O Homem Invisível | Crítica | The Invisible Man, 2020
Pegando uma ideia que já era boa e adaptando para um terror real, O Homem Invisível vai além dos sustos fáceis para jogar luz em relacionamentos abusivos.
O óbvio também precisa ser dito parece frase de um livro de autoajuda, e recentemente foi cooptado numa produção, o que não quer dizer que não seja verdade. Por isso que O Homem Invisível é tão direto na sua mensagem, porque existe um número escandaloso de mulheres por aí que ainda vivem relacionamentos abusivos, e dizer isso sem rodeios é o que faz a narrativa de Whannell merecer a sua atenção. Ao invés de fazer um terror com sustos fáceis, a nova visita ao clássico de H.G. Wells (1866-1946) abre uma porta para discussão sobre lugar de fala, relações de poder, e sobre uma realidade que acomete praticamente metade desse planeta e que boa parte da outra metade parece ou não quer entender.
Felizmente colocando de lado aquela ideia do estúdio de criar o tal Dark Universe, a Universal deixou que Whannell trabalhasse de maneira mais livre, provando que nem tudo precisa ser uma franquia. Aqui, Cecilia (Moss) é apresentada num mundo de terror verdadeiro, um mundo de contradições. Ela vive numa casa maravilhosa, com uma bela vista para o mar, numa arquitetura onde o vidro é presente, como se nada pudesse ser escondido de quem olha de fora. Isso é, porém, uma redoma onde Adrian (Jackson-Cohen) permite que sua então namorada seja exposta, mas não tocada. A não ser por ele, e brutalmente. Isso tudo é dito numa cena noturna, com poucas palavras, culminando na fuga de Cecilia dessa prisão.
Logo percebemos que a fuga não é liberdade. Assim como um fugitivo da justiça sempre tem que olhar por cima dos ombros, Cecilia nunca se encontra fora do estado de tensão. Aliás, a fotografia dá cabo disso de maneira muito interessante. O trabalho de Stefan Duscio é deixar tudo sem brilho, e esse é um trabalho que, apesar de muitas cenas diurnas, sempre esconde o sol e qualquer luz mais cálida da vida da protagonista, mesmo quando ela recebe a notícia que o namorado se suicidou. Para deixar essa parte um pouco menos tensa, entra uma sutil mudança no design de som, com Cecilia indo para o lado de fora da casa de James (Hodge) onde ela consegue ouvir o som dos pássaros.
Aqui entra a brincadeira com o sobrenatural que estamos acostumados. Ao invés de falar de espíritos, Adrian se torna uma presença, e Whannell brinca com essa dualidade constantemente ao apontar a câmera diversas vezes para o nada. Depois dos cinco minutos mais tensos nos últimos anos vindos de um filme, no prólogo, essa escolha nos mantém nesse estado, pois, assim como Cecilia, nunca sabemos se alguma coisa está ali naquele espaço vazio. Essa é a oportunidade de o diretor/roteirista mostrar sensibilidade para a personagem, sem esquecer que nessa parte ele teve uma mão de Moss para corrigi-lo.
Ela segue os passos do criador de Sherlock Holmes, descartando o impossível, chega a conclusão que a resposta para seu perseguidor reside na tecnologia, mesmo improvável, e é tachada de louca. Ainda que nenhum dos personagens, nem mesmo Tom (Dorman), irmão de Adrian, usem essa expressão, os olhares que chegam a ela quando Cecilia vocaliza que o ex-namorado encontrou uma maneira de se tornar invisível deixa óbvio que isso passa pela cabeça de todos. Mesmo levando em conta que essa tecnologia está mais perto de ser verdade, a ideia parece à princípio ser exagerada. Mesmo assim, isso não descarta o fato de que Cecilia precisa de ajuda, algo que o amigo James admite quando já é tarde demais.
O que não isenta o filme de alguns problemas, principalmente de conveniência. Primeiro, é difícil acreditar que Cecilia não pense nem ao menos que Adrian poderia estar morto mesmo e usou sua influência para contratar alguém para atormentá-la além túmulo. Por mais que seu pensamento sherolckiano estivesse correto, ela não eliminou todas as possibilidades antes, e isso poderia ser resolvido com um curto diálogo. Também é difícil acreditar que ela estivesse com a mão aberta para receber uma faca, sendo que uma cena anterior que aconteceu no sótão por si só já resolveria a questão de incriminá-la no crime. São alguns detalhes que melhorariam o resultado.
Esse pequeno deslize, felizmente, não estraga a experiência. E se por um lado temos a fascinante interpretação de Moss que em muitas vezes tem que interagir com o nada, por outro temos um mundo visual que ajuda a contar essa história. Elementos como a já citada fotografia e com o figurino e a maquiagem. Diferente de tantas outras mulheres, a personagem é pintada como normal. Melhor explicar isso para não parecer tão cretino: Cecilia parece sempre ter acabado de sair de uma corrida na rua, de moletom, sem maquiagem – com exceção do prólogo e do epílogo – para reforçar que ela é igual a tantas outras que passaram por um relacionamento abusivo, e que as coisas de ruim que aconteceram com ela nunca foi por seu modo de vestir ou de maquiar. De novo, o óbvio que precisa ser dito.
Mas a história não seria tão interessante se Whannell não conseguisse transformar coisas que acontecem numa vida de abusos em uma narrativa de suspense – ou terror, se acharem melhor. Assim como alguém que passa por essa situação costuma ser isolado pelo companheiro, Adrian consegue fazer isso com Cecilia na sua nova condição, ainda que não de maneira física: primeiro com a irmã, depois com o trabalho, com os amigos e então com ela mesma, quando ela finalmente é encarcerada numa instituição por ser taxada, vejam só, como louca.
A conclusão de O Homem Invisível é digna de Agatha Christie, onde a protagonista encara de frente a câmera pela primeira vez, num sinal que consegue finalmente encarar o mundo, mesmo que para isso ter acontecido seja necessária uma ação drástica contra alguém que se torna virtualmente intocável, pois a artimanha de Adrian o transforma na vítima. Diferente das cenas em que Cecilia está correndo, olhando constantemente para trás, é nesse momento que ela se encontra livre de uma prisão invisível, uma que ainda aprisiona tantas mulheres nesse mundo, e que não sabemos. Ou pior, escolhemos por ignorar.
Elenco
Elisabeth Moss
Aldis Hodge
Storm Reid
Harriet Dyer
Michael Dorman
Oliver Jackson-Cohen
Direção
Leigh Whannell (Sobrenatural: A Origem)
Roteiro
Leigh Whannell
Baseado em
O Homem Invisível (H. G. Wells)
Fotografia
Stefan Duscio
Trilha Sonora
Benjamin Wallfisch
Montagem
Andy Canny
País
Estados Unidos
Distribuição
Universal Pictures
Duração
124 minutos
Data de estreia
27/fev/2020
Depois de fugir de uma casa onde vivia um relacionamento abusivo, Cecilia parece que finalmente encontra a paz quando sabe da morte do namorado. Mas, de algum maneira, ele volta para assombrar a vida dela – sem que ninguém perceba.
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