Suspíria: A Dança do Medo | Crítica | Suspiria, 2018
- TIAGO
- 25 de março de 2019
- 10/10, cinema italiano, Críticas
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Sem ceder ao elemento da nostalgia ao usar o original apena como linha-guia, Suspíria: A Dança do Medo tem uma história envolvente e tecnicamente admirável.
A falta de criatividade é um dos piores males das artes, por isso que a palavra remake causa um tanto de celeuma por estar, pelo menos normalmente, atrelado à nostalgia. Felizmente, Luca Guadagnino usa apenas um fio narrativo do original e cria uma obra totalmente nova com aquele que ele pode chamar de seu Suspíria: A Dança do Medo. Emprestando de Dario Argento o tema das artes e da bruxaria, o também italiano trouxe uma obra de terror que mistura o gore com o necessário clima para afastar seu filme de outras produções que chocam pelo visual em detrimento da narrativa. Além de não lhe faltar estilo, essa é uma daquelas obras que merecem ter suas camadas escavadas, algumas que podemos descobrir só algum tempo depois.
Divido em vários atos, o que diferencia a história como cinema em si – normalmente temos três e no máximo um prólogo e um epílogo – temos uma dualidade e uma enganação com a presença de Patricia (Moretz) falando com o amigo e psicanalista Dr Josef Klemperer (Swinton) – ele sim, importante para a trama pois serve de âncora para a plateia, alguém que por sua formação é a voz da razão na espiral de loucura que Susie (Johnson) se encontra ao tomar o lugar de Patricia na Companhia de Dança capitaneada pela Madame Blanc (Swinton). Nesse prólogo, onde Patricia mistura conversas em inglês e alemão se encontra uma metáfora das dualidades da história.
A história de Kajganich e apresentada por Guadagnino tem como plano de fundo outra dualidade: a de uma Berlim dividida entre a parte ocidental e a oriental. Da mesma maneira está a escola, passando por uma divisão entre quem deve liderar tanto a primeira quanto a seita. Nesse momento de incerteza e de corrupção – para isso que serve a trama política de fundo – é que a figura aparentemente perfeita e que precisa de pouco refinamento do Susie chama tanto a atenção dos dois lados por seus próprios motivos: uma para manter o status quo e outro para chacoalhar as coisas.
Pela maneira que Susie (Johnson) dança e até pelo seu visual – cabelos ruivos que lembram tanto chama quanto a paixão – entendemos como ela cativa tanto suas professoras como a plateia. A personagem tem um magnetismo primal, atraindo olhares de todos. Podemos ver como Guadagnino nos apresenta essa fixação pela quantidade de câmeras de cima para baixo, quase um plongé, como se Susie fosse constantemente observada não apenas por nós na plateia, mas por todo aquele universo da escola de dança. Sua natureza, lembrada por uma rápida fala da mãe de quem se afastou, aparece no modo de dançar e de seu desejo de atravessar o mundo e simplesmente ser quem é.
Curioso que isso, de afirmar ser quem é, também faz referência a outro tema do filme. Muitos anos atrás, qualquer mulher poderia ser acusada de bruxaria e ser lançada a fogueira ou ao afogamento se um bando de homens com autoridade assim decidisse. E lembrar que esse também é uma história de um conventículo (coven) também é importante, principalmente quando homens da lei tentam interferir nos negócios das personagens e são humilhados por elas, mesmo que não saibam disso. Inclusive, isso deixa um espaço para nos perguntarmos como seria a abordagem se uma mulher dirigisse essa história. Podemos dizer que, pelo menos em parte, a trama também é uma vingança dessas pessoas que são ou foram taxadas de loucas.
Guadagnino então nos transporta para um mundo que faz um contrafactual de como seria o mundo se bruxas realmente existissem, pelo menos na visão dele. Seria um mundo com problemas, ainda com disputas de poder, porém mais acolhedor e inclusivo – a escola tem uma variedade de mulheres em seu séquito, uma trans inclusive –, levando ao máximo o conceito de Mãe, uma protetora que pode até punir, mas que deixa suas crias escolherem o próprio destino. É uma experiência que pode ser encarada como nova e temos até o direito de rejeitá-la, mas uma coisa que o filme advoga é que a voz delas deve ser ouvida.
As conotações religiosas não são esquecidas: há uma trindade – três mães – uma virgem, como Maria, que trará salvação àquela sociedade, mesmo que essa escolhida não tenha noção ou mesmo livre-arbítrio quando pensamos no seu destino. Inclusive, se formos pensar na benção final dessa personagem matriarca, uma mistura de perdão com razão, essa religião entende que a vida é uma mistura de culpa e vergonha, mas não nos moldes cristãos, e que ela acredita que necessitamos disso para vivermos, pois aprendemos nos nossos erros. Essa personagem, encarnando um papel de deidade, lembra do nosso papel em meio dos humanos e, sem nada de clichê, mostra como o amor é importante numa delicada cena final de um totem deixado por Klemperer e sua esposa.
O filme é também uma experiência técnica marcante e que não tem medo de se separar do original. Somos tomados por um mundo digital, a atmosfera dessa versão é dada tanta pela escolha do diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom de filmar em 35mm quanto pela escolha das cores. Se no filme de Argento as cores eram mais lavadas, as do tailandês são mais próximas do natural, como se o clima fosse de um constante inverno dentro daquela situação – uma sensação quebrada apenas na cena final onde é verão. E se prestarmos atenção, Guadagnino nos transporta para os anos 1970 por meio de zooms e slow-motions muito característicos daquela década. Além da surpresa dos efeitos especiais que dão um ar de terror muito superior aos que escolhem usar o CGI puro e simplesmente. Assim, dentre tantos outros motivos, esse filme parece ser verdadeiro por dentro e por fora.
É justo dizer que a nova versão de Suspíria: A Dança do Medo é um filme completo. Há uma narrativa que prende o espectador, existe uma técnica que é sustentada pelo filme ao invés do contrário e tem atuações marcantes. Assim como outros exemplos, pode ser entendido com um filme para poucos – e mais uma vez isso deve ser encarado como um desafio ao invés de uma afronta. Sair da zona de conforto é preciso de vez em quando e o que Guadagnino apresenta é uma experiência difícil de sair incólume. E precisamos de mais obras assim, nem que sejam para causar discussões que vão além de elogiar filmes com alguns poucos adjetivos.
Elenco
Dakota Johnson
Tilda Swinton
Mia Goth
Angela Winkler
Ingrid Caven
Elena Fokina
Sylvie Testud
Renée Soutendijk
Christine LeBoutte
Fabrizia Sacchi
Małgosia Bela
Jessica Harper
Chloë Grace Moretz
Direção
Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome)
Roteiro
David Kajganich
Baseado em
Suspiria (Dario Argento, Daria Nicolodi)
Fotografia
Sayombhu Mukdeeprom
Trilha Sonora
Thom Yorke
Montagem
Walter Fasano
País
Estados Unidos
Itália
Distribuição
Amazon Studios
Playarte Pictures (Brasil)
Duração
153 minutos
Data de estreia
28/mar/2019
Uma dançarina americana chega a um dos mais famosas companhias de dança da Europa numa Berlin ainda dividida. Mas tudo indica que ali não há apenas danças performáticas.
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