O Vingador do Futuro | Crítica | Total Recall, 2012, EUA
Crítica do remake de Vingador do Futuro, que não é tão bom quanto o original, mas ainda assim tem bons momentos.
Com Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel, Bryan Cranston, John Cho e Bill Nighy. Roteirizado por Kurt Wimmer e Mark Bomback. Baseado no conto “Lembramos para você a preço de atacado” de Philip K Dick e no filme de mesmo nome de 1990. Dirigido por Len Wiseman (Anjos da Noite).
Histórias boas valem ser revisitadas. E Philip K Dick vale ser revisitado. Não tinha lido o conto original antes de ver o filme, e quis também me livrar da memória do filme protagonizado por Arnold Schwarzenegger em 1990 para evitar comparações. Mas a versão dirigida por Len Wiseman, roteirizada por Wimmer e Bomback tem como base o filme anterior, e os roteiristas originais são citado nos créditos do filme. Pois bem. A versão nova é um filme divertido, cheio de ação, e é impossível reclamar dos efeitos especiais, apesar de se mostrarem colagens de filmes como “Blade Runner” (de 1982). Arrisco dizer que a versão 2012 de “O Vingador do Futuro” fica só um pouco abaixo do que a anterior.
Num futuro pós-apocalipitico, a Terra ficou quase inabitável por causa de uma guerra química, sobrando apenas dois blocos aonde é possível viver: A Federeção Unida da Britânia (o atual Reino Unido) e a Colônia (hoje, Austrália). É muito óbvio que o diretor quis usar a próprio história desses dois países como símbolo de opressão. Os moradores da Colônia vivem em condições menos favorecidas, em cidades que lembram guetos, num ambiente que é constantemente pequeno e opressor, triste (reforçados pelo constante clima chuvoso), e até sujo em alguns momentos. Pra completar, a cidade tem um ambiente cosmopolita, com neons de propagandas com línguas orientais. É nesse cenário cyberpunk, e inspirado em Blade Runner que vivem Douglas Quaid (Farrell) e a esposa Lori (Beckinsale).
Se em torno a situação é apertada, do lado de dentro as coisas não são melhores. O apartamento é pequeno, quase nunca está iluminado, Quaid tem sonhos frenéticos junto de uma mulher desconhecida que o perturbam e, como todo colono, acredita ser oprimido por seus empregadores. Os melhores trabalhos estão na FUB e, para atravessar o planeta, é construído um gigantesco elevador que atravessa o planeta, inclusive passando perto do núcleo do planeta. Parece que os produtores pensaram em todas as nuances, pois quando isso acontece a gravidade da cápsula, nessa viagem que é chamada de “a queda”, é invertida. Nesse cenário onde Quaid trabalha para seus opressores, e até constrói os instrumentos dessa opressão (os policiais sintéticos, que se parecem muito com stormtroopers), onde não existe possibilidade de ascensão social, e o personagem não consegue sequer uma promoção, é que ele apela para a Rekall, uma empresa que vende memórias implantadas. O cenário para chegar até a empresa é mais sujo ainda, mostrando a decadência daquela parte da cidade, com bares e prostíbulos. Dentro da Rekall, o ambiente é diferente, mais limpo e ligado ao oriente, decorado com velas e bambus. Mas antes mesmo de Quaid sentir os efeitos da “viagem” ele já tem várias armas apontadas para sua cabeça, primeiro pelos funcionários da Rekall e depois por membros da Polícia Federal. É aqui que tudo muda com um clique da arma, o que achei um bom elemento: o uso do som de um gatilho que acionou a memória “física” de Quaid. Antes que se dê conta, o mundo do personagem virou de cabeça para baixo: ele deu conta sozinho de uma dezena de policiais treinados, tem certeza que algo de errado está acontecendo e busca conforto na esposa… que tenta matá-lo. A sequência de luta dentro do apartamento é bem coreografada, principalmente levando em conta o espaço limitado. Nesse ponto Quaid já está perdido demais e começa a juntar peças que o levam para o outro lado do planeta para descobrir o que se passa.
