Passageiros | Crítica | Passengers, 2016, EUA
Passageiros é uma versão de Titanic no espaço e deixa a ficção científica em segundo plano em favor de um romance eticamente questionável.
Elenco: Jennifer Lawrence, Chris Pratt, Michael Sheen, Laurence Fishburne, Andy García | Roteiro: Jon Spaihts (Doutor Estranho) | Direção: Morten Tyldum (O Jogo da Imitação) | Duração: 116 minutos | 3D: Relevante
A ideia de colonizar o espaço é tema de inúmeras ficções científicas há pelo menos um século, cada autor com sua peculiaridade. Porém Passageiros deixa o discurso da procura da humanidade, ou o que nos faz humanos, de lado para apostar num romance genérico, igual a qualquer outro filme do gênero com a diferença de se passar no espaço. Embalado por efeitos especiais extremamente bem feitos, apesar do 3D ser imperceptível, fica a impressão de que Tyldum foi contratado para um projeto que serve para destacar uma das atrizes mais bem pagas da indústria num filme praticamente seu, mostrando o lado ruim de tratar o cinema apenas como entretenimento, se importando mais com a forma do que com o conteúdo.
Nos vinte minutos iniciais a história do único passageiro acordado da Avalon, um cruzador espacial que no seu design lembra a hélice da estrutura do nosso DNA, é um tanto familiar para nós. Jim (Pratt) está deslocado, como qualquer um já se sentiu na vida, seja no ambiente familiar ou profissional, e é por isso que é fácil se identificar com ele. Claro que para fins da dramaturgia esse isolamento é extrapolado, mas, simbolicamente, a situação que o engenheiro está não é tão diferente de outros tipos de isolamento. Ele se torna um fantasma ao avesso, passeando entre tumbas dos outros passageiros que passam pela hibernação sem notá-lo.
E pode ser um tanto pedante dizer aos profissionais envolvidos o que fazer e como fazer, mas essa primeira parte é a mais interessante do filme. E se desenvolvida nesse caminho traria mais discussões sobre a natureza humana. No entanto, sem querer se arriscar, Tyldum e Spaihts entregam um conto de fadas no espaço. É inevitável o paralelo com Titanic (1997, Dir James Cameron) – uma nave que se choca contra meteoros, a diferença de nível social do casal – e com o conto da Bela Adormecida, onde homem que acorda uma mulher de um sono profundo. E se levarmos em conta que Aurora (Lawrence) foi batizada com o mesmo nome que Walt Disney escolheu para a sua versão do conto dos Irmãos Grim, o ciclo se fecha.
Deixando de lado essa premissa, o que se vê é uma história bem comum, um romance embalado por fantásticos efeitos especiais que tentou no começo mostrar o espaço como paralelo de uma profundidade humana, mas que apenas tocou nessa superfície. A partir do segundo ato a produção torna-se o mais genérico possível: garoto se apaixona por garota, garoto perde a garota por um motivo idiota, garota percebe que não pode viver sem garoto. Poderia ser Nicholas Sparks, mas é Jon Spaihts – que pode não ser um roteirista brilhante, mas que entrega um produto tão sem imaginação que reforça a impressão de que o roteiro foi um presente para criar um novo casal que é a cara comum de Hollywood.
E como o casal de protagonistas não convence a plateia no restante da trama, fica a cargo do coadjuvante Arthur (Sheen) roubar a cena. O androide sempre com um sorriso no rosto, o que o deixa um tanto idiota naquele cenário insólito habitado somente por Jim e Aurora, nos traz mais empatia que o casal em si. O barman parece ser um primo distante daquele que atende no Hotel Overlook – notem como o padrão de cores, muito carregado de vermelho, lembra o amaldiçoado hotel de O Iluminado (The Shining, 1980, Stanley Kubrick) – uma presença que está lá para servir os dois com o que precisam e, sem querer, liberar uma parte do caos da nave.
Se, por acaso, alguém tiver dificuldade da rasa profundidade do roteiro, já estabelecido pelo romance mencionado anteriormente, perceba como ele não se resolveria, pelo menos não do jeito que se vende, sem a presença de um grande deus ex-machina no terceiro ato. Isso é reflexo da também já mencionada falta de ousadia, entregando uma história tão pasteurizada que é um daqueles exemplos do cinema comercial que tem potencial de atrair muita gente: uns levados pelo lado romântico, alguns enganados pela casca de ficção científica e outros por ver reunidos na tela protagonistas de outras franquias de sucesso. É uma contestação triste.
Isso sem falar do grande problema que é o fato de Aurora se apaixonar por alguém que essencialmente destruiu a vida da jovem – de novo a ilusão do Conto de Fadas. As ações de Jim são, no mínimo, questionáveis no nível ético e por mais que seus atos sejam desencadeados por causa do desespero no isolamento, de novo no arquétipo do príncipe encantando no cavalo branco, Tyldum e Spaihts querem nos convencer de que tudo está bem. O pior é perceber que a situação poderia ser consertada, mas faltou coragem dos responsáveis para que isso acontecesse, apelando, como costuma ser, para o piegas.
Sem acrescentar nada e menos ainda ousar– com exceção de uma bunda aqui e um silhueta ali – Passageiros só não é decepcionante para quem não esperava nada da produção. Efeitos especiais serão lembrados apenas se ganharem algum prêmio importante e a discussão do nosso lugar na sociedade e no universo é deixada de lado em prol de uma história de amor que já vimos inúmeras vezes. Num futuro próximo será lembrado apenas como o filme que juntou Mística e O Senhor das Estrelas na tentativa de criar um novo casal hollywoodiano. Mais à frente, cairá no ostracismo e longe de qualquer lista do gênero, seja na categoria romance ou sci-fi.
Passageiros | Trailer
Passageiros | Pôster
Passageiros | Imagens
Passageiros | Sinopse
“Jennifer Lawrence e Chris Pratt estrelam a esperada aventura sobre dois passageiros à bordo de uma espaçonave que os transporta para uma nova vida em um novo planeta. A viagem toma uma reviravolta mortal quando suas cápsulas de hibernação os acordam misteriosamente 90 anos antes que atinjam seu destino final. Enquanto Jim e Aurora tentam desvendar o mistério por trás desse defeito, eles começam a se apaixonar um pelo outro… relação que é ameaçada pelo colapso iminente da nave e pela descoberta da verdade por trás do verdadeiro motivo pelo qual eles foram acordados”.
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