Como Nossos Pais | Crítica | Brasil, 2017

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Como Nossos Pais é uma carta aberta ao cotidiano e como as relações entre família funcionam e a típica cobrança inumana da mulher na nossa sociedade.

Elenco: Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Felipe Rocha, Jorge Mautner, Herson Capri, Sophia Valverde, Annalara Prates, Cazé Peçanha | Roteiro: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi | Direção: Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças) | Duração: 102 minutos

Há um drama um tanto novelesco envolvendo a trama de Como Nossos Pais. Mas é interessante em contrapartida por parecer algo que poderia ser tirado do cotidiano da maioria de nós. Lidando com temas de maternidade, casamento, sexo e relações fraternas, é bem fácil nos identificarmos, pelo menos em algum ponto, com a narrativa da protagonista ou dos coadjuvantes. O filme levanta questionamentos importantes que ecoam na nossa atualidade, mas tem problemas de desenvolvimento no quesito filme – algumas dessas questões são mais ou menos relevantes, o que acaba comprometendo o resultado desse trabalho menos provocativo e mais direto que outros trabalhos da diretora.

A comparação novelesca vem da notícia bombástica que Rosa (Ribeiro) recebe da mãe: acontece logo no começo, numa reunião de família cheia de farpas e neuras para lidar e ainda é precedida por uma tempestade. Óbvio que se fosse uma novela de verdade, seria uma situação resolvida depois de uma arrastada narrativa.  Porém, Bodanzky ganha pontos pela naturalidade e familiaridade daquela cena com uma iluminação que não provem de uma fonte de luz de estúdio e não é acompanhada de uma trilha sonora para reforçar o estranhamento. Ao contrário, o silêncio sepulcral depois da notícia é o que faz a cena parecer mais real enquanto Rosa e o resto da família assimila a notícia.

Mas a motivação de rever a vida da personagem feminina não vem do clichê de ser traída pelo esposo ou alguma grande tragédia pessoal. Rosa é impulsionada por uma figura mais reservada aos homens, é verdade. Por isso que ter uma transgressão vinda da mãe é tão interessante, pois serve para quebrar paradigmas. Mas para continuar no mundo da familiaridade, Bodanzky coloca nas palavras de Dado (Vilhena) as grandes tragédias, ironicamente claro, do que é ser homem e os sacrifícios que ele fez para ajudar a esposa. Frases como “eu abri mão do futebol com os amigos” ou “porque você não pediu minha ajuda?” são tão enraizadas na nossa cultura que a diretora faz piada delas para mostrar o ridículo delas ainda sendo proferidas.

No entanto, para não cair no clichê da mulher forte que supera tudo apesar dos pesares, Rose é construída com fragilidades. Há uma discussão na história se, afinal de contas, Dado está sendo ou não infiel no casamento, uma discussão que lembra a grande dúvida de Bentinho sobre Capitu em Dom Casmurro. São pedaços de informação e troca de mensagens que não são esclarecidas, mas que tem muita importância na trama evocando de novo o machismo na sociedade quando, nos questionamentos de Rosa, Dado chegar a culpar a TPM da esposa por essa desconfiança.

O que atrapalha o desenvolvimento da trama é a pressa da diretora em contar a história. Em determinado ponto, Rosa decide viajar até Brasília para resolver a posição que a mãe lhe colocou. Aí que sentimos essa correria de que o filme precisa terminar, mas não houve tempo nem preparação. Por mais que o corte desse momento mostre a decisão-surpresa de Rosa viajar – num momento ela está ali, no outro não – faltou um tipo de preparação da parte dela. Pois numa cena anterior a mãe diz que não tem mais o contato da pessoa que ela procura na capital federal, mas o contato com essa pessoa acontece de maneira muito fácil, tendo a importância que tem.

Já o que funciona é como as relações são mostradas visualmente na trama. As interações de Rosa com a mãe, o esposo e o irmão se dão em lugares apertados – uma área de serviço, um banheiro ou dentro do carro –  e cada um tem suas particularidades. E o mais interessante é notar que a cada discussão entre Rosa e Dado há algum tipo de barreira: uma vez é a cuba da pia, outra é a parede do quarto e mais tarde e a parede do box de vidro do chuveiro. Essa divisão visual acontece em outros momentos, como quando Rosa discute com uma das filhas – aí a diretora a espreme ainda mais -, isolando e perturbando a personagem que se sente perdida.

Essa aproximação dos personagens, que nos momentos com Dado é mais agonizante, contrasta com a sequência da praia com Pedro (Rocha). Ali não existem paredes, significando que não existe uma relação de cumplicidade entre aqueles dois, mas que está aberta a possibilidades. Algo como aconteceu na viagem à Brasília onde Rosa encara a cidade nua no quarto de hotel. Pela proximidade da água (batismo) em momento e estar como veio ao mundo no outro (nascimento), Rosa procura recomeçar nesses momentos, conflitos que agora fazem parte da personagem que ainda não achou respostas para as pressões que sente.

Outro ponto que é um demérito é a relação de Rosa com personagens secundários, sendo que alguns parecem simplesmente desaparecer da trama por não sentirmos falta deles, como é meia-irmã de Rosa que só serve para fazer uma relação com espectador, atuando realmente como espectadora na casa do casal. É uma interação inócua, assim como é a viagem de Rosa à Brasília, que não serve para nada, pois ela não evoluiu ou regride desse encontro – o que nos deixa a pergunta de que para que serviu.

Como Nossos Pais é uma leitura interessante sobre o cotidiano e não é difícil nos encaixarmos em algumas situações – ou até todas. É um olhar para dentro, um estudo de que como somos influenciados pela nossa criação e da nossa tentativa de afastamento, de que não há nada de errado em pensar diferente de quem nos criou e que isso é até saudável para o desenvolvimento e autoestima. E, no fim das contas, sobre amadurecer e entender que nem todas as respostas são dadas facilmente. Como a comparação feita com uma peça de Ibsen, a cortina fecha ser sabermos exatamente o que vem depois, um paralelo com a vida que parece óbvio, mas às vezes é esquecido.

Como Nossos Pais | Trailer 

Como Nossos Pais | Pôster 

Como Nossos Pais | Cartaz

Como Nossos Pais | Galeria 

Como Nossos Pais | Sinopse 

Ao lidar com uma notícia bombástica dada pela mãe, Rosa começa a rever os caminhos que levaram sua vida até aquele estado num mundo que exige que ela seja a mulher perfeita, seja como esposa, mãe ou profissional.

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".