Ad Astra: Rumo Às Estrelas | Crítica | Ad Astra, 2019
Ad Astra: Rumo às Estrelas é inegavelmente um deslumbre visual, mas é uma história que se perde na própria soberba e lugares-comum.
Se você observar, todo ano aparece nos cinemas um drama existencial que tem o espaço como plano de fundo, e agora é a vez de James Gray com Ad Astra: Rumo Às Estrelas, uma produção impecável visualmente e que segura a atenção do espectador principalmente nesse quesito. No entanto, existe aquela sensação de termos visto tanto dessa perseguição do próprio eu, lidando com problemas de relacionamentos, em especial com os pais, que a produção cai na armadilha de parecer comum demais dentro do espectro de filmes que lidaram com o existencialismo usando as estrelas como analogia. O que traz comparações inevitáveis, infelizmente.
Quando conhecemos Roy (Pitt), Gray faz questão de mostrá-lo como uma pessoa fria e desconectado de todos que não tenham relação com sua missão. Seja com seus colegas de trabalho, quando diz que não gostam que o toquem, nem mesmo com sua esposa, Eve (Tyler). Eventualmente, descobrimos que é tudo por causa com seu relacionamento problemático com o pai, Clifford (Jones), uma lenda no programa espacial. A questão é que o personagem é tão acima do próprio Roy que nem um primeiro nome lhe é dado – sabemos apenas sua inicial, H. Esses primeiros momentos do filme dão o tom ao restante do filme, onde o protagonista levanta muitas perguntas sobre si.
Aí, reside um grande defeito da produção. Indicando um quê de soberba, Gray abusa das narrações off para mostrar o Roy está pensando e sentindo. Isso transparece que o diretor, dividindo o roteiro com Gross, acredita que seu personagem é tão complexo que o espectador não entenderá todas as suas nuances sem essa muleta narrativa. No entanto, Pitt está tão bem no papel que esse recurso se torna vazio, isso quando não é irritante. É bem perceptível que Gray quis dar ao seu filme uma profundidade como Terrence Malick faz – inclusive algumas montagens lembram a assinatura do diretor de De Canção em Canção (Song to Song, 2017).
O problema é que essa escolha, além de limitar a capacidade de raciocínio do espectador, mostra uma insegurança quando Gray aborda a questão da profundidade. Os filmes de Malick são conhecidos pelos poucos diálogos e uma liberdade de improvisação nas filmagens. Já aqui, há um engodo porque existe muito diálogo, inclusive agradecemos o silêncio espacial quando vem, e ainda por cima, essas narrações que afirmam muitas vezes o óbvio. E mesmo quando não acontece isso, Gray deixa de lado a questão interpretativa para impor uma visão artística, onde, sabemos bem, toda a interpretação deveria ser livre, e não uma relação ciumenta com o espectador.
Entretanto, é impossível não se deixar levar pelo visual do filme, e nisso entram as pequenas coisas e as mais grandiosas. Tais momentos incluem como Roy vê a si mesmo e os outros, e a imensidão e solidão que encontra no espaço. A primeira cena brinca com o foco das lentes para isso, onde primeiro ele vê a si mesmo desfocado numa superfície reflexiva da mesma maneira que não consegue focar na figura de Eve quando a personagem o deixa. As cenas espaciais seguem o padrão estabelecido em filmes mais realistas, com som vindo só quando os personagens são atingidos. Exemplos como Gravidade (Gravity, 2013, Alfonso Cuarón), onde até o pôster é similar, e Interestelar (Interestelar, 2014, Christopher Nolan) são perceptíveis, apesar de haver também uma proximidade grande com o injustiçado Sunshine: Alerta Solar (Sunsinhe, 2007, Danny Boyle).
Gray, para reforçar a sensação que estamos perdidos dentro de nós mesmos, usa de algumas situações bem interessantes, como vermos com a base Lunar parece tanto com um aeroporto qualquer, cheio de propagandas e lojas de conveniências, num paradoxo do que significa ir tão longe e ainda querer se sentir em casa. É uma covardia humana como é a de Roy ao não admitir, por boa parte da produção, que seu distanciamento é um medo bem comum aos humanos, o de não querer se machucar. São rimas visuais que complemente a busca de Roy pelo seu criador, não o divino, mas que ainda assim exigiria respostas. O que acontece é um tanto parecido quando apelamos para alguma divindade: o retorno pode não agradar.
