A Festa | Crítica | The Party, 2017
A Festa é uma comédia de erros e que lembra que todos nós temos nossos segredos e como nossos erros, paixões e visões políticas nos moldam.
O tempo é uma marcação muito interessante para nós, seres humanos. E se há uma coisa que Sally Potter afirma em A Festa, um filme que se desenrola em tempo real, é que nós não precisamos muito dele para estragar tudo. A trama curta aborda de maneira ácida vários aspectos de nós como animais políticos e passionais e como encaramos certezas que levamos pela vida podem ser postas em dúvida quando encaramos os vazios pessoais. É como se Potter usasse aquele recorte, tanto na duração quanto espaço, para apresentar um estudo de caso de pessoas e do próprio país. Mesmo que nessa segunda parte a diretora foque na sua nação, o restante é bem familiar para qualquer público.
Ao invés de criar uma tensão que sobe aos poucos, somos tragados para o apartamento onde Janet (Thomas) está comemorando sua nova posição no parlamento britânico já nos primeiros segundos. Com uma arma apontada para nós na plateia (mas não como se fosse uma quebra de quarta parede), diretora e protagonista nos convidam – ou melhor, exigem – que participemos daquela reunião. Isso nos deixa num estado de sequestro, pois nos próximos minutos aquela arma não deixa de estar apontada para nós, metaforicamente. E a opção de usar preto e branco na fotografia nos ajuda a prestar mais atenção nos elementos que levarão àquela fatídica cena. E junto disso a ausência de trilha sonora vinda apenas do toca-discos dão um ar próximo do documental ao filme.
Já capturados, mesmo que à força, não conseguimos nos desvencilhar do que está acontecendo com Janet e seus convidados. Bill (Spall), marido de Janet, parece fora de sintonia com si mesmo – ele diz a certa altura que nem parecer ser mais quem é – e ali tentamos entender se ele está acuado com a nova posição da esposa. É uma peça deslocada de um quebra-cabeça, uma que não acertamos o encaixe. E cada novo integrante nos ajuda a montá-lo. Por ser uma trama também de cunho político, é curioso notarmos que cada uma das mulheres que chegam para celebrar a nova posição de Janet são aspectos diferentes do feminismo.
Martha (Jones), casada com Jinny (Mortimer) não chegam a fazer oposição à contestadora April (Clarkson) que, à princípio, poderia ser chamada de mais radical. Mas o que o filme faz é mostrar o que uma feminista radical faz em oposição à o que um machista radical poderia fazer, tarefa do deslocado Tom (Murphy). Ele está lá como o marido de uma colega de trabalho de Janet, ainda ausente, e que, por causa da natureza do seu trabalho, não é parte daquele universo. Naquela confusão que se cria por causa de revelações que ofuscam a comemoração, os núcleos vão se afastando e mesclando – determinado momento podemos até chamar de Clube do Bolinha – para mostrar como o pensamento pode mudar quando enfrentamos incertezas.
Claro que descrevendo assim, tudo parece um grande drama. Mas assim como a vida não é uma coisa só, também é o filme de Potter. Melhor descrita como uma comédia de erros, as interações dos personagens são naturais a ponto de nos identificarmos com alguma daquelas personas, mas o que une todos são esse pequeno detalhe dos segredos de cada um. Assim como qualquer um sentado na cadeira do cinema, os personagens da desastrada festa têm mentiras que fazem ser quem são. Então existe uma seriedade, mas para fazer piada dessa máscara que todos nós usamos é que a diretora usa da trilha sonora escolhida por Bill para apontar essa sensação.
Ou seja, por mais séria que a conversa seja, as escolhas de Bill – e de Tom, em outro momento – não condizem com o clima. Com isso nos sentimos mais estranhos ao que está acontecendo, um tanto de incômodo que nos faz rir. É um misto de não acreditar que as coisas chegaram naquele ponto e de nos identificarmos de alguma maneira com a situação. Principalmente ao percebemos, ao contrário do que diz April, que conversas poderiam resolver a situação. Ali estão personagens que se perderam no entendimento por motivos variados, provavelmente sem saber como chegaram ali. É algo triste e, infelizmente, muito real.
A curta duração de A Festa serve não para deixar a trama dinâmica, mas para mostrar que a vida é uma montanha-russa – e como fazer o passeio num desses brinquedos que você nunca foi, cada subida guarda suas surpresas. Entre começos e fim de vidas, políticas e situações que fazem nos perguntar a força de nossas crenças, a mistura de drama e comédia da nova produção de Sally Potter passeia pela plateia, tocando cada um de maneiras diferentes. Ao fazermos essa visita podemos encarar nossas próprias preocupações e ao olharmos para ela, achar um motivo ou outro para achar graça disso tudo dentro do grande esquema das coisas.
Elenco
Patricia Clarkson
Bruno Ganz
Cherry Jones
Emily Mortimer
Cillian Murphy
Kristin Scott Thomas
Timothy Spall
Direção
Sally Potter
Roteiro
Sally Potter
Fotografia
Aleksei Rodionov
Montagem
Emilie Orsini
Anders Refn
País
Reino Unido
Distribuição
Picturehouse Entertainment
Duração
71 minutes
Janet convida amigas próximas para uma festa, comemorando seu novo cargo no Parlamento britânico. Mas segredos irão ofuscar essa tarde que deveria ser muito agradável.
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