Interestelar | Crítica | Interstellar, 2014, EUA
Interestelar é um filme em tudo funciona e ainda podemos dizer, pelo menos mais uma vez, In Nolan We Trust.
Com Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, Bill Irwin e Ellen Burstyn. Roteirizado por Jonathan e Christopher Nolan. Dirigido por Christopher Nolan (Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge).
Pode parecer exagero, mas o espaço é como a tela de cinema: provocativo, nos chama para ele, nos engana e nos fascina. E Interestelar, um filme que tudo funciona, é uma prova disso. Seja pela viagem, seja pela relação fraternal, ou mesmo para procurar problemas e acertos envolvendo física e astrofísica, esse é um filme que transcende essas discussões. E ainda podemos dizer, pelo menos mais uma vez, In Nolan We Trust.
Num futuro próximo, a Terra está morrendo, pouco a pouco sendo coberta por camadas e camadas de areia. O planeta está faminto e até engenheiros como Cooper (McConaughey) se tornam fazendeiros para tentar alimentar a população. Cooper, acreditando que o destino da humanidade não é morrer aqui, embarca numa última missão em direção às estrelas, para que o destino da nossa raça não seja a extinção.
É lugar-comum dizer, mas esse é um filme que trará experiências particulares para cada um. Por isso que é tão importante ver esse filme antes de uma discussão, porque eles ficaram presos à expectativa e comentários rasos no estilo “quero muito ver” ou “esse vai me dar sono”. Como já comentamos no TigreCast sobre A Origem (Inception, 2010), Nolan é um diretor que consegue ser autoral mesmo estando em Hollywood. Seus filmes têm camadas, falam do cinema, e da fragilidade do ser humano. Ainda que essa não seja a melhor obra do diretor, você vai achar todos os elementos aqui, mas com uma roupagem muito interessante.
Arrisco dizer que a discussão em torno do filme é tão importante como o ele em si. Sim, a produção pode ser vista como entretenimento puro, um deleite aos olhos com seus efeitos especiais, diálogos e planos memoráveis e personagens que são tanto adoráveis quanto detestáveis. Porém, é importante perceber que essas flutuações – amor e raiva, verdade e mentira – são inerentes à raça humana, não importa quão inteligente uma pessoa seja, e mesmo ela estando a milhões de quilômetros do seu planeta natal.
Depois de três parágrafos, ainda é difícil entrar propriamente no filme. É uma experiência tão interessante que parece melhor discutir essa aura envolta. Claro que se você viu o filme fica com os dedos coçando para dizer aos quatro ventos todos os detalhes envolvidos – pelo menos os que pegamos – para formular teorias e conjecturas. É o mais conflitante é que, pelo menos para mim, esse filme fica abaixo dos meus favoritos do diretor. Ainda assim, Nolan consegue surpreender e animar durante as duas horas e meia de filme.
Outra coisa a se notar é que os momentos não são exatamente originais, e Nolan, porém, não esconde essas homenagens. Podemos perceber, por exemplo, na primeira vez que Cooper olha para o lado de fora de casa que a trilha de Hans Zimmer toca um curto pedaço de Also Sprach Zarathustra, música de Richard Strauss, e parte importante do antecessor espacial 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968, Dir Stanley Kubrick). Há também momentos da novelização de 2001 e 3001 (ambas escritas por Arthur C. Clarke) e uma explicação retirada diretamente de O Enigma do Horizonte (Event Horizon, 1997, Dir Paul W. S. Anderson), que envolve uma folha de papel e uma caneta. E existem outros elementos clássicos da ficção científica – a gravidade artificial, o hipersono, os geniais TARS e CASE – e ainda assim, nesse pequeno amálgama, Nolan construiu um universo extraordinário.
