Bergman: 100 Anos | Crítica | Bergman: Ett år, Ett liv, 2018
- TIAGO
- 19 de julho de 2018
- 9/10, cinema escandinavo, Críticas, Documentário, Filmes
- 0
- 1881
Bergman: 100 anos é tanto uma homenagem quanto uma exposição nua e crua de um diretor genial e cheio de grandes vícios como ser humano.
É bem difícil fazer um retrato crítico de alguém que somos apaixonados. Pode ser o pai, mãe, cônjuge. Ou pode ser alguém com Ingmar Bergman, um desafio aceito por Jane Magnusson no documentário Bergman: 100 Anos. É penoso porquê de um lado temos uma figura amada e, como a própria diretora diz no começo do filme, o diretor mais admirado de todos os tempos. Mesmo que nem todos concordem com essa afirmação, ela é verdade para a diretora e para seus fãs. E ao invés de fazer um trabalho imparcial e pouco profundo, Magnusson foca no ano mais produtivo da carreira de Bergman para despi-lo nesse post-mortem, tanto homenageando quanto apontando seus defeitos, dando um aspecto humano a alguém admirado por muitos.
Ao invés de focar na carreira inteira de Bergman, muito longa e multimídia – Magnusson faz um recorte específico: 1957, ano de lançamento de O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet) e Morangos Silvestres (Smultronstället). A partir disso, a diretora cria ramos para entender essa intrigante mente do diretor falecido em 2007, um homem que por causa de suas dores decorrentes de um problema estomacal, parecia estar sofrendo muito pelas fotos e vídeos de bastidores que poucos tiveram acesso. A diretora faz um tanto de poesia aqui, mostrando que Bergman precisava liberar essa dor através da direção e escrita, onde suas produções só começariam a fazer sentido quando falassem dele mesmo. Então, esse ano é marcante porque é nele que Bergman se derrama.
Mas nada vem sem um preço. Vários cineastas disseram que o cinema é a amante de suas vidas e que precisam se desculpar com seus parceiros por causa disso, mas não é o caso de Bergman. “Não lembro de quando meus filhos nasceram”, diz o diretor que prefere marcar sua vida pelas produções que lançou, buscando conforto nas palavras e não na sua prole, o que o aperfeiçoava como diretor e o detratava como pai e esposo. Magnusson faz questão de marcar seus relacionamentos, de como ele traiu Gun Grut e depois retratou isso em película, de partes sombrias da sua juventude – como a admiração ao regime nazista quando era jovem – e uma parte não publicado de sua autobiografia que sugeria um estupro.
Curioso que um homem do cinema – e do teatro, rádio e TV – não pode ser confiado por suas palavras. O incrível trabalho jornalístico de Magnusson faz comparações de biografias, entrevistas e depoimentos com gente próxima ao diretor para marcar que ele poderia inclusive ser definido senão um mentiroso, pelo menos alguém que desejava mostrar sua verdadeira face pelos filmes. Ali, sugere a diretora, que Bergman realmente se exorciza – e temos a diretora para ser a exorcista, puxando do fundo da alma do diretor momentos que nunca vimos, como uma entrevista com o irmão mais velho, um documento tão marcante que foi impedido de ser retransmitido tamanho o poder que Bergman tinha em seu país.
Essa pequena filmagem, menos de cinco minutos, é uma mudança de paradigma do diretor, principalmente quando a diretora pula para 1982 e faz reflexo dela naquela que é uma das maiores obras do diretor: Fanny & Alexander (Fanny och Alexander). É difícil fazer análise de alguém que não está mais presente, mas é justo dizer que os filmes de Bergman são um tipo de terapia, algo que ele só conseguiu fazer uma vez, de acordo com uma entrevista presente no filme. Ele dizia se retratar de alguma maneira, falando de sua infância com um pai severo e os sofrimentos que isso lhe trouxe. Mas a investigação de Magnusson propões que isso pode não ser exatamente verdade e a maneira que a diretora nos apresenta isso no seu documentário nos abre para novas percepções.
E havia uma aura misteriosa em Bergman, por isso a diretora se debruça por tanto tempo – o documentário tem quase duas horas – nesse personagem que tem tanto poder na Suécia que mesmo hoje seu primeiro filme não pode ser exibido ou ter imagens divulgadas de tão terrível que Bergman acreditava ser. Mas essa aura é encaixada peça a peça por Magnusson. Ela constrói para nós, como um quebra-cabeça, momentos-chave que se espalham tanto antes e depois de 1957 para entender melhor essa pessoa que parecia ser uma força da natureza, alguém que mesmo hospitalizado não parava de criar, sem nunca esquecer que tratava de um ser humano.
A admiração de Bergman é tão grande, talvez tão enorme quanto a qualidade de seus filmes, que durante a narrativa do documentário podemos nos perder nessa grandiosidade. São nesses momentos que Magnusson nos puxa de volta para que não esquecermos de que não estivemos presentes no mesmo século de alguém perfeito. Além de ser um pai ausente e a maneira que tratava mulheres, atores e atrizes sofreram nas mãos do diretor – o que o coloca ao lado de outros cineastas geniais que fizeram o mesmo, como Kubrick, Hitchcock e Friedkin –, momentos temperamentais e ciumentos intercalando a produção, num lembrete de suas falhas para, sempre que possível, lembrar-nos de sua esfera humana.
É bem provável que usemos a palavra gênio de maneira leviana, como se esse adjetivo não fosse reservado à parcela mais ínfima que a história humana criou. Bergman se aperfeiçoava pelos seus filmes e usou de cada degrau subido para manter sua influência, de maneira egocêntrica. No entanto, não podemos negar a mudança que a presença dele na nossa história fez a diferença. Magnusson mostrou isso por meio dos depoimentos de seu filme, um misto de admiração com algo que não podemos classificar como ódio, mas que machucou algumas pessoas, para dizer o mínimo – e isso faz justiça a quem se sentiu assim e não era ouvido tamanho o poder de Bergman enquanto ainda era vivo.
O mais ácido que podemos ser com alguém que admiramos é despir essa pessoa em frente à plateia para realmente entendermos quem aquela pessoa é. Assim faz Magnusson em Bergman 100 anos. Depois da produção podemos até nos pegar pensando que Bergman era algum tipo de mitomaníaco, uma condição psiquiátrica que impele a pessoa a mentir. Mas não é exatamente isso que o cinema faz? A cada vez que entramos numa sala de cinema escura somos pagos para sermos enganados, e o que Ingmar Bergman fez durantes essas décadas de relevância são, pelo menos na visão da diretora, a mentira final. E se mentir é contar histórias, Bergman foi o mentiroso derradeiro – e fica para nós como ele será julgado por causa disso.
Elenco
Ingmar Bergman
Lena Endre
Thorsten Flinck
Elliott Gould
Jane Magnusson
Barbra Streisand
Liv Ullmann
Lars von Trier
Direção
Jane Magnusson
Fotografia
Emil Klang
Trilha Sonora
Jonas Beckman
Lars Kumlin
Montagem
Hanna Lejonqvist
País
Suécia
Distribuição
B-Reel Films
Duração
117 minutos
Ingmar Bergman completaria 100 anos, se estivese vivo agora em 2018. Nesse docuemntário, a diretora Jane Magnusson investiga como o diretor chegou no seu auge em 1957 e como a influência do sueco transpassou o cinema, além de apresentar um lado sombrio e talvez pouco conhecido do diretor.
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