O Rastro | Crítica | 2017, Brasil

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O Rastro é o terror que busca inspiração num dos maiores terrores do brasileiro: depender do SUS.

O Rastro (2017) | Crítica

Elenco: Rafael Cardoso, Leandra Leal, Natália Guedes, Claudia Abreu, Felipe Camargo, Jonas Bloch, Domingos Montagner | Roteiro: André Pereira, Beatriz Manela | Direção: J. C. Feyer | Duração: 110 minutos

Feyer levou para as telas um filme de terror bem nos moldes clássicos, mas que faz mais sentido aos brasileiros. O Rastro é, em suma, o retrato da saúde pública daqui contada pela ótica do horror. Não é preciso viver exclusivamente do SUS para termos noção disso – talvez se perguntarmos para quem viva exclusivamente dele conseguiremos uma resposta clara: viver contando com o sistema único brasileiro é como um pesadelo. Deixando isso de lado, o diretor acaba por prejudicar a sua obra ao exagerar nos gritos e na trilha sonora que vem num rompante para reforçar o susto na plateia, além de contar com algumas suspensões de descrença, se destacando pelo plano de fundo.

Os personagens de Feyer servem a dois poderes estabelecidos, e o diretor usa de ângulos de câmera para marca-los esteticamente. Ainda no prólogo, num sonho de Leila (Leal), a câmera passeia por um lugar ainda desconhecido num plongé, dando uma leitura metafísica à obra – o problema é que ele faz isso duas vezes seguidas. Já no trabalho de João (Cardoso) o diretor coloca a câmera na posição mais baixa possível, dessa vez apontando para cima, focando no teto da secretária de saúde do Rio de Janeiro – e esse ângulo incomoda tanto a plateia quanto João, que nada pode fazer em relação a esse poder. E quando conhecemos o Dr Heitor (Bloch) a câmera mais uma vez assume essa posição de baixo para cima, dessa vez mostrando uma cruz acima da cabeça do antigo amigo de João.

O diretor repete a mesma força esmagadora em João na primeira vez em que o vemos chegando até o hospital que ele terá que fechar por ordem das políticas do Governador Azevedo (Montagner) – ali ele se apequena no seu desafio futuro. E assim como o próprio filme, aquele hospital é o espelho da saúde pública brasileira, onde mais que tentem pintar um avanço, são os mais humildes que sofrem, um lugar escuro e onde as luzes entram somente por frestas, como se Feyer dissesse que conhecemos realmente pouco do que acontece por debaixo dos panos. E a derrocada à loucura de João é de alguém pego num redemoinho sem possibilidade de escapar.

É uma pena que Feyer não escolha criar tensão apenas por esses elementos como a fotografia e a montagem, tomando mão dos maiores clichês do gênero. Por exemplo, quando Julia (Guedes) avança num pedido de ajuda ao braço de João, a sonoplastia é tão alta, e estávamos num momento de silêncio, que é claro que o espectador mais distraído vai pular da cadeira. Ou nos momentos que João passa num andar abandonado, onde Feyer dessa vez apela para gritos quase ensurdecedores e jogando coisas na frente da tela. É um jeito clichê e tão comum que somente um iniciante não percebe quando e de onde vem o susto.

Mas é preciso reconhecer que é nos signos que Feyer se sai melhor na narrativa. Há os mais óbvios, como uma furadeira representando como todo o caso do desaparecimento da pequena Julia, que estava sob sua responsabilidade, machuca João (ele que será pai logo mais). Ou mais sutis, como a câmera que se movimenta num travelling lateral, mas paralelo ao chão, para depois se tornar mais tenso quando vai para a mão do diretor, perdendo o equilíbrio assim como João vai se perdendo o seu aos poucos. Há também algo de macabro quando vemos uma parede de esquecidos, que só é lembrada por alguém que está à margem da sociedade – e esses são pontos importantes para entender a história.

Apesar de uma reviravolta muito interessante, O Rastro peca exatamente na sua conclusão, que é cheia de conveniências. Sem querer estragar a surpresa de ninguém, há um corpo citado que é essencial para resolver a trama. Esse corpo, porém, não é mostrado e nem se faz algumas perguntas óbvias sobre o ocorrido, o que mostra uma fragilidade no roteiro – pois uma simples investigação colocaria todo o mistério abaixo. Não é a única conveniência, pois existe uma suspensa de descrença das bem grandes, e ela não envolve nenhum fantasma. No entanto, a força da narrativa fica no seu simbolismo e na identificação daqueles que dependem somente do que o nosso governo pode dar em relação à saúde, um quadro mais assustador que estar sozinho num corredor que começa a fechar as portas subitamente e que vai ficando sem luz.

O Rastro | Trailer

O Rastro | Pôster

O Rastro | Cartaz

O Rastro | Imagens

O Rastro | Imagens (1)

O Rastro | Imagens (2)

O Rastro | Imagens (3)

O Rastro | Sinopse

João (Cardoso) é um médico que hoje trabalha para a Secretaria de Saúde. Para ele é dada a tarefa de remover pacientes de um hospital sucateado que será fechado. Lá ele conhece uma garota de 10 anos que desaparece sem deixar rastros. Tomando a responsabilidade pelo desaparecimento, João começa a descobrir mistérios enquanto perde a própria sanidade.

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".