Uma jogada inteligentíssima do roteiro é não separá-lo muito da nossa realidade. Estamos num futuro próximo, onde a tecnologia empacou por necessidade que parece altruísta – alimentar um planeta faminto – mas ao mesmo tempo representa o egoísmo da humanidade. Ao mostrar um planeta que nega o Projeto Espacial Apollo – transformando-o em propaganda para derrubar a economia da União Soviética – a situação, que não é chamada de governo em momento algum, diz precisar de fazendeiros, não engenheiros. Ao não olhar para fora dos próprios umbigos, esses criadores de conhecimento (visto na cena em que uma professora desmente os fatos), nos tornaram cegos, centrados em nós mesmos. E é uma coisa que Cooper não pode aceitar. E ao juntar essa proximidade tecnológica e fatos históricos que a maioria conhece, Nolan traz para mais perto de nós o senso de urgência compartilhado com o protagonista.
Enquanto vamos acompanhando a trajetória de Cooper, Nolan vai contando também uma metáfora sobre evolução. Assim como deixamos, eventualmente, nossas mães, pais e o ninho, ele também deixa esse mundo para salvar seus filhos Murph e Tom. Aliás, que bela sequência é Cooper abandonando a sua casa na camionete enquanto ouvimos em off a contagem regressiva do Professor Brand (Caine) enquanto o ex-engenheiro toma caminho para as estrelas. É uma das poucas vezes no cinema recente em que um recurso que acelera a história serve à narrativa sem parecer atropelado.
Outros detalhes para serem apreciados enquanto vamos acompanhando a jornada de Cooper e suas descobertas são contadas também pelo modo que Nolan usa a câmera. Nos primeiros minutos, ela é tem o estilo “câmera na mão”, quase tensa. Porém, quando ele descobre o QG da Nasa e conhece a Dra Amelia Brand (Hathaway) e o projeto do pai dela, a câmera fica mais fixa, centrada, representando a determinação de Cooper. Em gravidade zero, ela fica livre, um movimento típico da situação. E tudo isso para nos aproximarmos mais dos personagens.
Quando a história avança – e isso é um paradoxo dentro dela – nos emocionamos junto com Cooper, que perde o crescimento de Murph (Chastain) e Tom (Chastain), enquanto ele continua com 30 anos de idade. É uma questão filosófica respondida, pelo menos aqui, para a pergunta “quem quer viver para sempre?”.
A parte técnica e científica obviamente não foi deixada para trás (afinal, o diretor chamou um físico teórico chamado Kip Thorne para ajudar). Apesar dos termos científicos apresentados – e que para os leigos é incompreensível – serem densos e de cruzar os olhos, eles não afetam a narrativa. E já podemos chamar Christopher e Jonathan Nolan de gênios, já que o filme descobriu realmente um grande marco na ciência, como podemos ver nessa matéria. E, como podíamos esperar, Nolan respeita a física não usando o som no espaço. Ele pode ter se sentido tentado, mas vocês vão concordar comigo – quando assistirem ao filme – que uma cena que envolve duas naves se atracando teria um efeito dramático bem menor se ouvíssemos o som. E Nolan, ciente disso, deixa até a trilha de Hans Zimmer de fora, para que o drama seja o momento por si só. E tudo isso sem precisar da imersão em 3D (mas assista em IMAX).
E há os pequenos signos que preenchem a história, elementos que Nolan usa para reforçar a personalidade das pessoas: uma pelúcia do cubo de Rubik no quarto da jovem Murph, além do fato de ela estar constantemente de azul – uma cor feminina e melancólica -, a cena em que Cooper acaricia o drone recém-capturado, ou quando ele se cobre com uma capa vermelha – como um super-herói – são de encher os olhos. São muitos detalhes para um filme só.
Digno de nota, digno de admiração, digno de sucesso, digno de bilheteria, Interestelar flerta com o drama, o amor, a ficção científica, a ciência quântica e a transcendência. Comparações serão inevitáveis, mas a proposta não foi fazer algo revolucionário, e sim contar uma boa história, com começo, meio e um fim (ainda que esse seja aberto). O que pode desbancar a vida do filme nas bilheterias é a própria ambição. Mas se algum cineasta precisou fazer isso, que bom ter sido Christopher Nolan. A partir de dessa semana, a produção entra para aquele panteão que fazem parte 2001, Gravidade, Star Wars e Star Trek: ou seja, será lembrado e celebrado por várias gerações.
Veja o trailer legendado e a galeria de Interestellar
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