Antes da Meia-Noite | Crítica | Before Midnight, 2013, EUA
Antes da Meia-Noite é tão bom de ser visto como aqueles amigos que não vemos a muito tempo, mas que nunca deixamos de nutrir um carinho imenso.
Com Ethan Hawke, Julie Delpy, Seamus Davey-Fitzpatrick, Ariane Labed e Athina Rachel Tsangari. Roteirizado por Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy. Dirigido por Richard Linklater (Antes do Amanhecer).
Existem amigos que não vemos por muito tempo, anos até. E quando os reencontramos é motivo de muita alegria, pois nunca deixamos de pensar neles. Rever Linklater, Delpy e Hawke nas telas em Antes da Meia-Noite, depois de nove anos, traz um sentimento parecido. Mostrando que ainda estão em ótima forma cinematográfica, o trio divide a direção e o roteiro, compartilhando como amigos, para amigos. Com longas conversas e muita introspecção, a terceira parte da história de um casal que se conheceu ao acaso – como tantos de nós – é um belo, triste, e até algumas vezes engraçado, recorte da vida.
Nove anos depois de Antes do Pôr do Sol (Before Sunset, 2004), Jesse (Hawke) e Celine (Delpy) estão morando em Paris, e são pais de duas gêmeas. Durante esse tempo, Jesse percebe que não está vendo o filho do primeiro casamento crescer e se sente culpado por isso. O casal e as filhas estão passando alguns dias na Grécia, enquanto Jesse tenta concluir seu terceiro romance, e Julie cogita trabalhar para o governo. Nesse dia, acompanhamos os altos e baixos da relação entre os dois, suas frustrações e medos.
É comum torcer para que um relacionamento dê certo. E sem saber exatamente o que esperar, os fãs do casal Jesse e Celine entram na sala de cinema com várias perguntas e expectativas. Se perguntavam se aguentaram um ao outro esse tempo todo, e os mais pessimistas tinham certeza que tudo tinha acabado. Refletindo as nossas próprias vidas – ou pelo menos as de muitos – o diretor usa de vários planos sequência para ilustrar as conversas que o casal tem, e como elas mudam de rumo em questão de minutos. Além de mostrar dois atores sendo monstros em suas atuações, o roteiro é muito preciso ao contar essa mudança de rumos, puxando um assunto que leva ao outro, com a maior naturalidade, e tão factível que com certeza o espectador irá se identificar. Senão em todos os momentos, pelo menos a maioria.
O filme discute pontos de vista de diferentes assuntos: amor, paixão, detalhes, relação racional e a possível efemeridade do sentimento numa coleção de pequenas histórias e momentos da vida. E isso é bem representado na conversa que acontece em um almoço na casa dos anfitriões gregos de Jesse e Celine, que estão passando alguns dias de férias no país. As várias gerações conversando é uma discussão do assim dito papel do homem e da mulher na sociedade, que o diretor também mostra poeticamente enquanto Jesse e seus amigos homens estão conversando do lado de fora sobre literatura e Celine e as outras mulheres da casa estão preparando o almoço. E se existia alguma dúvida na qualidade da dupla de protagonistas, essa cena acaba com ela, principalmente quando Celine interpreta uma “vadia burra”. É um show dentro de sua própria performance, que já está maravilhosa.
O diretor explora a falta de trilha sonora para reforçar a ligação com a vida e a realidade, mas pequenas inserções musicais muito inspiradas e interpretadas por Graham Reynolds servem de entreatos de uma situação para outra, um intervalo para o próximo arco. E enquanto acompanhamos o casal andando e conversando, os espectador ganha diálogos fantasticamente construídos e um curto vislumbre do cenário grego, passando por praias, ruas pequenas e aconchegantes, praças e o povo. E o trio de roteiristas é bem corajoso também ao fazer uma cena dentro de uma minúscula igreja ortodoxa e filmar um ato que pegará meio mundo de surpresa – e a outra metade provavelmente ficará com vontade de esganar qualquer um que tenha produzido o filme.
É incrível como é criada a identificação com os personagens. Nos primeiros momentos do filme, Jesse vai deixar o filho no aeroporto para que ele viaje de volta para a casa da mãe – e notem que nesse momento os dois compartilham um tristonho azul nos figurinos – e depois que o jovem atravessa o portão de embarque, o pai fica esperando um último tchau, uma última olhada como sinal de carinho. E quando isso não acontece, dói. Tanto em Jesse quanto na audiência. Também acontece com Celine quando sofremos com sua explosão por causa do medo que ela tem de se tornar uma mulher comum ou submissa, um pensamento comumente ocidental, mas o marido não compartilha desse estereótipo. Sem amarras e sem ninguém além deles dois para discutir, os diálogos são sinceros e também machucam ambos.
Antes da Meia-Noite deve ter sido visto como muito pretensioso. Apesar de não ter lido nenhuma declaração dessas em entrevistas, existe um diálogo em que Jesse diz que o seu novo livro teria sido taxado com o mesmo adjetivo que usei no começo deste parágrafo. A frase não esta lá solta, e os planos sequencia e a duração – com 109 minutos, é um filme mais longo do que seus antecessores que tem 100 e 80 minutos respectivamente – são a prova alguém pode ter dito isso aos três (ou pura alucinação minha). Mas nada poderia ser mais longe da verdade. É um filme com tantos aspectos positivos, e feito com tanto carinho e coragem – que outra expressão usar quando Julie Delpy se deixa filmar seminua aos 40 anos? – que é gratificante fazer parte dessa experiência que já dura dezoito anos. Talvez seja a última vez que veremos Jesse e Celine compartilhando suas vidas conosco. Se for assim, devemos agradecer ao trio pela viagem.
Antes da Meia-Noite concorre ao Oscar 2014 na categoria Melhor Roteiro Adaptado (Richard Linklater, Julie Delpy e Ethan Hawke).
Antes da Meia-Noite | Trailer
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