapalhar o resto do filme; algo que nem mesmo a longa duração consegue.
É importante também notar como Villeuneve usa as cores. À princípio o trabalho de vestuário pode parecer simples: os personagens constantemente vestem preto ou branco – com exceção de Joi, que apesar de usar preto também, trazendo um pouco mais de cor e graça para a vida de K, mesmo que seja usando uma capa de chuva sem que fosse necessário – mas isso diz bastante para a trama. As cores escuras ficam basicamente com K, Joshi (Wright) e toda a força policial de Los Angeles. As cores brancas são reservadas aos outros replicantes, principalmente Luv – e notem como aos poucos ela vai incorporando o preto no seu figurino.
E isso se reflete tanto no figurino como na fotografia de Roger Deakins, que serve tanto para o clima quanto para o aspecto físico dos lugares. A cor branca é usada no ambiente em dois momentos distintos e que farão muito mais sentido no fim do filme, amarrando partes da narrativa visualmente, momentos que são trazidos à tona pela investigação de K. No primeiro momento, na abertura já citada, esse branco está um tanto maculado; no segundo, porém, ele já é puro. Isso evoca um sentimento messiânico, onde um personagem é caçado para que sirva tanto uma facção quanto a outra, como uma Segunda Vinda. Ou a primeira, considerando quem são os genitores dessa figura.
Villeuneve toma cuidado inclusive ao usar as cores de maneira que sirvam à narrativa de outra maneira. Mais uma vez ele nos chama para esses detalhes, dando pequenas pistas nessa investigação de K, como quando ele é iluminado por uma luz branca quando descobre uma coincidência muito importante e que o faz questionar a própria história. A luz clara que banha rapidamente o personagem é tanto uma benção quanto uma maldição, mas que coloca o personagem num caminho diferente – e se levarmos em conta que logo depois disso ele mudou por dentro, não respondendo mais automaticamente questões, é como a mudança que um messias faria ao tocar alguém, mesmo metaforicamente.
Mais uma coisa que vale notar é evolução desses Replicantes. Diferente de Roy (personagem de Rutger Hauer) e seus amigos no filme original, os replicantes daqui alcançaram a perfeição humana. Eles podem criar empatia, mas principalmente tem a características mais humanas de todas: a crueldade. Roy e outros matavam para sobreviver, mas em 2049 Luv vai além de proteger a sua raça, ela tira do caminho aqueles que se opõe a missão dela, buscando seu messias, com mais dor que o necessário. E isso é uma outra grande crítica às nos mesmos, onde a empatia é uma característica menos importante, ou nem mesmo desejada, vista a ação de Wallace com uma das suas criações, do que a capacidade de odiar.
Ou seja, a produção acerta nos dois tipos de rima: a de texto e visual, conversando com o original dos anos 1980 tanto no texto quanto na música (ouvimos aqui e ali toques de Vangelis) e outras pequenas homenagens, como a íris que abre ambos os filmes. Mas a produção é bela visualmente por si só. Além do comentário do já citado figurino, vale a pena apontar o restante do trabalho de Deakins que passeia por cenários e climas – como desértico vermelho, passando a insegurança e incerteza do que K procura enquanto passa por um apiário (signo dos primeiros replicantes e suas vidas curtas), entrando num amarelado estado de atenção antes de encontrarmos a conhecida figura de Deckard (Ford).
A história é inclusive corajosa ao não jogar todo o peso nos ombros do protagonista do filme original. Deckard não é o típico personagem que passa o bastão – como foram os outros personagens encarnados por Ford em seus recentes retornos. Ele não é um mentor, nem uma figura paterna, não tem paciência e tampouco se importa porque K está ali. O que ele faz, ainda na alcunha da figura idealizada de um policial, é fazer o que é certo, num mundo solitário que é foi trilhado por um amor incondicional (e que podemos dizer também que era idealizado). É um momento tão sério que com muita destreza é quebrado com um tanto de humor, pois as caras carrancudas já eram demais.
O maior desafio de Blade Runner 2049 era apresentar uma história à altura do antecessor: uma tarefa hercúlea e injusta, considerando a perfeição e a genialidade do original. É até injusto fazer comparações, a não ser para dizer com os filmes se completam (ou não), mas Villeuneve foi respeitoso e soube incluir nesse lugar conhecido algo de originalidade, sem se esquecer com o que lidava. Existem na trama alguns temas já abordados em outras produções – com mais competência, inclusive – mas isso não tira o brilha da nova produção. É um exagero dizer que esse é um filme necessário (pois poucas continuações são), mas com certeza é o tipo de ficção científica que precisamos para refletirmos sobre a nossa própria existência e o que faz nos ser o que somos.
Blade Runner 2049 concorre ao Oscar 2018 nas categorias Melhor Fotografia (Roger Deakins), Melhor Produção de Design (Dennis Gassner e Alessandra Querzola), Melhor Edição de Som (Mark Mangini e Theo Green), Melhor Mixagem de Som (Ron Bartlett, Doug Hemphill e Mac Ruth) e Melhores Efeitos Visuais (John Nelson, Gerd Nefzer, Paul Lambert e Richard R. Hoover).
Elenco
Ryan Gosling
Harrison Ford
Ana de Armas
Sylvia Hoeks
Robin Wright
Mackenzie Davis
Carla Juri
Lennie James
Dave Bautista
Jared Leto
Direção
Denis Villeneuve (A Chegada)
Roteiro
Hampton Fancher
Michael Green
Argumento
Hampton Fancher
Baseado em
Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (Philip K. Dick) e Blade Runner (Ridley Scott)
Fotografia
Roger Deakins
Trilha Sonora
Hans Zimmer
Benjamin Wallfisch
Montagem
Joe Walker
País
Estados Unidos
Distribuição
Sony Pictures Releasing
Duração
163 minutos
Em 2049, K, um Blade Runner que também é um replicante, caça os modelos antigos da sua raça. Ao descobrirem um segredo que pode mudar a relação entre humanos e replicantes, o agente é ordenado a caçar e destruir esse segredo, uma ação que o colocará de frente com o mais conhecido dos caçadores: Deckard.
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