A Viagem | Crítica | Cloud Atlas, 2012, Alemanha-EUA
A Viagem viaja pouco além do mediano, beirando o medíocre, e peca pelo exagero.
Com Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving, Jim Sturgess, Doona Bae, Ben Whishaw, James D’Arcy, Zhou Xun, Keith David, Susan Sarandon e Hugh Grant. Baseado no romance de David Mitchell. Roterizado e dirigido por Tom Tykwer (Perfume), Lana e Andy Wachowski (Matrix).
Não é a primeira vez no mundo das artes que uma obra tenta evocar a ideia de que estamos todos conectados. “A Viagem” é uma produção que mostra que essa ligação acontece no físico e entra no metafísico/espiritual, com vidas passadas e almas ligadas pelo destino (ou por Deus, ou pelo universo, como acharem melhor). Mas a viagem cinematográfica dos irmãos Wachowski não vai além do mediano, beirando o medíocre. É um filme que peca pelo exagero. Ao invés de manter a simplicidade, as mentes megalomaníacas do trio de diretores/roteiristas preferiu complicar com pulos entre tempos diferentes e sem motivo aparente. Não para o bem do espectador, nem para manter qualquer suspense.
É uma tarefa um tanto hercúlea falar do que se trata “A Viagem”. Baseado num livro, que mais uma vez não li, seguimos as histórias de seis personagens principais em períodos de tempos distintos. Em 1849 acompanhamos Adam Ewing (Sturgess), um advogado voltando de uma ilha no oceano pacífico para os EUA depois de concluir um negócio para o sogro; em 1936, Robert Frobisher (Wishaw), é um músico bissexual que consegue ser assistente de um grande compositor da época enquanto trabalha no sua própria obra, o “Sexteto Cloud Atlas”; em 1973, Luisa Rey (Berry) é uma jornalista que se envolve acidentalmente na investigação sobre uma usina nuclear a ponto de falhar; Em 2012, Timothy Cavendish (Broadbent) é um editor de livros, que nos seus 65 anos consegue destaque por agenciar um escritor que ganha fama ao jogar um crítico da sacada de um prédio e depois tem que fugir porque os irmãos do assassino exigem mais dinheiro das vendas; no futuro de 2144 na Nova Seul, Sonmi-451 (Bae) é um clone feito para atender clientes numa rede de fast-food que é condenada à morte, e conta em interrogatório sua história; e, finalmente, 106 anos depois da “Queda” (2321), Zachry (Hanks) é um morador do Vale, numa época onde os humanos vivem de maneira primitiva, e que conhece alguém que precisa de sua ajuda para guiá-la numa busca. Uau. Mil caracteres só para introdução dessa história que vai nos acompanhar por 171 minutos!
Ao invés de contar as coisas de um jeito cronológico, os responsáveis pulam de um tempo para o outro sem ter um padrão para fazer isso. Às vezes é por algum raccord (o movimento de um trem para o movimento de uma pessoa, por exemplo), outras é pela narração em off de Zachry e pelo menos três ou quatro jeitos. Mas a montagem de Alexander Berner não ajuda em nada. Acontece mais de uma vez do período que está sendo contado ser tão curto que é muito fácil o espectador se perder, e se esquecer de onde veio e nem ter ideia para onde vai. E a fotografia de Frank Griebe e John Toll não ajuda muito, dando destaque para três tempos com alguma clareza: a paleta de tons mais pasteis na linha de 1936, o vintage em 1973, e na do futuro distópico de 2144. Os Wachowski e Tykwer quiseram fazer uma colagem, ou melhor dizendo uma costura para reforçar a ideia de que todos temos algum tipo de ligação, mas a presença dos atores que compartilham períodos de tempo aproximados e os diálogos já seriam suficientes para isso. Cito como exemplo Rufus Sixsmith (Darcy) que é o mesmo personagem em 1936 e 1973, ou Isaac Sachs (Hanks), que diz sentir por Luisa algo muito especial, e que mesmo a vendo uma vez só, já estava apaixonado por ela.
Não que o filme tenha apenas decisões erradas. Algumas soluções poéticas são muito bonitas, e cito aos seguintes: Sixmith é banhado por uma luz vermelha enquanto está preso no elevador com Luisa; Cavendish é um deslocado na festa de lançamento do livro; a crítica ao consumismo infinito no futuro da Nova Seul numa sociedade que prega a chamada “unanimidade” (o ápice do futuro orwelliano); as citações à “Arquipélago Gulag” (de Alexander Soljenítsin); o sonho de Sixmith com Robert como e a personificação da sinfonia; e a menção de um personagem sobre certo tablete alimentício de cor verde (e que talvez os fãs mais novos não reparem, mas falo do Soylent Green. Pesquisem depois). Os efeitos especiais se destacam na sequencia de perseguição de Sonmi e Hae-Joo Chang (Sturgess), e vão servir para encher os olhos para os detalhes técnicos. Mas o um filme precisa mais do que isso.
O filme, infelizmente, continua com decisões equivocadas. Temos o exagero de personagens como Dermot (Hanks mais uma vez) que com tantos trejeitos, ganha um ar artificial demais. Ou ainda a maquiagem horrível de Hae-Joo Chang e de Mephi (Weaving). Vejam bem, eu entendo que os diretores queriam usar os atores em várias linhas do tempo, tendo sempre Hugo Weaving como antagonista, mas não dá para acreditar em nenhum momento que ele ou Sturgess sejam orientais na linha do tempo do futuro.
E,no fim das contas, tenho que apontar as duas grandes falhas de “A Viagem”. A primeira é a decisão de contar as histórias indo de um lado para o outro. É uma tentativa frustrada de fazer um filme profundo como foi “A Árvore da Vida” (The Tree of Life, 2011). Mas é óbvio que os idealizadores da Trilogia Matrix ainda precisam trabalhar muito para chegar de Malick. Não tem sentindo nenhum ocultar os eventos com a desculpa de dar ao espectador uma surpresa se a primeira cena já mostra um idoso Zachry contando sua história, ou logo depois Frobisher ditando sua carta de suicídio. A outra é a falha em apontar com clareza quem é o protagonista do filme. Seria fácil dizer que Tom Hanks o é, mas como ele muda de personagem durante a projeção está é uma informação equivocada. Conjecturas à parte, digo que o protagonista é a raça humana, representada pelos personagens de Hanks. Começa como ganancioso, de índole duvidosa, chega a melhorar, mas depois se revolta por perder algo que lhe era precioso, até superar seus medos e fazer a escolha certa. Mas o estrago já estava feito e é uma pena ver que uma história dessas (ou o conjunto delas) poderia ser montada com a máxima do minimalismo, onde “menos é mais”.
Obrigado pela leitura, e não esqueça de deixar um comentário. 🙂