Atômica | Crítica | Atomic Blonde, 2017, EUA
Atômica pode ser um filme divertido, mas não se aprofunda nos personagens e consegue ser confuso em muitos momentos.
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, Eddie Marsan, John Goodman, Toby Jones, James Faulkner, Sofia Boutella, Bill Skarsgård, Barbara Sukowa | Roteiro: Kurt Johnstad | Baseado em: Atômica: A Cidade Mais Fria (Antony Johnston, Sam Hart, DarkSide Books) | Direção: David Leitch (John Wick: De Volta ao Jogo) | Duração: 101 minutos
Por ser a arte que mais envolve os sentidos, é fácil se perder nas imagens e nos sons do cinema, algo que é percebido em Atômica, primeiro trabalho de Leitch. Primando pela ação e diversão, que com certeza levam à audiência no teto, o filme é uma daquelas experiências narcóticas que te levam por um caminho saudosista – indicado pela trilha sonora – sem se aprofundar em dramas ou desenvolvimento de personagens. Apesar disso, o filme tem um estilo visualmente interessante, nota-se a qualidade da direção e traz uma nova personagem de ação para bater de frente com outros clássicos e mais recentes.
O filme brinca um pouco com o (techno) noir. Apesar das diversas cenas diurnas, o escuro da noite é trocado por luzes neon frias que representam tanto o clima de Berlim na época da queda do Muro, o nome do conflito entre as duas grandes potências e a própria de Lorraine Broughton (Theron), que ainda por cima toma banhos frios cheios de gelo que tem um sentido tanto para traçar perfil da personagem quanto o fisiológico de desinchar hematomas. Além de fria, a personagem solitária e calculista é usada por seus superiores como uma arma, o que justifica que por quase dois terços do filme Lorraine não usar armas de fogo.
Para quem for fã dos anos 1980, musicalmente falando, ficar batucando nas pernas ou no braço da cadeira ao som de David Bowie, Depeche Mode e New Order será uma reação natural. A música serve, em parte, para nos posicionar cronologicamente na trama. Às vezes, serve para mostrar sentimentos, como a música de Bowie que evoca Berlim quando Lorraine chega na cidade. Mas para brincar com o que estamos assistindo e vendo, quase como o cinema soviético quando o som começou a aparecer no cinema, a espiã britânica bate (e muito) em alguns policiais alemães que tentam prendê-la enquanto ao fundo ouvimos uma música romântica de George Michael.
Vale notar também que o uso das músicas, não todas, é diegética. Então, na cena citada no parágrafo anterior, Lorraine a coloca no rádio para esconder dos policiais a sua presença. Na cena de abertura, um dos antagonistas da trama persegue outro agente ao som de New Order, e quando ele sai do carro a música fica abafada, como se nós nos afastássemos também da fonte do som. Isso é uma justificativa do diretor para poder usar a trilha sonora como parte daquele universo e não só de referência temporal para o público – e sabemos como isso poderia dar errado como um certo filme de vilões do ano passado.
O problema é perceber que esse cuidado todo com a luz e a maneira que a música é usada não se reflete apropriadamente no desenvolvimento dos personagens. Sabemos que existe uma relação entre Lorraine e o agente assassinado no prólogo do filme, mas ter essa informação não faz diferença nenhuma para a trama. Percival (McCavoy) é, por algum motivo, um agente secreto que beira o autodestrutivo que não sabe o conceito de ser discreto, como vemos na escolha de dirigir um carro esporte em alta velocidade depois de uma cena de perseguição. Para dizer que os personagens não são relegados apenas ao visual, vale a pena apontar o código de honra de Lorraine ao não matar os policiais – que estavam apenas fazendo seu serviço – e um livro de Maquiável que vemos na coleção de Percival.
Mas o roteiro paga por isso. Johnstad já provou que sem uma boa base não consegue desenvolver bem seus roteiros – vide 300: A Ascenção do Império (300: Rise of an Empire, 2014, Noam Murro) – e isso se sente principalmente na jogada de informações confusas para o espectador. Não é que Lorraine fizesse isso para confundir seus superiores no depoimento que está dando, como se escondesse informações de quem não confia. Isso também é culpa do diretor, que tem uma experiência enorme trabalhando com dublês mas não consegue dar um sentido narrativo para a sua trama, por isso não se culpe se sentir perdido eventualmente entre uma parte e outra.
Tomem como exemplo a cena mais marcante do roteiro que ocorre dentro de um prédio abandonado. Tendo de cuidar de si e mesma de um agente desertor, Lorraine se vira como sabe, improvisando, para sair daquela situação. A cena é dotada de uma beleza plástica que fara parte de listas de melhores de ação por vir, e Leitch é muito inteligente ao deixar a cena silenciosa para aumentar a tensão, numa cena visceral com tiros e ossos quebrando. Esse é o resumo das partes boas do filme: uma personagem durona que sabe como sair de situações perigosas e com consegue improvisar à medida que avança.
Essa sensação de improvisação é sentida no roteiro também. Só isso explica a falta de cuidado com os personagens em momentos-chave. O que acontece com a agente Delphine (Boutella) perto da conclusão do filme é inaceitável, mesmo para uma agente pouco experiência. Ela é colocada numa situação que nem mesmo alguém de fora faria; serve para ser convenientemente alvo fácil de seu perseguidor. Um pouco mais a frente, há um monólogo de um personagem que serve de justificação para suas ações. É feita quase como uma narração off para terminar com o personagem gritando para tela. Para um filme que primou pelo visual essa cena é, esteticamente, perdida e não serve de nada para a narrativa.
Pela Importância do destaque personagem feminina como heroína de ação, algo que já demorou demais para ser comum, Atômica merecia ser mais lapidado para entrar em equilíbrio com o visual da tela. A montagem rápida, a coreografia e as grandes cenas de ação escondem isso, mas para quem já está acostumado com o gênero percebe que a força da protagonista não é proporcional ao roteiro em que se encontra. A personagem merece uma segunda chance nessa moda hollywoodiana de transformar tudo em uma franquia, mas merece também encontrar alguém que saiba que as camadas interiores são tão importantes quanto as exteriores.
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Atômica | Sinopse
Durante o fim da Guerra Fria, todos os planos de paz podem vir abaixo se uma lista com nomes de agentes secretos dos dois lados for divulgada pelo maior preço. E é a missão de Lorraine Broughton evitar que as informações caiam em mãos erradas.
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