360 (360, 2012, Reino Unido-Brasil-outros) [Crítica]
Com Anthony Hopkins, Jude Law, Rachel Weisz, Ben Foster, Jamel Debbouze, Lucia Siposová, Johannes Krisch, Gabriela Marcinkova, Maria Flor, Dinara Drukarova, Vladimir Vdovichenkov, Marianne Jean-Baptiste, Moritz Bleibtreu e Juliano Cazarré. Roteirizado por Peter Morgan (O Último rei da Escócia) e dirigido por Fernando Meireles (Cidade de Deus).
Estamos todos conectados? De acordo com Frigyes Karinthy, a separação entre um ser humano é outro qualquer envolve, no máximo, seis pessoas. Não importando a posição social ou significância da outra. Baseado em “La Ronde”, uma peça alemã escrita por Arthur Schnitzler, “360” conta várias histórias, sendo difícil definir quem é o protagonista. Meireles se arriscou muito nessa empreitada, e a falta de tempo para contar a história de tantos personagens se tornou perigosa para a compreensão da trama. Existe uma sensação de que as histórias foram mal contadas por causa do tempo relativamente curto de projeção, de menos de 2 horas. O filme conta com personagens com moral duvidosa, até amorais, e outros descartáveis. Esse é um dos pontos fraco do filme, já que não conseguimos nos importar com todos. É difícil contar dos sentimentos que o filme passa sem tocar na personalidade dos personagens e, consequentemente, sem entregar pontos do roteiro. Então essa crítica é mais para quem já viu o filme. Não que as outras não sejam, mas essa mais ainda. Por isso, preparem-se para spoilers. E não se esqueça de participar da promoção que está valendo um par de ingressos para o filme!
O filme todo é permeado por “círculos”. Apesar de ser uma forma geométrica sem começo nem fim, Meireles escolhe iniciar a história em Viena com a narradora Anna (Marcinkova) e com Lucia (Siposová), sua irmã, que está posando para ser fotografada e ser agenciada como prostituta. Anna não concorda com a decisão da irmã, mas está lá para cuidar dela. Lucia está numa situação triste, sensação que Meireles reforçada pelo fundo do cenário em que ela posa: apagado, esmaecido. Não é só na história das duas que esse clima persiste. O diretor de fotografia Adriano Goldman, que trabalhou em Xingu, praticamente usa tons cinza, escuros, climas como se aquele lugar acabasse de passar por um período chuvoso. Lucia adota o nome profissional de Blanka, e consegue ter um destaque no site de acompanhantes por ser “boa” com o chefe, e seu primeiro cliente é Michael (Law). Mas ele não consegue se encontrar com ela por ser interpelado por outros dois colegas de negócio. Só que um deles paga pelos serviços dela, descobre que Michael era o cliente original, e o coloca contra a parede em relação a uma venda. As outras histórias que seguem tem sempre algum tipo de ligação com o personagem, por mínima que seja. Por compartilhar parceiros, sentimentos platônicos, ou o meio de transporte. Falando desse último em especial, note que no filme Meirelles costuma figurar no fundo linhas de trem e aviões. É uma metáfora também das coisas que vão e voltam. Até o raccord na cena do aeroporto na França, onde o dentista (Debbouze) persegue uma personagem até aqui desconhecida, faz uma “volta” na cabeça dele.
De Paris, vamos para Londres. Rose (Weisz) divide o seu tempo no trabalho com o amante brasileiro Rui (Cazarré) que, por sua vez, é casado com a também brasileira Laura (Flor), que segue Rose até onde ela se encontra com o amante. Sobre os personagens desinteressantes que comentei no começo, Rose e Rui entram nesse tipo. Ela ainda tem uma “desculpa” (com aspas bem grandes) para trair o marido, que é por ele está sempre muito ocupado viajando a trabalho. Mas o mesmo não cola para Rui, porque vemos que Laura sacrificou muito para estar com ele na Inglaterra. A presença de Rose só vai se justificar bem mais pra frente do filme, mas aqui descobrimos que ela é a mulher de Michael. Quando Laura deixa Rui, começa o 3º e mais interessante ciclo do filme.
