Yves Saint Laurent | Crítica | Yves Saint Laurent, 2014, França

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A cinebiografia de Yves Saint Laurent encontra o meio termo em mostrar o lado genial e defeitos do talentoso costureiro.

Yves Saint Laurent, 2014

Com Pierre Niney, Guillaume Gallienne, Charlotte Le Bon, Laura Smet, Marie de Villepin, Xavier Lafitte e Nikolai Kinski. Roteirizado por Jacques Fieschi, Jalil Lespert, Jérémie Guez e Marie-Pierre Huster, baseado na biografia escrita por Laurence Benaïm. Dirigido por Jalil Lespert.

7,5 - "tem um Tigre no cinema"Para quem não conhece os grandes nomes da alta-costura, Yves Saint Laurent é um retrato de um período cheio de glamour. Também de grandes dificuldades, pois mostra um homem talentoso, mas que esteve à sombra de outro famosíssimo artista. Apesar das cinebiografias serem bem comuns, elas podem facilmente cair no panfletário, agradando apenas para apreciadores do personagem em questão. Jalil Lespert consegue um meio termo ao mostrar o lado genial de Yves e seus defeitos. Estreando na direção, ele filma planos belíssimos, mesmo que nem sempre consiga prender a atenção do espectador.

A história da carreira de Yves Saint Laurent (Niney) é contada pelos olhos de seu companheiro Pierre Bergé (Gallienne). Contra todas as desconfianças, os dois se embrenham no mundo da alta-costura, lidando com dificuldades financeiras, descrenças e desconfianças.

A primeira cena mostra um momento de trabalho do jovem Yves, com suas criações flutuando ao redor dele, com a câmera se aproximando aos poucos do personagem. Lespert opta por, logo após, mostrar Pierre já envelhecido, expondo as obras de arte que ele e Yves adquiriram durante a vida juntos. Essa decisão de montagem será justificada no fim do filme, mas serve para reforçar o ponto de vista e o tom apaixonado do filme.

Yves é mostrado como alguém focado no seu trabalho. O diretor acentua essa personalidade na cena em que o costureiro lê uma matéria sobre o lançamento do Sputnik 1 ao espaço. Além de situar o filme em 1957 – um recurso mais interessante do que o adotado no restante do filme com o uso de legendas – Lespert apresenta alguém que está pouco interessado nas questões além de seu ateliê e da vontade de criar. Ainda tímido, ele começa a se soltar depois da morte de seu mentor, Christian Dior (Thibaud). Daí vem o relacionamento com Pierre, a coragem para ousar, se tornar um artista de vanguarda, indo até a criação da própria grife.

O espectador é colocado numa posição interessante, ao notar que Yves parece tanto um cirurgião – no modo de se vestir enquanto está trabalhando, com um jaleco que lembra de algum profissional da saúde – quanto um artista em si. A história também abre o discurso sobre se a moda é ou não arte. Numa frase de Pierre, ela pode até não ser, mas é necessário um artista para fazê-la. Aos poucos, o diretor consegue mostrar alguém que tira alegria do seu trabalho e que tem um medo mortal de perdê-lo – que aparece quando existe a possibilidade de Yves ser convocado para a guerra que acontece na região da Argélia.

E o leque se abre para a dualidade. Apesar de ser homossexual, Yves nutre um amor sincero por sua principal modelo, Victoire Doutreleau (Le Bon), uma linda mulher que ele chega até pedir em casamento, tamanha adoração que tem. Pierre sabe disso e a usa para se vingar de Yves, que não é representado como o mais fiel dos homens. Por isso que existe a cena de sexo entre Pierre e Victoire que, vejam bem, é penetrada por trás. Interessante se lembrarmos que a primeira escultura empacotada no começo do filme, e que aparece nesse momento no apartamento de Yves e Pierre: o deus Jano, representado como um homem de duas faces. Não quer dizer que eles são falsos, apenas que passam por transições.

Para dar um realismo maior à sua obra já biográfica, Lespert usa pouca trilha sonora, que aparece pontualmente nos momentos mais marcantes da vida de Yves: o primeiro beijo com Pierre, o primeiro desfile, a criação da grife YSL. Momentos diferentes que passeiam entre o classicismo e o jazz, como se entrássemos na cabeça de Yves e sentirmos o que ele sentiu. É um exercício quase lúdico, mas que funciona.

Os pulos na narrativa servem também para mostrar as mudanças de personalidade do protagonista. Em 1962, Yves fica mais solto, mais delicado. Em 1965, aparecem mais cores no carretel e na paleta de cores, e o diretor foca bastante no verde e vermelho e a criação dos vestido inspirados em Mondrian. Um pouco depois, há um espírito road movie, onde Yves e Pierre adotam o visual cabeludo e barbudo típico de motociclistas, cercados liberdade e música. O Ambiente de Marrakesh, amplia os horizontes. E a oposição em 1971, onde Yves aposta em desenhos mais ousados, góticos e sombrios. A fotografia acompanha essas mudanças, passando de tons cinzas – no começo da carreira – para azuis – na época em que foi diagnosticado como depressivo – vermelhos – na Índia – e finalmente um preto azulado – na fase gótica.

Lespert continua dando profundidade à Yves, mais uma vez no suporte da dualidade. O costureiro é um gênio, mas destrutivo e até pouco confiável. O diretor não esconde a relação dele com álcool, drogas e outros vícios. E sentimos pena da relação com Pierre que, apesar de seus erros, sempre esteve do lado de Yves. Parece uma adaga no coração quando Pierre ouve que o companheiro ama outro, apesar de ser Pierre é o homem de sua vida. A sequencia onde Pierre e Yves estão separados por ambiente, mas ainda próximos, e que culmina com o artista deixando seu parceiro na escuridão aproxima uma pessoa genial dos seres humanos normais, que podem ser detestáveis quando querem.

Yves Saint Laurent - poster

Deslumbrante e triste, Yves Saint Laurent é uma produção que peca pela falta de ritmo, por falar tanto da guerra da Argélia sem um propósito claro, e por passar muito rapidamente as criações. Porém há momentos belíssimos: o último desfile, a apresentação dos vestidos de noiva – mostrando que suas obras eram para glorificar a mulher – e como a ausência de Yves é mostrada. De modo muito tocante, o diretor não se importa em falar da doença de Yves. E como a história é do ponto de vista de Pierre, num momento Yves está, e, no seguinte, não. Em oposição à cena inicial, a câmera se afasta da cadeira, deixando o personagem apenas como uma lembrança, o que reflete a mais famosa de suas frases: “a moda passa, o estilo é eterno”.

Veja abaixo o trailer de Yves Saint Laurent.

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".