Midsommar: O Mal Não Espera a Noite | Crítica | Midsommar, 2019
Existe um grande desafio em assustar durante o dia, e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite é um ótimo exemplo dessa esquecida modalidade do terror.
Quando você vê algum político ou pessoa extremista querendo colocar medo em você, por exemplo, na questão indígena, trazendo coisas raras como o infanticídio, desconfie. E isso não é papo aleatório. Em Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, Ari Aster nos lembra que é o velho mundo que tem um histórico de violência e para isso usa elementos do paganismo em seu filme não para demonizar uma religião antiga, mas apenas como o elemento do desconhecido para a maioria, algo que não seria atingido pela familiaridade de ritos judaico-cristãos. Ao mesmo tempo, o diretor não quer dizer que o europeu é alguém a ser temido. Apenas que seu passado não é tão limpo quanto muita gente branca por aí defende.
A tragédia que transforma a vida de Dani (Pugh) não tem relação direta com o que ela e Christian (Reynor) encontrarão em Hårga. Porém, serve com a síntese de um grande drama que afeta esse mundo: como a depressão não afeta apenas quem sofre da doença, mas também todos à sua volta. A dor da protagonista é tão grande quanto a inação do namorado, principalmente quando vemos que ele não está tão preocupado assim com ele. Existe também a referência ao mal do relacionamento abusivo, quando vemos Dani conseguindo virar o jogo em cima de Dani quando é ele que claramente está errado.
Apesar de ser escrito e dirigido por um homem, Aster é suficientemente sensível para jogar luz nesse assunto, mesmo que de maneira sutil. Um exemplo é a cena logo depois da festa quando Dani descobre que Christian estava combinando de ir com seus amigos para visitar um lugar na Suécia para acompanhar festividades do solstício do verão. Até no jeito de mover seus dirigidos o diretor conta uma história, ao mudar os dois de posição fisicamente antes de Dani começar a pedir desculpas, beirando o gaslighting. Então sim, esse é um filme de terror que lida com terrores verdadeiros ao invés de apelar para monstros, fantasmas ou demônios, deixando o mal para nós, os seres humanos.
Claro que à medida que a trama avança conseguimos ver similaridades com aquele é, provavelmente, o filme que mais aterrizou a plateia utilizando elementos do paganismo, podendo dizer até que Midsommar é O Homem de Palha (The Wicker Man, 1973, Robin Hardy) do século XXI. Apesar disso, o filme tem seu próprio charme. Podemos pinçar desde decisões de câmara, tensas nos Estados Unidos com seus closes em primeiro plano e em oposição às filmagens mais fluídas e esteticamente mais agradáveis em Hårga, a trilha sonora que não invade os tímpanos, marcando apenas os momentos mais importantes ou estranhos, a sutilidade dos efeitos especiais e até mesmo elementos mais simples, como uma câmera de ponta cabeça.
Basicamente, é um filme com muitas qualidades estéticas. A montagem é algo marcante pela sua naturalidade, exemplificado na cena do apartamento Christian para o banheiro do avião onde o corte mostra o sofrimento contínuo de Dani. Ou a fotografia, que passa o adjetivo mais óbvio. É muito fácil fazer filmes de terror no escuro, onde qualquer coisa pode te assustar. Criar tensão no claro, em especial num lugar onde o sol praticamente não se põe, é para poucos, algo que havia no filme de Hardy e aqui também. Em Hårga, tudo é belo e ensolarado. Aqui é o tal terror na familiaridade. Ao invés de ser um familiar, como o próprio Aster fez em Hereditário (Hereditary, 2018), aqui essa estranheza vem da claridade.