Esta parte da história salva 360 de ser um filme muito aquém dos nomes importantes que estampam a produção. Na viagem para o Brasil, Laura conhece John (Hopkins), que está viajando de um canto ao outro do mundo para descobrir se a filha, que se distanciou há algum tempo dele, está viva ou morta. No aeroporto também está Tyler (Foster), um criminoso sexual que está indo para uma clínica de reabilitação. O trabalho corporal do ator é fantástico. Notem como ele se sente ao redor de tanta gente. Quer distancia deles, mas ao mesmo tempo quer tocá-los, e até mais que isso. Essa parte pode ser considerada inverossímil, pois Tyler tinha admitido para a oficial de condicional que seria muito difícil fazer a viagem sozinho. Ainda assim, ela deu o aval. Mas acredito que Morgan e Meirelles quiseram criticar o sistema judicial que permite que esse tipo de coisa aconteça. De novo, os responsáveis pelo filme fazem que os personagens dessa parte sejam tão falhos como os anteriores. Além do já citado Tyler, John perdeu o respeito da filha porque ela descobriu que o pai tinha uma amante; e Laura, numa tentativa estúpida de dar o troco em Rui, tentar dormir com o primeiro cara que aparece. Nesse caso, Tyler. E as referências visuais nessa parte são muito ricas. Entre outros: Tyler tem uma marca da pata de um felino na blusa, dizendo que ele é um predador; as cenas entre o ex-prisioneiro e Laura ficam mais tensas, com o uso da câmera na mão; e note como o quarto dela tem tons vermelhos, uma cor muito relacionada à paixão (e tragédia, dependendo do contexto) e como Tyler tenta se distanciar desse “mundo” ao se fechar no banheiro; lá dentro é outro mundo, dotado de um branco profundo quase como as paredes alcochoadas de um manicômio, com uma fotografia mais pesada, granulada, aumentando ao máximo ao realismo de um homem que está prestes a se entregar à sua condição anterior, mesmo desesperadamente não querer isso! E, apenas para mostrar que Morgan e Meireles não deram ponto sem nó pelo menos nessa parte, acredito que eles dão para nós a resposta da busca de John, pois personagem de Hopkins é mostrado para o espectador usando roxo, que é uma cor intimamente ligada à morte na psicologia e no cinema. Achei um toque sutil, e difícil de ser analisado. E, para começar o quarto ciclo, John está numa reunião dos Alcoólicos Anônimos, onde quem dá a declaração é Anthony Hopkins. Lá também está Valentina, a francesa que o dentista algeriano seguia mais cedo no filme.
E vem a parte mais desinteressante da projeção, que põe quase tudo a perder. A relação platônica entre o dentista e sua assistente só serve pra introduzir o marido de Valentina e o último ciclo (ou quase). Sergei (Vdovichenkov) cuida dos negócios do chefe, inclusive marcando encontros com prostitutas para ele. E o caminho do ciclo vai se fechando, quando encontramos novamente Blanka e Anna. Apesar da parte inicial deste ciclo ser cansativa, a ponto de eu ter vontade que o filme acabasse logo, a situação que se resolve entre três personagens distintos é inesperada.
“As escolhas são suas, e as consequências pertencem a você”, diz numa certa altura um dos personagens. Bom, as escolhas do diretor e do roteirista consequentemente trouxeram um filme com poucos momentos de brilho: além de tudo que citei, também aponto a montagem excelente de Daniel Rezende, que trabalhou em “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, e que fez um trabalho de quadros sobre quadros interessante, e nem um pouco cansativo. É uma pena que a quantidade exagerada de personagens tenha dado pouca profundidade à história. Mas nem Meireles parece ter gostado da experiência, já que ele citou que nunca mais deve fazer alguma coisa assim.