Aquarius | Crítica | Brasil, 2016
Aquarius é uma batalha contra vários tipos de opressão, e só peca pela falta de dinamismo.
Elenco: Sonia Braga, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Humberto Carrão | Roteiro e Direção: Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor)
Uma coisa é impossível de se negar: Kléber Mendonça Filho arriscou muito em Aquarius. Assim como em O Som ao Redor, a nova produção é um recorte de uma vida, dessa vez se concentrando em apenas uma história. Durante a longa projeção de 140 minutos há risos, dramas e uma contemplação nem sempre necessária. Se a mensagem fosse menos relevante e se a protagonista fosse menos interessante, a falta de dinâmica enterraria o filme. Do mesmo jeito que a vida, é difícil acompanhar toda a narrativa da última resistente do prédio, e apenas faltou um equilíbrio por parte de Mendonça ao usar o tempo como elemento, ainda que ele seja um ótimo diretor.
Há uma nostalgia latente na ambientação da história de Clara (Braga), uma mulher que lutou contra um câncer no passado e hoje luta para que o edifício Aquarius, ela agora a única moradora, não seja demolido. Clara poderia ser – e provavelmente é – apontada como aquela excêntrica, louca num tom mais pejorativo, que não aceita o progresso. Até sendo entrevistada por um jornal pernambucano, que depois distorce suas palavras, a forçam que o passado tem que ser deixado para trás. Porém, Clara é uma mulher forte, de princípios e até mesmo moderna, como podemos ver no prólogo do filme. É incrível como muito disso seria perdido, muito provavelmente, se não fosse a entrega de Sônia Braga.
Mendonça Filho estrutura dentro da longa narrativa alguns curtos momentos que explicam a personalidade de Clara, como ouvir uma música do Queen numa expectativa que do som do carro saísse uma música nacional e em oposição ao som da festa que ele vai, o desafio à autoridade de Roberval (Santos), a briga que encara com o jovem e rico empreiteiro Diego (Carrão) e sua empresa e a cena em que a protagonista visita o túmulo do seu falecido marido e vê a exumação de um corpo. Ali é a síntese de todo o filme: velho deve sair em prol do novo – assim com uma dita guerra entre analógico e digital. As pessoas que insistem que Clara se mude são, na maioria, jovens, desde seus filhos a antigos vizinhos.
Basicamente, o Aquarius é um museu – e não um mausoléu – onde passamos em frente muitas vezes na nossa vida sem saber o que há lá dentro, outra metáfora representada pelo momento em que Clara explica seu amor por discos quando acha uma pequena relíquia dentro do encarte de um deles. Comparar o prédio a um museu não é algo pejorativo, porque ali dentro existem histórias, momentos para serem lembrados, que inúmeras vezes não tem o devido respeito. Clara é a resistente guardadora de histórias e de momentos, mesmo sendo pouco visitada e se sentindo pouco amada.
O grande problema cai na duração dessa visita. A falta de dinamismo é o grande pecado da direção de Mendonça Filho. Com mais de duas horas de projeção, o tempo não funciona como parte da narrativa. Há mais de um momento, em oposição àqueles curtos mencionados e que funcionam muito bem, que elementos poderiam ser facilmente encurtados, até mesmo cortados. Não vai ser difícil você ou alguém do seu lado na sala de cinema virar os olhos e reclamar, corporalmente que seja, pedindo inconscientemente que a história avance. Não há nada de errado com a contemplação, mas o diretor não foi feliz nesse quesito.
Em compensação, embarcando na experiência e aceitando o fato de que esse é um filme que demandará mais tempo e mais atenção, o retrato filmado por Mendonça Filho é bem rico e até simples de ser entendido. Fora alguns devaneios sexuais da tia de Clara no começo do filme, para reforçar a personalidade livre e forte da personagem, a história flui com começo, meio e fim bem definidos. Com seu jeito peculiar e quase documental de filmar, a história do diretor de vez em quando parece sem elegância, um tanto crua, mas que reflete um retrato do Brasil.
Retrato esse que passa por aqueles tipos machistas, como na cena em que Clara conhece um senhor num desses bailes da terceira idade. Ela é rejeitada por não ter uma das mamas, por ser menos mulher na visão retrógrada daquele homem. Claro, no entanto, não foge do alvo da classe média alta que representa, e em outra cena curta – de novo – se diverte com seus familiares vendo fotos de família. Nesse momento, a empregada da família, aquela clássica com anos de casa, aparece para mostrar a única foto do filho que carrega com ela, querendo participar daquele momento, pois, com certeza, ela já ouvirá várias vezes que ela era como se fosse da família.
Mesmo que a falha em criar uma narrativa mais rápida e com diálogos mais diretos, esse é um filme tocante. Clara representa parte de uma sociedade que sofre investidas de todos os lados, como a marca da construtora e as sombras dos edifícios que se projetam nas praias do litoral nordestino, sem deixar de lado o espectro político. Ela não chega a estar sozinha, mas é só uma entre poderosos – empreiteiros nesse caso, que poderiam ser substituído por outros que jogam sujo –, se apoiando em ombros ainda maiores para conseguir seus objetivos, da maneira que for, sem se importar com as consequências.
Nessa podridão, existem pessoas simples e corajosas, que depois de anos não perdem o vigor, mesmo que o único companheiro seja algo intangível como a música ou a descoberta que mesmo um bebê pode conviver com passado, representado em outra linda cena com o neto de Clara e uma vitrola. Aquarius é o prédio, mas também é essa possibilidade, a convivência de duas ideias. Mas também é sobre resistência, de forças que não podem ser medidas por dinheiro, mas por princípios. Claro é uma personagem clássica, praticamente quixotesca, romântica, bela e principalmente forte. O resumo de tantas pessoas nesse país. Pode ser uma visão otimista demais, mas faz bem acreditarmos que os bons ainda são a maioria.
Aquarius | Trailer
Aquarius | Pôster
Aquarius | Imagens
Aquarius | Sinopse
Clara (Sonia Braga) mora de frente para o mar no Aquarius, último prédio de estilo antigo da Av. Boa Viagem, no Recife. Jornalista aposentada e escritora, viúva com três filhos adultos e dona de um aconchegante apartamento repleto de discos e livros, ela irá enfrentar as investidas de uma construtora que tem outros planos para aquele terreno: demolir o Aquarius e dar lugar a um novo empreendimento.
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema