Aquaman | Crítica | Aquaman, 2018

Abraçando o absurdo de maneira que outras produções não fizeram, Aquaman ganha a audiência pela diversão e a perde pelas falhas no roteiro e diálogos.
Diferente de outros que tiveram a oportunidade e não a aproveitaram, Aquaman se vale do absurdo do próprio universo ao abraça-lo por completo. Ao fazer isso, James Wan nos traz de volta um mundo colorido dos quadrinhos, exagerado em alguns pontos, mas tão comum ao mundo de heróis que a maioria de nós aprendeu a gostar. Nem todas as piadas funcionam e faltou atenção para que os diálogos e furos no roteiro fossem resolvidos, assim como a opção de usar dois vilões num primeiro filme solo, ainda que não seja um de origens, senda essa outra diferença marcante que destaca a produção do Rei dos Mares.
É verdade que os tempos sombrios do Universo DC Estendido foi deixado para trás e, com exceção de um momento onde Wan brinca com o gênero que o deixou conhecido, a sua versão de Artur Curry/Aquaman (Momoa) é a mais nova expressão dessa toada. Mas isso traz um problema: a obra básica, que passeia por tantos elementos e gêneros, cria uma aventura espetacular visualmente, mas em detrimento da história. Wan aqui encarna o máximo do diretor contratado. Fora em uma sequência noturna que aponta para o terror, o diretor tentou fazer o melhor que pôde colocando mais cor num panteão que foi muito criticado no começo pela falta de luz em personagens que representam a esperança. É uma pena que o roteiro não reflete essa luminosidade toda.
Para mostrar que esse é um filme para todas as idades, Wan, junto de outros três argumentistas e roteiristas, transforma no mais básico dos personagens arturianos: o próprio Rei Arthur. Então, a trama que envolve desafios e mistérios que os personagens precisam encontrar um objeto lendário, um tridente de um rei antigo, nos lembra automaticamente de Excalibur. É verdade que a base dos quadrinhos é, ou pelo foi, uma reimaginação de clássicos: personagens como Batman e Superman são arquétipos, estão lá para servir de lição de moral. Mas o roteiro dessa produção é tão simples, com linhas de diálogos tão previsíveis, que é surpreendente levarem mais de 120 minutos para contar a história.
Há também problemas estruturalmente falando. Ao sair da tal parte mais sombria, até a violência do filme é jogada para níveis mais baixos. Podemos ver isso na investida de David Hyde/Arraia Negra (Abdul-Mateen II) quando seus asseclas simplesmente metralham sem piedade alguns oficiais do submarino que sequestram e não vemos sequer os buracos das balas, apesar de vermos os tiros. Lâminas que penetram e não sangram, ferimentos superficiais e o prólogo inocente onde o pai de Arthur, Tom (Morrison) nunca se questiona da história contada por Atlana (Kidman) dão um tom bem inocente ao filme. Apesar de violência gráfica não ser sinônimo de qualidade, essa abordagem simplifica demais a história.
A parte que o filme ousa um pouco mais é a decisão de Arthur de não salvar o pai do Arraia, ainda que ele tenha pedido ajuda. A decisão do Aquaman é quase tirada dos conselhos de Maquiável em O Príncipe (Il Principe, 1532): agindo como um príncipe da maneira que o genovês sugere no seu livro, Arthur acredita acabar ali com uma estirpe que não voltaria para caça-lo. O que é também o plano do Rei Orm/Mestre do Oceano (Wilson) quando teme que seu meio-irmão posso lhe tirar o trono. Há também uma rápida justificação do pai do Arraia para seus atos, uma justiça feita desde o avô do vilão, esquecido por sua pátria. Então, a melhor parte do roteiro toca em tanta gente, essa questão de como seríamos julgados por nossos ancestrais.
Também é inegável a qualidade técnica da produção nesse filme onde a água digital não pareça falsa abaixo da superfície. Os cabelos esvoaçantes e os personagens nadando não parecem estar voando, mas reagindo àquele ambiente. Além de nos surpreendermos com o design de som – sentido numa sala de cinema com qualidade para tal – a impressionante batalha final é digna de entrar nas lembranças das grandes cenas do cinema, como tantas outras aventuras épicas foram. Provavelmente, será uma experiência prejudicada para quem optar pela versão 3D por causa do escurecimento das lentes.
É uma pena que perdemos isso quando nos atentamos ao universo em si. Em primeiro lugar, Geoff Jones esquece de alguns detalhes do filme da Liga da Justiça (Justice League, 2017, Joss Whedon) – e nem me refiro à conversa no filme que acontecem em bolhas de ar, isso é um tanto justificado nessa produção – como Arthur dizendo para Mera (Heard) que a mãe o abandonou na casa do pai, sendo que aqui eles tem uma história de alguns anos até que Atlana tenha que fugir. O filme também tem conveniências demais, mesmo se tratando de um filme de heróis, coisas que não se explicam ou que negam elementos estabelecidos. Nos perguntamos, afinal de contas, como Aquaman e Mera saíram do Saara (talvez tenham ligado para um contato em Gotham City). Também passa pelas nossas mentes como acreditar que Vulko (Dafoe) tenha treinado Arthur apenas na superfície.
E nesse caminho de tentar contar muito e com tantos roteiristas, a história vai tremendo a cada buraco. Se podemos desculpar que a sociedade atlante, milenar e tão avançada tecnologicamente, mas que ainda se deixa ser regida por um sistema tão arcaico de poder em que o rei pode perder o trono por meio de combate, o mesmo não se pode dizer com outras partes do roteiro. É estranho que Orm, um atlante nobre, engasgar com água sendo que eles respiram água. É questionável que Mera esteja numa ilhota e só usa líquido como arma na adega (apesar do efeito vermelho compensar a falta de sangue) sendo que ela já demonstrou uma capacidade bem extensa de seus poderes antes. Mas não há desculpa para o Arraia ferir Aquaman com uma lâmina normal sendo que a primeira cena de ação do filme mostra como é dura a pele dele.
Claro que há bons momentos, mas não podemos nos prender só neles. Assistir coisas como uma Nicole Kidman sendo badass e descendo a porrada para proteger sua família, os toques de humor como a cena do bar que mostra a admiração dos humanos pelos meta-humanos (e posso estar enganado, mas acho que é a primeira vez que o termo é usado no DCEU), um protagonista que poderia ser rei e que não é nada genial, tendo que ser o príncipe resgatado por Mera, e não ao contrário, além de vermos um Aquaman de laranja e verde montando um cavalo marinho fazem o coração dos fãs baterem um pouco mais forte, apesar do fan service que isso é.
Porém, é difícil ignorar a bagunça que o filme se torna. Seja com a escolha de termos dois prólogos, o que ajuda a estender o filme além do necessário, a narração off explicando os flashbacks como se fossem quadrinhos, a música que praticamente não dá descanso aos ouvidos, e decisões dos personagens. Um bom exemplo disso é a cena na Itália. A guerra é iminente e está nos calcanhares de Arthur e Mera, mas, para criar um romance, a sequência mostra que os dois não estão com muita pressa e tem tempo para cheirar e comer as flores. Também é difícil entender a decisão do Arraia Negra, já equipado com raios de plasma que podem ferir Aquaman, decidir usar o combate corpo a corpo sem uma justificativa válida.
Entre momentos à lá Indiana Jones, uma falta de cuidado com a escrita que leva à diálogos que levam à breguice e momentos cômicos que apontam o caminho para a comédia, Aquaman é mais um pedaço desse instável universo DC nos cinemas que vem apontando para caminhos incertos. Claramente há no começo de Jones uma corrida para recuperar o tempo perdido, por isso o filme parece ser vários num só, o que prejudica o andamento da própria trama que na sua duração não sabe onde cortar – a escolha de dois vilões num filme que apesar de não ser de origem é o primeiro voo solo do personagem é reflexo disso. E não deixo de pensar que um filme que fale tanto de diversidade e união dos povos tenho um elenco tão heterogeneamente branco (com exceção do havaiano protagonista).
Elenco
Jason Momoa
Nicole Kidman
Amber Heard
Willem Dafoe
Patrick Wilson
Dolph Lundgren
Yahya Abdul-Mateen II
Temuera Morrison
Direção
James Wan (Invocação do Mal 2)
Roteiro
David Leslie Johnson-McGoldrick
Will Beall
Argumento
Geoff Johns
James Wan
Will Beall
Baseado em
Aquaman (Mort Weisinger, Paul Norris)
Fotografia
Don Burgess
Trilha Sonora
Rupert Gregson-Williams
Montagem
Kirk Morri
País
Estados Unidos
Distribuição
Warner Bros. Pictures
Duração
143 minutos
Data de estreia
13/dez/2018
Cena Extra
Arthur Curry, o Aquaman, não quer saber de assumir o trono de Atlântida, apesar de ser seu direito. Mas uma ameaça do fundo do mar que coloca em risco os dois mundos fará com que ele tenha que fazer uma escolha.
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