Lucy | Crítica | Lucy, 2014, França
Em Lucy, Luc Besson tenta compensar cenas de ação interessantes e uma atriz que é um espetáculo de tão bonita, mas se perde nos pontos frágeis da produção
Com Scarlett Johansson, Morgan Freeman, Amr Waked e Choi Min-sik. Roteirizado e dirigido por Luc Besson (O Quinto Elemento).
A suspensão de descrença, inúmeras vezes, é tão ligada ao cinema como é a montagem, a trilha sonora ou próprio modo de contar a história. O problema é o exagero. Em Lucy, Luc Besson espera que essa aceitação esteja tão alta no espectador que, ao compensa-lo com cenas de ação interessantes e uma atriz que é um espetáculo de tão bonita, esqueça-se dos pontos frágeis da produção. Se não se levasse a sério, estaria tudo bem. Mas ao fazer ao contrário, o diretor insulta a inteligência de quem vê.
Lucy (Johansson) é uma americana vivendo em Taiwan que é enganada e forçada a ser uma mula de um traficante poderoso chamado Sr Jang (Min-sik). Operada para esconder o pacote dentro do seu corpo, Lucy é espancada e parte o conteúdo da bolsa é absorvido pelo seu organismo. Ao invés de lhe causar uma overdose, a droga experimental expande a capacidade cerebral de Lucy para além dos dez por cento. Determinada a descobrir o que pode acontecer, ela entra em contato com o Professor Norman (Freeman), um estudioso que tem teorias nessa área que ela agora está.
Até descrever essa sinopse parece algo tolo. A balela que usamos somente 10% do nosso cérebro funcionaria num cenário de ficção científica, mas o diretor leva o filme muito a sério, intercalando a transformação de Lucy com discursos de Norman defendendo a teoria com exemplos e fatos – por assim dizer – criando uma falsa ciência. Ora, o personagem diz que os golfinhos usam 20% da capacidade cerebral e por isso desenvolveram o sonar. Mesmo alguém com pouco conhecimento científico, como eu mesmo, têm a inteligência insultada. E é no mínimo estranho que Besson faça uma montagem com imagens do que os seres humanos foram capazes de fazer com seus 10% desbloqueados mostrando a invenção do fogo, construções de todo o tipo, avanços da ciência, arte e terminar com uma peregrinação à Meca – o que não é do feitio de cientista nenhum.
E o sem sentido acompanha a produção por um bom tempo. O Sr Jang – que parece um Gary Oldman chinês – é um homem de negócios rico ao ponto de lavar as mãos com água Evian, mas se cerca de alguns capangas bem estúpidos. Um deles chuta a barriga de Lucy, momento em que a bolsa se rompe e a droga é absorvida. É difícil alguém dizer para não fazer isso porque a coitada acabou de passar por uma cirurgia, e que poderia perder um investimento bem caro?
A cena mais doce do filme é quando Lucy, passando dos 20% de capacidade, percebe que está perdendo sua humanidade, e liga para mãe e assim se despedir. Besson usa um plano sequência e vai se aproximando do rosto da protagonista que, aos poucos, vai se lembrando das memórias com a mãe, e diz que a ama uma última vez. Parece um esforço muito grande, já que ela está lutando contra os efeitos da droga em seu corpo. Mas parece que Lucy tem um lapso de memória por não ter dito à sua mãe para fugir e se esconder, porque um dos capangas ameaçou que se uma das mulas não chegasse ao destino, seus familiares seriam mortos.
Depois de operada e com pouco mais de 20 minutos de filme passado, Lucy já está superpoderosa – manuseando armas com habilidades e luta corpo a corpo com maestria – e neutraliza toda a segurança de Jang quando volta para saber onde as outras mulas foram enviadas. Mas, por algum motivo, ela não o mata, achando que a dor de empalar as mãos do traficante seria motivo suficiente para que ele a deixasse em paz. Ele só sobrevive numa esperança que poderia criar um adversário à altura para Lucy.
Porém, o tempo vai passando, e ela vai chegando aos 100% e vemos que nada nem ninguém seria um obstáculo, o que a torna uma personagem indestrutível. Para aproximar Lucy de sua humanidade perdida, a história apresenta Pierre Del Rio (Rhind-Tutt), um policial francês perdido nos detalhes da história como, pelo menos em parte, a audiência é. Ele deveria criar algum tipo de empatia entre a plateia e Lucy na sua humanidade perdida. Mas fica difícil de aceitar isso quando o próprio Pierre não mostra compaixão com os seus colegas de trabalho.
Numa ótima cena de ação – onde Besson mostra suas qualidades – Pierre pega um rádio para que os outros policiais parem de prossegui-los. Lucy resolve então usar seus poderes telecinéticos, o que deve ter causado a morte de dezena deles. Mas Pierre, na sua inabilidade de sentir, nem se importa com esse resultado. Se Besson queria um personagem com o qual pudéssemos nos identificar, falhou miseravelmente.
Diferente de tantas outras ficções científicas, o filme tem pouca reflexão e crítica. Além disso, no nosso momento científico, usar histórias batidas que se popularizam na internet de um jeito sério é colocar uma estampa de incapaz na testa do público. A história passa em pouquíssimo tempo a questão da transcendência. E isso é possível – no caso do filme – através de uma droga. Portanto, uma reação química, que faz pouco sentido, mesmo nesse universo. Não é uma mudança sutil, e a impressão é que o roteirista precisava acabar com o filme de uma vez já que Lucy sobreviveu a um ataque de um lança-míssil.
A protagonista-título é destinada a ser uma mulher forte: desde o começo Besson a veste com um casaco que imita a pele de um felino. Um pouco depois, as manchas de sangue seco que estavam em seu rosto parecem pintas de um guepardo. É a indicação de que ela deixou de ser uma presa para se tornar a caçadora. Mas não é suficiente para marcar.
Tecnicamente interessante, Lucy peca pelos maus momentos seguidos. Algumas passagens funcionam bem – como a droga fazer o papel de tradutor, e assim não precisarmos mais perder tempo com Jang falando chinês e ter um intermediador que fala inglês – mas a montagem, os sinais óbvios de ratoeiras e felino e a robótica exagerada de Johansson – querendo fazer um personagem distante – resulta num daqueles filmes que se esquece alguns dias depois de assistido.
Veja abaixo o trailer de Lucy
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