Outro momento que complica o filme são os pulos narrativos, momentos que estão ali só para fazer Roy aceitar sua missão, mas que falham na relação dele com essas fontes. Isso acontece desde o começo, quando o major aceita a missão que envolve o desaparecimento de seu pai, mas nunca questiona como, afinal de contas, existe essa informação. Há um momento pior, já na virada para o terceiro ato, quando uma personagem entrega a Roy uma grande evidência, ultrassecreta, mas que não se explica como foi parar nas mãos de alguém que sequer tinha autorização de acompanhar a transmissão que Roy faria para o pai.
Então são esses defeitos, podemos dizer uma falta de atenção, que implodem na cara do espectador e que pouco a pouco dinamitam uma experiência que poderia ser mais bem resolvida. Talvez essas questões tenham ficado na sala de montagem e uma futura versão do diretor resolva tais questões, mas o que ficou para o público, agora, não teve uma conexão emocional que está lá. Se por um lado o visual vai nos atrair para a produção, o roteiro tem tropeços que nos tiram a atenção desse lado. Gray sabia disso, tanto que usa as narrações para tentar justificar esses problemas.
Porém, é bem difícil ignorar o caminho tirado dos piores romances românticos. Para ser feliz e poder ser feliz com Eve, Roy tem que resolver primeiro os seus enormes problemas só para então olhar para enfrentar a situações aqui no nosso Planeta Azul. Isso já foi usado de outras maneiras em outras produções menores, mas é a mesma coisa no filme de Gray, onde um homem precisa resolver suas neuras para poder amar – a diferença é que esse problema não resolvido com o pai está a mais de 4 bilhões de quilômetros, mas a essência é a mesma. É algo tão rasteiro quanto astronautas sem treino militar tentando interceptar Roy no momento menos propício para isso.
O que não quer dizer que seja uma experiência perdida, mas existe tanto potencial, tantas discussões que poderiam ser exploradas – a oportunidade mais perdida é como alguns personagens lidam com o divino, incluindo o próprio H., numa oposição à ciência – que é com tristeza que vemos esses momentos escaparem dos dedos do diretor. Há também uma ligeira crítica às grandes corporações num reflexo da atual administração Trump com uma companhia de nome SPACECOM tomando lugar da NASA, mas de novo, sem se aprofundar demais porque alguém deve ter pensado que o filme não precisava de tanta profundidade. Provavelmente, mais alguns minutos de projeção ajudariam – além do desaparecimento das narrações.
Para fechar seu modelo de lugar-comum, Ad Astra: Rumos às Estrelas tem uma lição de moral, de como somos especiais, que temos que dar crédito ao que temos aqui ao invés de procurar com muito afinco do lado de fora e como somos sortudos por, pelo menos por enquanto, sermos os únicos seres cientes do nosso universo. Entre imagens icônicas e que farão parte de prêmios técnicos da Academia, a produção mais recente de Gray se perde na grandiosidade que gostaria de transmitir ao não permitir que alces voos próprios, nos guiando pela mão quando não era nem um pouco necessário.
Elenco
Brad Pitt
Tommy Lee Jones
Ruth Negga
Liv Tyler
Donald Sutherland
Direção
James Gray
Roteiro
James Gray
Ethan Gross
Fotografia
Hoyte van Hoytema
Trilha Sonora
Max Richter
Montagem
John Axelrad
Lee Haugen
País
Estados Unidos
Distribuição
Walt Disney Studios Motion Pictures
20th Century Fox (Brasil)
Duração
124 minutos
Data de estreia
26/set/2019
Roy é um astronauta que vive à sombra de seu pai, uma lenda do programa espacial. Quando raios cósmicos começam a atingir a Terra, o jovem Major é enviado numa missão para descobrir se seu pai desaparecido tem algo a ver com isso e, no processo, salvar a humanidade.
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