O filme tem vários efeitos que chamamos de “flares“, muito comuns nos filmes de J.J. Abrahms. O problema é que isso acontece em todos os ambientes do filme, até nos mais inóspitos. Quando Quaid chega disfarçado à UFB notem como a fotografia fica mais clara e menos granulada. A decisão do diretor de fotografia Paul Cameron (que trabalhou em “Chamas da Vingança”, de 2004) mostra que aquele cenário asséptico é quase irreal, comparado à situação mais crua do outro lado do mundo. Na nova fuga por esse cenário de carros flutuantes, aparece a mulher com a qual Quaid sonhava: Melina (Biel, que está convenientemente na hora certa e no lugar certo) o salva dos perseguidores, inclusive da mulher que ele acreditava ter. Na cena seguinte de perseguição frenética o diretor evita usar slow-motions na maior parte da sequencia, o que é acertado. Nessa parte não é difícil ver outro conceito de filmes de ficção, dessa vez vindo de “O Quinto Elemento” (de 1997). Percebemos que a UFB também é chuvosa, apesar de ser mais clara. Esse branco remede à uma sociedade estéril, triste e que vive num ambiente louco, acreditando piamente nas telas de TV espalhadas pela cidade, onde o Chanceler Vilos Cohaagen (Cranston) aparece para alarmar a cidade com o mais recente problema, creditado sempre à Resistência, liderada por Kuato (Nighy). O cenário do apartamento de Hausser, que é a identidade “original” de Quaid, é todo branco, nos afundado mais na loucura que é essa sociedade (e também, por que não, na própria sanidade do personagem). Aponto também dois detalhes para a gravação que Hausser fez para ele mesmo no piano: primeiro que o estilo de respostas (“desculpe, tenho respostas limitadas”) vem de “Eu, Robô” (de 2004); e que a versão “Hausserian” usa cavanhaque, quase como se dissesse que ele é uma versão má de Quaid.
A história atinge um ponto muito interessante quando um colega de Quaid aparece para convencê-lo de que todo aquilo que ele está vivendo é um sonho causado por causa do que ele fez na Rekall. Esse apelo da realidade é inteiramente verossímil, apelando não para o lado racional, mas sim para o emotivo – tanto que o diretor usa slow-motions nessas cenas, para mostrar que Quaid passa por um momento de indecisão e dúvida. E Wiseman nesse momento usa bem o conceito dos flares que citei antes, ligando essa dúvida com a verdade. Quando conhecemos a Resistência também considero um bom ponto do roteiro a eles vivendo no subsolo, como ameaça oculta mas bem embaixo dos pés de Cohaagen. Aqui a fotografia aqui assume tons verdes e marrons, como se algo estivesse podre. Mas não entendo porque insistir no uso de flares no QG da Resistência.
“O Vingador do Futuro” cumpre seu propósito aparente de divertir, e não cansa em nenhum momento, ajudado por sua projeção de menos de 2 horas. Mas acredito também numa certa profundidade ao diminuir a violência em relação ao filme de 1990. A menor violência gráfica vem principalmente por serem os policiais sintéticos a maioria dos “mortos”. Mas é exatamente isso o interessante, por mostrar que a luta é contra um sistema, e não contra pessoas. Alguém poderia citar que, pelo contrário, não é nada crível que uma sociedade que cresceu ao ponto de criar elevadores que atravessem o globo por dentro não consigam curar o planeta. Recomendo a leitura de 1984 nesse caso, onde vemos uma sociedade dominante onde todo o esforço e avanços são para ganhar a guerra. E a questão do personagem Hammond (Smith) [E AQUI UM PEQUENO SPOILER] mostra que Hausser já tinha mudado suas resoluções.
É uma pena que os personagens sejam superficiais, mas pelo menos não são maniqueístas. Apenas não acreditamos nas suas motivações, principalmente na personagem Lori, que não tem um motivo que a conecta com a luta. Ela se torna personagem sem paixão e nem senso de dever. Mas atua bem na mudança de uma personalidade para a outra. E o personagem do Chanceler Cohaagen não há muito o que se falar. Pareceu desnecessário ele ser uma ameaça física à Quaid, já que ele é um homem mais velho, e que não aguentaria uma luta corporal com alguém no seu auge físico. E sim, o filme tem alguns furos. Se você já assistiu, relembrem, por exemplo, quando Milena está na nave e o computador diz que está “sem munição”, mas logo depois volta à atirar. Ou como a Polícia Federal veio atrás de Quaid na Rekall se o relógio dele ainda não tinha sido ativado? Como Quaid trancou a porta que funciona por biometria? E porque teriam notas de Obama se os EUA não são mais habitados? Isso não pode ser relevado por causa do senso crítico. Ainda assim, é uma boa experiência cinematográfica. E também é engraçado procurar as homenagens ao filme original. Existem pelo menos duas. É um filme longe de ser decepcionante, mas também não chega perto de ser um marco no cinema de ação e da ficção científica.
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