Mães de Verdade | Crítica | Asa Ga Kuru, 2020
Digno de comparação com qualquer daqueles dramas mexicanos que cansamos de ver nos anos 1990 na TV, Mães de Verdade extrapola o melodrama.
Existe uma linha bem tênue entre drama e melodrama, e Mães de Verdade extrapola muito essa linha. Digno de comparação com qualquer daqueles dramas mexicanos que cansamos de ver nos anos 1990 na TV, o novo filme de Naomi Kawase, em alguns momentos parece um incentivo à adoção no Japão e outros um documentário sobre a vida de mulheres que são forçadas, por uma série de motivos, a não ser mães. Dotado de uma beleza estética inegável – existem cenas que poderiam ser emolduradas na parede –, a produção acaba se perdendo dentro do próprio discurso, que funciona em vários momentos quando apresenta os tabus sobre assuntos numa sociedade japonesa que, apesar de milenar, ainda não se desprendeu do tradicionalismo.
Kawase é feliz em transformar o desejo de ser mãe em algo poético, com muitas imagens da natureza, pequenas narrações em off que não se prestam a explicar o filme, e uma descrença de Satoko (Nagasaku) em acreditar que seu filho, o tão esperado Asato (Sato) fosse um pequeno sociopata. Ela diz para o esposo “como podemos duvidar do nosso menino”, incrédula. É onde o filme desanda. Com 140 minutos de projeção, essa é uma daquelas produções que te fazem sacar o telefone do bolso para checar quanto tempo falta para terminar.
O uso de flashbacks é um tanto problemático, é fácil se perder nas transições entre o tempo presente e passado. A diretora usa desse artifício para mostrar como foi a chegada de Asato, passando pelo amor de Satoko e Kiyokazu (Iura), os problemas de infertilidade dele, e a decisão da adoção. Mas o tempo que Kawase toma nessa parte faz parecer que o filme é propaganda de uma fictícia agência de adoção, porque o roteiro mostra até trâmites legais para os pretendes a pais e mães. O que a diretora faz bem nessa parte é jamais colocar o peso na figura das mulheres. E quando conhecemos Hikari (Makita), esse peso é reforçado – pelo já citado tradicionalismo japonês.
É inegável que a questão de adoção é um problema em qualquer lugar do mundo, e ter uma perspectiva menos ocidental do assunto é interessante. Mas aqui, a diretora força a boa vontade do espectador. O casal Kurihara tem problemas para conceber? Nas férias assistem intermináveis minutos de uma propaganda sobre adoção, como se fosse o destino chamando. Hikari começa a pensar em ter o filho de volta? A pasta com o nome dos pais adotados é deixada a vista da moça por displicência da chefe da agência.
Existem momentos tensos que começam com a suposta agressão de Asato a um colega de escola, onde cada telefone e toque de campainha acaba sendo um parto para Satoko, algo que piora com a presença de Hikari, que, no retorno, parece mais uma personagem saída de um filme de terror, cabisbaixa, deixando o cabelo cobrir o rosto como uma Sadako (de Ringu). A parte da jovem também é longa, mas faz sentido que seja assim. Ainda muito jovem quando engravida, a menina de 14 anos até gostaria de ficar com o filho, e toda a trajetória do romance é mais explícita – enquanto nunca vemos os Kurihara sequer se beijarem, vemos uma troca de carinhos apenas sugestivo entre Hikari e o namorado.
Portanto, por ser uma dor maior e de uma decisão muito mais difícil, é justo que o drama muito mais interessante de Hikari seja mais longo. Isso acontece para que nos conectar com a personagem, entendendo suas dores e justificando até mesmo quando ela é enganada por outra jovem, da mesma idade que ela, que a coloca como fiadora num contrato de aluguel que é cobrado por algo que parece ser a Yakuza. O problema é que aqui já passamos tanto tempo com os Kurihara que já estamos cansados. Faltou a mão de um editor na sala de montagem para dar ritmo ao filme, e digo sem medo de errar que outros 30 ou 40 minutos poderiam ser deixados de lado.
Há muita coisa sem sentido, como os pais de Asato aceitarem a visita de Hikari, que ali acreditam ser uma impostora, sendo que eles não tinham nenhum motivo para o confronto. De novo, é uma conveniência que a diretora coloca para os três poderem se encontrar, quando isso poderia ter sido feito de diferentes maneiras, todas mais espontâneas. O confronto puro e simples acaba servindo para Hikari ouvir, pela primeira vez a voz do filho – e para vermos mais alguns lens flares da diretora (Zack Snyder ficaria orgulhoso). É verdade que isso ajuda para a dor da mãe biológica ser mais dolorosa, e nos preocupamos muito com o destino dela. Isso é algo que funciona na trama.
Sim, nos preocupamos mais com Hikari do que com o casal do 30 andar, porque a jovem está desamparada, sem o apoio da família e ainda tem que se virar para pagar os agiotas sob o risco de perder a própria vida – e ainda arranjar coragem para encontrar o filho. É uma pena que Kawase se preocupe mais em fazer cenas esteticamente memoráveis do que pensar no andamento da trama. E fica pior quando percebemos que ela sabe sim como usar a estética para uma quebra de narrativa, no único flashback do pequeno Asato, uma cena de três segundos de onde ele lembra da mãe biológica em preto e branco e com o rosto desfocado. Esse é um exagero válido, mais pelo simbolismo.
Mães de Verdade é um novelão, por assim dizer. As coincidências, as viradas com novas revelações poderiam muito bem ter personagens com nomes duplos, sempre sendo chamados por ambos em voz alta, que se perde ao tratar de assuntos sérios e tabus nesse conto de fadas moderno japonês, onde, no último momento, uma personagem encontra outra numa cidade enorme e sem nenhuma pista disponível. Porque é assim que as coisas acontecem nesse tipo de folhetim. Pode funcionar para alguns que buscam algo mais palatável, mas que dificilmente aguentam receber isso de uma vez só. As novelas, pelo menos, são divididas em episódios e com intervalos para propagandas.
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