O Lar das Crianças Peculiares | Crítica | Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children, 2016, EUA
O Lar das Crianças Peculiares mistura diversão com o macabro no melhor estilo Tim Burton de ser.
Elenco: Eva Green, Asa Butterfield, Chris O’Dowd, Allison Janney, Rupert Everett, Terence Stamp, Ella Purnell, Judi Dench, Samuel L. Jackson | Roteiro: Jane Goldman | Baseado em: O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares (Ransom Riggs) | Direção: Tim Burton (Batman)
Poucos sabem equilibrar o belo e o macabro como Tim Burton – na verdade, poucos se arriscam – e O Lar das Crianças Peculiares é uma produção que confirma isso. No seu melhor trabalho em anos, o diretor mistura doçura, aventura e terror de modo a nos colocar num mundo de fantasia com aquele choque de realidade por meio de elementos como a fotografia e o bom senso ao dosar CGI com efeitos práticos, dando assim naturalidade ao conto. Adaptações costumam ser alvo de ataques maiores, porém, falando estritamente sobre o filme, há pouco que o desabone. Os fãs do diretor encontraram a assinatura do seu universo e aqueles que são dos livros podem experimentar uma aventura diferente, mas como um vislumbre do original.
Burton faz um paralelo óbvio como a II Guerra Mundial afetou crianças como Jake (Butterfield) – talvez como o livro, mas não posso afirmar – e, de certa maneira, as tornou peculiares. Apesar da idade, o jovem de dezesseis anos é mais sério e maduro que o pai, Franklin (O’Dowd). Há uma distância entre os dois, muito bem apresentada pelo diretor quando Jake visita uma psicóloga para lidar com a morte do avô, Abraham (Stamp), onde os dois estão em opostos do sofá. Enquanto Franklin usa bermudas – um visual mais jovem, por assim dizer – o filho se veste sobriamente, parecendo ser o mais responsável da família.
A intenção do diretor fica em dividir esses mundos, coisa corriqueira dele que já fez muito isso entre o mundo dos vivos e dos mortos. Aqui é a separação entre presente e passado, mas poderíamos chamar também de realidade e o mundo dos sonhos, bem colocado pela fotografia. De novo, torna a narrativa um tanto óbvia ao separar a época de Jake – uma paleta fria, praticamente tomada de cinzas e azuis – da Srta Peregrine (Green) e das crianças que cuida, mais iluminado por amarelos e azuis. Porém, se levarmos por meios simbólicos, o passado ainda era pueril, intocado pela guerra, diferente do presente. Porém a fotografia acinzentada da época de Jake não parece exagerada pela época do ano e por se passar em Gales.
Outro ponto de equilíbrio está na preocupação de usar efeitos especiais em detrimento dos práticos. É muito mais divertido ver Emma (Purnell) voando, mesmo sabendo que ela estava sendo puxada por fios removidos digitalmente depois, a um CGI puro. E Burton, sendo o diretor que é, entende a hora de usar os efeitos digitais, como no ataque nazista à ilha, no visual dos Etéreos ou na luta dos esqueletos – que tem um pé no stop motion ao homenagear Ray Harryhausen em Jasão e o Velo de Ouro (1963, Dir Don Chaffey). O que não encaixa muito bem é o efeito 3D, dispensável por escurecer demais as cenas atuais e por não aproveitar a profundidade de campo.
Por ser uma narrativa até simples, querendo alcançar um público de idade mais variada, Burton e Goldman exploram pouco o marasmo das crianças do orfanato terem que repetir e fazer a mesma coisa dia após dia. Fora a esquisita personalidade de Enoch (MacMillan), que parece um pequeno nazista com seu poder de dar vida a objetos inanimados e fazê-los duelar, parece que o outros se dão muito bem com o fato de estarem presos num loop temporal que não podem escapar. Mesmo que seja pelo bem maior e pela proteção dessas crianças especiais, faltou um aprofundamento em questões que todo adolescente eventualmente passa. Nem mesmo o pedaço do futuro do selfie entre Jake e Emma desperta a curiosidade da jovem além daquele momento.
O orfanato de Peregrine é quase tirado de um sonho, então parece lógico que pesadelos os acometam. E o grupo do Sr Barron (Jackson) são esses ladrões de sonhos – até mesmo de almas, se levarmos em conta a dieta especial dele e seus companheiros –, personificados como seres bem macabros pela falta de brilho nos olhos – então eles próprios não têm alma, expandindo o conceito – e escoltados por seres invisíveis. Para quem for mais ligado no sobrenatural, filmes e contos de terror, vai associar rapidamente a figura dos Etéreos como um mistura do Slender Man com seres lovecraftianos, que poderia ser outra homenagem, mas que não escapa da falta de imaginação do design de produção.
Com pequenos desvios, nada que prejudique demais, O Lar das Crianças Peculiares é engraçado, mesmo com tantas coisas horríveis acontecendo, e tem um chamado à aventura que apela aos nossos mais profundos sentimentos. Se fosse possível encontrar um mundo assim, seria fascinante e tentador experimentá-lo. Mesmo que a história não costure todos os personagens e exagere no ritmo até o segundo ato, deixando o terceiro bem acelerado e em alguns momentos difícil de compreender as nuances da viagem no tempo, faz bem ver Tim Burton mostrando a sua peculiaridade cinematográfica que é de nos fazer conhecer mundos desconhecidos dentro do nosso próprio.
Lar das Crianças Peculiares | Trailer
Lar das Crianças Peculiares | Pôster
Lar das Crianças Peculiares | Imagens
Lar das Crianças Peculiares | Sinopse
“Do visionário diretor Tim Burton, e baseado no romance best-seller, chega uma experiência cinematográfica inesquecível. Quando seu querido avô deixa para Jake pistas sobre um mistério que se estende por diferentes mundos e tempos, ele encontra um lugar mágico conhecido como O Lar das Crianças Peculiares. Mas o mistério e o perigo se aprofundam quando ele começa a conhecer os moradores e aprende sobre seus poderes especiais… e seus poderosos inimigos”.
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