Tropicália (2012, Brasil) [Crítica]
Com Caetano Veloso, Gilberto Gil, José Celso, Glauber Rocha, Hélio Oitica , Julio Medaglia, Sérgio Baptista, Arnaldo Dias Baptista, Rogério Duarte, Tom Zé, Gal Costa e Rita Lee. Dirigido por Marcelo Machado.
Não sou conhecedor do movimento tropicalista. Conheço seus principais expoentes, músicas e o período pelo qual o país passava. Mas se for me basear por esse filme, não deve ter sido uma experiência muito boa. A viagem visual que Machado impõe na tela é interessante no começo, mas o jeito despojado e desconexo, com várias intervenções gráficas não tornam o filme interessante, e parecem que foram escolhidos apenas para que o filme tivesse o tamanho de um longa metragem. “Tropicália” vale tão somente pelas músicas e as pouquíssimas imagens de bastidores da época. No mais, é um dos piores filmes do ano, cansativo e um desfavor à música e ao cinema brasileiro.
O diretor faz questão de, logo de cara, dizer que o tropicalismo não existe mais como movimento desde 1969, com uma declaração de Caetano Veloso enquanto fazia um show em Lisboa com o companheiro Gilberto Gil. Ao ditar a morte do próprio assunto na tela, Machado faz um certo bem, porque a partir de agora ele pode contar a história com começo, meio e fim, sem avançar para um ponto indefinido. A viagem no tempo através de várias capas dos discos é um dos melhores recursos que vi na tela nos últimos tempos para ilustrar o passeio. A partir daí o filme conta a história de modo cronológico, começando em 1967, com a posse do presidente Costa e Silva, apontando que o filme não deixará de lado a opinião política. Machado poderia ousar um pouco mais nessa viagem. Ele usa o tradicional jeito de representar um período ao usar legendas dos anos (apesar da tipografia interessante), quando seria bem mais interessante manter só a TV antiga, com o aspect ratio standard que é quase quadrado. O filme traz uma explosões de cores para criar uma sensação de “viagem”, que no começo é interessante mas que se torna cansativo quando o diretor começa a usar o efeito em fotos, provavelmente por não existirem bons registros filmados da época. Ou seja, o filme “atira” graficamente para todos os lados. Não é ruim, mas é maçante. Também aponto, positivamente, a qualidade da restauração de várias imagens da época, principalmente num momento que Maria Bethânia é citada.
Machado usa as declarações dos personagens envolvidos de um modo bem interessante no começo, ao fugir do estilo tradicional de apresentar cabeças falantes, e deixar só a voz de fundo, como um narração. Ao fazer isso, a produção consegue dar mais importância à mensagem do que ao mensageiro, apesar de legendar de quem são as vozes. Eu entendo a posição do diretor ao mudar esse esquema quando Caetano, Gil e os outros começam a falar do época do AI-5, do período militar e exílio. Nessa parte, as declarações fica sem música, e os artistas são filmados de frente para um fundo escuro, aumentando a seriedade. Só que no meio do filme, Machado usa o jeito tradicional quando apresenta, por exemplo, Rita Lee e Sérgio Baptista. Por quê isso? Outra decisão mal executada é na hora de mostrar os festivais de um jeito bem barulhento. De novo, incomoda demais (mas pode ter sido um problema da projeção do cinema). Mas essa falta de decisão, de foco do diretor tira muito da qualidade do filme.
É interessante saber como o universo da Tropicália foi concebido. Podemos ver declarações curtas permeando o cenário pré-tropicalismo (do ator Zé Celso, por exemplo) e até de filmes, onde Glauber Rocha é reverenciado. E o mais interessante é a desconstrução de mitos. Os entrevistados mostram que, apesar da popularidade, nunca foram unanimidade. Caetano declara que desconfiava do ” movimento nacionalista musical” e que achava que o chamado antiamericanismo era “raso”. Gil e ele tiveram discussões com estudantes, mesmo na época da morte de Edson Luis, onde eram chamados de “entreguistas”. Numa das melhores partes do filme, Caetano questiona num festival “que tipo de juventude é essa?”, mostrando que não é de hoje que a rebeldia e o protesto também tinha sua dose de comodismo. Ainda dentro desse universo, é de estranhar um pouco a presença da banda “Os Mutantes”, que de Tropicália não tinham nada. Mas vale para apresentar o universo que rodeava aquela época. E que, apesar de não serem da mesma vertente musical, eram unidos pela música de protesto. Mas me pergunto porquê alguém como Chico Buarque não ter sido nem citado.
O grande problema de “Tropicália” é que o diretor não se decide. Ele quer uma viagem, mas em várias vezes se porta como um diretor que parou há 30 anos. A cena que melhor mostra isso é a inserção da filmagem de Caetano num canal de televisão da França. Isso mostra a importância do cantor no exterior, mas foi um exagero colocar o músico cantar “Asa Branca” (de Luiz Gonzaga) na íntegra, com todos os trejeitos que o cantor tinha na época, numa tentativa desesperada do diretor para que o filme fosse um longa-metragem. Além disso, montagem de Oswaldo Santana não ajuda o filme. Ao contrário, o faz ficar maçante desde antes da metade do filme e insuportável ao chegar no fim. Se esse filme tem algo de bom, é a declaração de Tom Zé, tentando ser didático do jeito dele; ouvir as músicas, que agora fazem parte também do mundo cinematográfico; e a cena final do Gil, Caetano e dos outros cantando, mostrando a volta do exílio. “Vocês não estão entendendo nada”, diz o pôster do filme. Mas a culpa foi toda sua, Machado.
[EDIT] Fui alertado pelos colegas Felipe Nunes e Andre Gonçalves que sim, Os Mutantes eram Tropicália, por causa do álbum “Panis et Circenses” e que o movimento não tinha nada de protesto. Mea culpa, mea maxima culpa. Ainda assim, é um filme fraco 🙂 Mas… será mesmo? Comentem![/EDIT]