Até a escolha de nomes tem um sentido. Christian, Cristão traduzido. Dani, remetendo ao profeta Daniel. Joshua (Harper), ou seja, Josué. Mark (Poulter), ou Marcos. Todos os nomes bíblicos em oposição ao novo/velho mundo que encontrarão em Hårga. Isso já é uma pista fantástica, mas não tão óbvia. Isso porque não conseguimos esquecer, assim como Dani não consegue, daqueles primeiros terríveis momentos antes do título do filme aparecer na tela. Mais uma pausa para entendermos como os elementos são justapostos. Somos enganados, de certa maneira, pelo diretor, pois ele nos força a olhar para trás na esperança de que não percebamos o que está acontecendo na nossa frente. Pode não funcionar para plateias mais experientes, mas não quer dizer que seja ineficaz.
Já em Hårga, há uma calmaria inquietante. Tudo parece perfeito, assim como a jovem ruiva que convida Mark para alguma coisa, o ambiente é tudo que muito de nós, na correria da vida e de grandes metrópoles, buscamos. Um lugar calmo e pacífico, com casinhas rústicas e sem mentiras. Essa última parte em especial é bem marcante. Diferente de tantos outros filmes de terror, Pelle (Blomgren) não mente em nenhum momento para seus amigos – ainda que ele omita informações pelo bem de seus planos. Assim como para os quatro personagens principais é tudo novidade, é assim para nós na plateia. Cada questionamento, cada susto faz parte tanto dos personagens quanto de para quem assiste pela primeira vez.
Nenhum elemento está lá por acaso. Pode ser de maneira simbólica, como a tesoura no berço do bebê, para o corte de laços da mãe que está longe, quanto práticos, como um grande martelo na primeira virada da história. Aster se permite até mesmo brincar com uma muleta narrativa sem sentido quando um personagem pergunta o que está acontecendo e a pessoa para quem a pergunta é feita se vira sem responder. Faz sentido da maneira que é apresentado, por ser difícil de explicar e para ser uma surpresa de verdade. Mas você é permitido a perguntar.
Existem pecados a serem julgados, espaços para serem explorados e um mal que não é escondido no filme – metafórica e figurativamente falando. Vocês podem revistar a produção e notar como em Hårga, ao contrário das cenas dos Estados Unidos, é tudo muito às claras, com câmeras que mostram os cenários naturais e os construídos. A exceção fica na casa de uma das anciãs da vila, um lugar apertado e propositalmente incômodo onde Christian recebe a notícia de que ele foi escolhido para algo que ele queria, mas não estava disposto a fazer apenas por aparências. E cada um vai pagando pelos seus erros e julgados à luz do dia, num lugar sem paredes, mas sem escapatória.
Assim como não é possível escapar de si mesmo, é impossível sair de Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, ao menos dentro de nós mesmos. A produção captura a atenção do espectador, seja por motivos técnicos ou pela relação que críamos com aqueles personagens, seja por gostarmos ou não deles. Há também a questão comentada no começo, onde parece que esquecemos, como sociedade, que os europeus não são esse ideal de seres humanos, por mais lindos e perfeitos fisicamente que sejam – é só ver como um dos anciões reage com desdém quando sua cultura é comparada com uma crença hindu. Quero dizer que esse não é apenas um filme de terror que usa elementos de uma cultura obscura para assustar, mas algo com camadas que fazem parte do nosso mundo, ainda que não de maneira exagerada.
Elenco
Florence Pugh
Jack Reynor
William Jackson Harper Vilhelm Blomgren
Will Poulter
Direção
Ari Aster (Hereditário)
Roteiro
Ari Aster
Fotografia
Pawel Pogorzelski
Trilha Sonora
Bobby Krlic
Montagem
Lucian Johnston
Jennifer Lame
País
Estados Unidos
Suécia
Distribuição
A24
Paris Filmes (Brasil)
Duração
147 minutos
Data de estreia
19/set/2019
Para tentar esquecer da tragédia que a abateu, a jovem Dani embarca numa viagem com o namorado e os amigos deles para conhecer uma sociedade isolada que ainda mantém costumes antigos. E aos poucos eles descobrem que a pacífica comunidade esconde vários segredos.
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