Sicario: Dia do Soldado | Crítica | Sicario: Day of the Soldado, 2018
Sicario: Dia do Soldado não é tão fascinante quanto o filme original, mas é um interessante estudo de caso sobre um problema atual.
Inicialmente, a narrativa inicial de Sicario: Dia do Soldado nos coloca em dúvida. Ao adicionar o elemento do terrorismo à trama dos carteis de drogas, Sheridan e Sollima parecem ter colocado mais do que deveriam ao que vimos no filme original de 2015, o que prejudica bastante o desenvolvimento e interação entre personagens e plateia. Demora bastante para o filme encontrar seus eixos para mostrar sua crítica à guerra às drogas, o combate ao terrorismo e a sujeira que se esconde por trás de políticas e políticos. O diferencial está no ponto de vista assumido com as duas crianças com origens parecidas e suas escolhas.
Há quem defenda que o problema da imigração não-autorizada na fronteira dos EUA com o México é um dos maiores problemas daquele país, vencido apenas pelo tráfico de drogas e ameaças de terrorismo no próprio solo. É um pulo bem grande da caça aos carteis no primeiro filme para o uso de um grupo de extremistas que começam a ser caçados por Matt (Brolin). É nessa primeira parte do filme que já começa a confusão, pois fica difícil entender o que Sheridan – roteirista do original – quis dizer com sua história, algo que Sollima não conseguia desenvolver em conjunto. O que sobra do ataque inicial à um supermercado é uma sensação de tensão em cada corte do filme, pois não sabemos o que pode vir a seguir.
A história melhora só quando novos elementos são introduzidos à trama – ou melhor, jovens elementos. Enquanto Miguel (Rodriguez) é um americano com origem mexicana, Isabela (Moner) vem do outro lado da fronteira, e com esses dois personagens é que começamos a ver o filme proposto por Sollima. São duas narrativas separadas, dois mundos que sabemos de antemão que irão entrar em choque, com o rapaz querendo mudar de vida e com a garota nascida em um mundo torpe. Com isso, a narrativa mostra a questão de como escolhas podem nos moldar: Miguel pode não ter uma vida confortável, mas ele decide ir para o mundo do crime, enquanto Isabela não pode fazer nada por ter o sobrenome de um dos maiores chefes do narcotráfico mexicano.
Alejandro (Toro) age como o elo que conecta esse mundo. Diferente de sua versão caladona do primeiro filme, agora sabemos de detalhes de seu passado, de como ele foi cooptado para esse mundo de violência, o que é um misto dos dois personagens jovens, pois ele poderia não ter entrado nessa guerra, mas o ódio é algo que cega nossas percepções. Isso é bem representado na cena em que ele assassina um advogado da máfia mexicana. Na maioria das outras ações, Alejandro é focado, dá tiros certeiros. Mas ao encontrar alguém diretamente responsável pela morte de sua família, ele deixa a parcimônia de lado, descarregando o pente da pistola.
Apesar de ter executado o algoz da esposa e filha no filme de Villeuneve, a história mostra como a raiva é uma mancha que não sai fácil. Isso se reflete também em Isabela que se mostra durona na primeira cena em que aparece, se defendendo de uma colega de escola que a xingou por ser o que ela é, a filha de um narcotraficante, mas que não pode controlar. Mas essa primeira impressão é quebrada na encenação do sequestro da garota por Matt e Alejandro. Ao perceber que pode morrer a qualquer momento, ela pede e implora para não ser morta, algo típico de qualquer criança. Não quer dizer que uma pessoa adulta faria diferente, mas ao justapor esses momentos, a história mostra quem realmente sofre nessas guerras.
Só depois de algum tempo é que Sheridan justifica suas decisões no começo do filme. Assim como no roteiro que escreveu em 2015, esse questiona como a maior nação do mundo combate os males que mais a assombram. Há apenas reação, como as palavras do secretário de defesa, e não um estudo do que faz pessoas serem levadas à extremos. E as ações desencadeadas pelo jogo sujo desses militares e políticos que colocam nas mãos de Matt, Alejandro e seu time pioram a situação numa guerra que é vencida uma vez atrás da outra, desde quando começou a Tolerância Zero na administração Reagan. E o que esse filme sugere é que com a questão do terrorismo é a mesma coisa: falta muito cérebro.
E por estarmos numa terra onde palavras como sorte e perfeição não existem, as coisas escalam para pior. O teatro de Matt e Alejandro para a situação de Isabela, na esperança que isso iniciaria uma guerra para acabar com dois grandes cartéis, é digno de palmas. Mas a realidade crua não é teatro, e quando passamos da fronteira junto com esse trio que somos tragados para um cenário em que é impossível confiar em alguém, algo que Alejandro ira se encontrar logo mais naquilo que chamo de Síndrome de Lecter: um personagem como o canibal que de tão efetivo só serve se for usado ou destruído, mas nunca encarcerado. Como denota a trilha sonora do falecido (e aqui homenageado) Jóhann Jóhannsson, lidamos com uma Fera – com a violoncelista Hildur Guðnadóttir continuando seus passos.
Esse filme é, definitivamente, uma crítica negativa de como os Estados Unidos lidam com dois dos seus maiores problemas, até mesmo de maneira pejorativa quando percebemos que encontros escusos acontecem não só em salões dentro do Pentágono, mas também em praças de alimentação onde os personagens são cercados por lojas de fast-food: como diz Matt, “Bem-Vindo a América”, uma simbologia que serve para dizer como porcarias são enfiadas goela abaixo por uma sociedade que não sabe como é antiamericano todos esses esquemas. Não é a primeira vez que Sheridan aponta o dedo ao próprio país, apesar dele ter feito isso de melhor maneira em outras oportunidades – como em À Qualquer Custo (Hell or High Water, 2016, Dave Mackenzie) e Terra Selvagem (Wild Country, 2017, Taylor Sheridan).
Nesse filme que empresta elementos de tantos outros, inclusive um tanto de road movie com Alejandro e Isabela, com algo de neo-western, onde imigrantes são pintadas como vilões, mas que os verdadeiros antagonistas são os mais poderosos, podemos entender Sicario: Dia do Soldado como um estudo de caso, um recorte de uma situação que expõe os mais vulneráveis à terrores iniciados por uma série de péssimas decisões, sem deixar o elemento da ação de lado. Mesmo não sendo incrível como o original, os elementos da trama servem para continuar a expor por meio de uma mídia de massa como é o cinema uma realidade que está na nossa cara, mas que muitos se recusam a ver.
Elenco
Benicio del Toro
Josh Brolin
Isabela Moner
Jeffrey Donovan
Manuel Garcia-Rulfo
Catherine Keener
Direção
Stefano Sollima
Roteiro
Taylor Sheridan
Fotografia
Dariusz Wolski
Trilha Sonora
Hildur Guðnadóttir
Montagem
Matthew Newman
País
Estados Unidos
Itália
Distribuição
Lionsgate
Duração
122 minutos
Contratado pelo governo dos Estados Unidos para acalmar a guerra entre cartéis mexicanos, Matt conta mais uma vez com a ajuda de Alejandro para fazer o trabalho sujo que só gente como eles podem fazer.
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