Homem-Aranha: Longe de Casa | Crítica | Spider-Man: Far From Home, 2019
Homem-Aranha: Longe de Casa tem sua dose de aventura e comédia adolescente, mas usa do momento da nossa história atual para abordar o conceito da pós-verdade.
A melhor coisa em Homem-Aranha: Longe de Casa é perceber que o diretor não se esqueceu que ainda estamos vendo um jovem amadurecer, apesar desse mesmo jovem já ter ido ao espaço. E com isso em mãos, a nova produção desse Universo Marvel, mas ainda com um pé na Sony, atrai um público que prefere aventuras menos megalomaníacas e não pede, necessariamente, um grande crossover. Claro que os fantasmas dos eventos do Ultimato pairam no ar, como deveria ser. Mas é agradável perceber que não é preciso um megaevento para entregar uma história cativante com personagens que ainda não percebem a diferença que fazem nesse mundo. E que mesmo os heróis têm seus momentos de dúvida.
Apesar deste ser um filme de Peter Parker/Homem-Aranha (Holland), a presença de Tony Stark/Homem de Ferro (Downey Jr) é massacrante. Sendo a maior perda dos Vingadores no filme anterior desse universo, ele aparece em grafites, pôsteres, até nos desenhos infantis ao fundo da conversa entre Peter e Ned (Batalon) que querem mesmo a vida de adolescentes, uma tranquilidade que envolve a possibilidade de romance. Mas, assim como na vida heroica, a vida civil de Peter para se declarar num cenário perfeito para Mary Jane (Zendaya) tem seus obstáculos. Seja um concorrente que também está interessado em MJ ou uma ameaça interdimensional apresentada por Quentin Beck/Mysterio (Gyllenhaal).
Esse peso é a mais conhecida frase do cabeça de teia, mas não dita explicitamente em nenhum dos filmes desde que ele voltou para casa – e nem de maneira diferente como nos dois filmes de Mark Webb. Mas Peter ainda é jovem e é preciso alguém com mais experiência para lembrá-lo disso, alguém como o sisudo Nick Fury (Jackson) que, nas sombras, faz o que acha necessário para convencer Peter disso. Então, o diretor traduz os grandes poderes que trazem grandes responsabilidades por meio de um visual já comum ao UCM: muito CGI – funcionando bem nos cenários e não tanto no visual over de Mysterio – que faz o mundo cair na cabeça do rapaz, o que o impulsiona para a ação.
E, até certo ponto, esse é uma produção que lembra filmes de adolescentes que os hoje jovens adultos aprenderam a gostar. Digo até certo ponto porque MJ não é a típica adolescente/mocinha desses filmes. Cada virada que ela dá em Peter é digna das risadas da plateia, transformando a personagem que teve um protagonismo menor no primeiro filme em uma personagem com mais tridimensionalidade, e com a possibilidade de ser mais bem explorada no roteiro com seu adorável sarcasmo. É um encontro de dois mundos, um olho no passado e outro no presente, mostrando que sim, representatividade importa – algo que é um reflexo da escalação de uma atriz negra para o papel.
Apesar dessa leveza, Watts não dá descanso para seu protagonista. É verdade que o Stark pediu para seu pupilo é muito – afinal, quem poderia cuidar verdadeiramente do legado do Homem de Ferro sem surtar um pouco não seria humano. Aqui está um dos elementos mais icônicos do Aranha: apesar de seus poderes, o jovem está muito mais próximo da plateia do que a maioria dos personagens do panteão Marvel – esse carinho com personagens aparece até em Flash (Revolori). E Watts, sabiamente, não esquece desse importante detalhe. Isso é uma brincadeira com o conceito de destino, sendo ele real ou não, mas a questão do legado e do que se espera de quem segue nos passos de gigantes é a pedra angular desse filme.
Agora, passando o fato dessa ser uma aventura que pode ser vista como descompromissada, com algum romance básico para embalar, é importante lembrar o cenário em que vivemos. A virada não é exatamente uma surpresa, principalmente para quem conhece a índole de Mysterio nos quadrinhos. O importante, porém, é como Watts joga o conceito de pós-verdade em seu filme, o que por si só é um sinal de amadurecimento que Peter precisa passar. Ao usar ilusões e elementos como drones, a produção se aproxima perigosamente da trama de Homem de Ferro 3 (Iron Man 3, 2013, Shane Black), mas com uma resolução melhor. Quando a história faz Peter passar pelo longo corredor da enganação, Watts faz um paralelo com a preocupação que tem com o povo americano, algo que acontece inclusive na cena pós-créditos – que é um misto de graça com um assunto sério.
Isso tudo quer dizer que, na obra que o diretor entrega, que é necessário atenção. Que precisamos deixar a ingenuidade, mesmo que isso signifique ser atingido por um trem. Com eleições batendo à porta, Watts quer lembrar, de maneira um tanto sutil, de quem é a vergonha de ser enganado uma segunda vez. Cinema também é um ato político, mas Watts foi inteligente o suficiente para deixar que seu filme fosse visto também como cinema de ação e aventura, deixando a missão da crítica como ela sempre foi, como disse Bazin: fazer a experiência se prolongar além dos créditos. Por isso é tão importante continuar se informando, lendo, vendo pontos de vista diversos.
Diversidade que é vista no elenco com brancos, negros, latinos e orientais. Uma variedade que mostra como estamos, muitas vezes, à mercê dos poderosos e que às vezes é preciso um amigo da vizinhança para ajudar. Filmes de herói podem ser simples ou podem aproveitar a sua popularidade para azeitar mensagens, algo que é aproveitado muito em produções de ficção científica e que Watts toma emprestado aqui. É uma situação que alguns podem torcer o nariz, como a que vemos hoje adultos discutindo a etnia de personagens fictícias, mas é totalmente justificável no que vemos em tela. Se analisar bem, não há nada que desabone essa visão mais crítica ao governo Trump na produção de Watts.
Posicionamento é importante e é verdade que Watts encontrará alguns detratores no caminho, mas é importante marcar que Homem-Aranha: Longe de Casa extrapola as fronteiras da diversão pura e simples com o bônus de não ser um Vingadores 4.2. E, claro, tem seu ônus. Os mais preocupados com a manutenção do status quo vão reclamar que só queriam ver um filme de ação, de diversão. Mas essa hora passou. Filmes-adjetivos, que servem apenas de interação superficiais, vão ficar cada vez mais relegados ao esquecimento. Que não seja assim daqui para frente. Assim como o terror encontrou um novo papel ao abordar a depressão, o mundo de heróis pode ter achado uma maneira de falar do verdadeiro heroísmo que esse mundo precisa.
Como sempre, não saiam antes dos créditos acabarem. De novo, são duas cenas extras para serem curtidas.
Elenco
Tom Holland
Samuel L. Jackson
Zendaya
Cobie Smulders
Jon Favreau
J. B. Smoove
Jacob Batalon
Martin Starr
Marisa Tomei
Jake Gyllenhaal
Direção
Jon Watts
Roteiro
Chris McKenna
Erik Sommers
Baseado em
Homem-Aranha (Stan Lee, Steve Ditko)
Fotografia
Matthew J. Lloyd
Trilha Sonora
Michael Giacchino
Montagem
Dan Lebental
Leigh Folsom-Boyd
País
Estados Unidos
Distribuição
Sony Pictures
Duração
129 minutos
Data de estreia
04/jul/2019
Cena Extra
Depois dos eventos de Vingadores: Ultimato, Peter Parker precisa encontrar seu mundo de superseres. Mas antes, ele precisa de férias. Mas isso se torna impossível quando o deve bate à porta na forma de Nick Fury e Misteryo.
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