Hebe: A Estrela do Brasil | Crítica | 2019
- TIAGO
- 23 de setembro de 2019
- 6/10, cinema brasileiro, Críticas
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Focando em um dos muitos episódios da apresentadora, Hebe: A Estrela do Brasil lembra qualidades e defeitos de uma das personagens mais queridas da TV.
Você poderia definir Hebe: A Estrela do Brasil, como um filme que representa alguém vulgar, cafona e ultrapassada quando engrenou sua volta no SBT. Porém, é impossível ignorar o peso dessa comunicadora na TV brasileira, muito mais complexa que esses adjetivos iniciais. A produção de Farias resgata um pedaço da enorme carreira da apresentadora num momento que, apesar de mais de 30 anos de diferença, se parece muito com o que o nosso país passa hoje. Entre risos e choros, o diretor apresenta sem dúvidas uma mulher humana e que se mostra tanto poderosa quanto vulnerável, despindo um pouco a imagem que qualquer um que tenha acompanhado um pouco da carreira conhece. É uma pena que entregue uma série de tropeços cinematográficos.
Existem três relações que Farias mostra a sua visão de Hebe (Beltrão): uma mãe que ama incondicionalmente o filho Marcello (Horowicz), uma mulher apaixonada pelo namorado Lélio (Müller) e uma amante de seu público, disposta a levar algumas pancadas por ele. Mas o diretor mostra qual é o seu primeiro amor, seus fãs, colocando a primeira interação da personagem no filme com a audiência do seu mínimo palco da TV Bandeirantes. Isso não significa que seus outros dois amores sejam negligenciados, apenas que ela guardava um carinho especial para aqueles que não lhe deviam nada.
Apesar de uma aura alegre passar pelo filme, a produção começa com uma pergunta interessante de Hebe e que fica sem resposta do seu produtor à época, se a censura realmente tinha acabado, pois ainda era 1986, a transição entre o regime militar e a redemocratização do país. E mesmo que Farias não deixe de lado a polêmica de Hebe, aparentemente tão progressista apoiar alguém como Paulo Maluf, é difícil não relacionar com o momento que vivemos, onde ainda existem ideologias que gostariam de censurar a maioria dos assuntos que Hebe mostrava em suas apresentações ao vivo. É verdade que poderia ser uma persona e que os eventos não ocorrem exatamente da maneira que são apresentadas, mas fica a mensagem.
Do lado estético, há bastante exagero no filme. Há problemas na montagem, que ditam um ritmo lento, com músicas sendo tocadas na sua íntegra, e uma perigosa aproximação da fotografia de Inti Briones com o tal luxo de Hebe. É compreensível, por um lado, que essa opção quase kitsch, ou brega, na iluminação sirva para ilustrar esse exagero e brilho que Hebe gostava em tudo. É uma decisão estética que poderia ser suavizada em alguns momentos para não cansar tanto os olhos. E não parece ser por falta de tato do diretor, pois em vários momentos ele acha esse equilíbrio em outras partes, como saber quando usar e quando não usar trilha sonora.
Para quem ainda vê Hebe como uma mulher perfeita, pode se chocar ao ser apresentado a personagem que praticamente não larga o copo de uísque, mesmo sabendo que quase cometeu uma injustiça com seus funcionários. Pelo menos Kotscho e Farias não passam pano para esses detalhes, assim como na escolha política de Hebe, e isso ajuda a desconstruir a personagem. Ao escolher os eventos desse ano, que tanto para a protagonista quanto para o país parecia uma montanha-russa, o diretor apresenta alguém com preocupações normais e até justas. Ou melhor ainda, dignas de qualquer ser humano que se importe com o próximo.
Esse recorte da história aborda desde casos engraçados, o cenário musical e a briga entre narrativas. Sim, damos risada com o ridículo que eram os Menudos, com a excentricidade de Dercy Gonçalves (Miranda), mas também nos emocionamos com o carinho de Hebe com sua equipe, em especial o cabeleireiro Carluxo (Müller), uma das muitas vítimas da AIDS, e sempre nos pegamos torcendo para que ela finalmente entenda que a relação dela com Lélio beirava o abusivo. O filme poderia focar mais na relação e tensão de Hebe com a sombra do governo militar que, apesar de não ser mais, deixou uma sombra. Isso seria atingido com alguns cortes na trama.
Mas isso acontece por um grande mal que assola as produções nacionais recentes. Assim como tantos outros exemplos, esse filme não é apenas um recorte da personagem, mas também um recorte de uma minissérie programada para 2020 na TV Globo – o que chega a ser engraçado, considerando quanto a personagem fala mal da emissora na trama. E isso faz mesmo que elementos pareçam fora do lugar, com assuntos que não se concluem por falta de um espaço cinematográfico, como a relação de Marcello com o pai. Enquanto numa estrutura de dez episódios isso pode funcionar, aqui, se essa parte fosse cortada, faria bem ao filme.
Ter isso em mente faz entender melhor esse incômodo que acontece ao final, onde o filme não se perde na sua própria narrativa apenas por um milímetro. Se a produção se alongasse por, digamos, mais dez minutos, seria uma experiência bem problemática – e isso é perceptível na cena final onde a personagem encara a plateia do cinema por vários segundos. Apesar de não ser uma decisão que destrua por completo a experiência, ainda assim fica a sensação estranha de termos algo incompleto, uma enganação que sim é frequente no cinema – afinal, pagamos para sermos enganados – mas que só vai nos recompensar plenamente quando e se assistirmos tudo o que a minissérie trará ano que vem. Ou seja, falta substância para a satisfação ser alcançada.
Mesmo havendo um prazer em revisitar essa grande estrela da comunicação nacional, recriando momentos únicos da nossa TV – como a inesquecível presença no palco da apresentadora com Dercy e Roberta Close (Bastos), Hebe: A Estrela do Brasil se perde no formato que escolheu se apresentar inicialmente para o público. Existem sim momentos que vão te fazer dar gargalhadas e uma sincera intenção do diretor em nos fazer refletir o momento que passamos hoje no país com o que passávamos na metade dos anos 1980, e isso é louvável. Apesar disso, faltou mais do principal, que é fazer um filme com isso, e não apenas um teaser para o formato televiso que pode até funcionar lá, mas que precisava de mais cuidado na grande tela.
Elenco
Andréa Beltrão
Marco Ricca
Danton Mello
Gabriel Braga Nunes
Otávio Augusto
Cláudia Missura
Daniel Boaventura
Ivo Müller
Stella Miranda
Renata Bastos
Caio Horowicz
Direção
Maurício Farias
Roteiro
Carolina Kotscho
Fotografia
Inti Briones
Trilha Sonora
Branco Mello
Emerson Villani
Montagem
Joana Collier
Fernanda Frank Krumel
País
Brasil
Distribuição
Warner Bros. Pictures
Duração
102 minutos
Data de estreia
26/set/2019
Em 1986, a apresentadora Hebe encontra o fim de um período do regime militar que ainda não quer deixar a censura de lado. Acreditando em seus ideais, a apresentadora começa a usar seu pouder com o público para falar de assuntos polêmicos para a sociedade brasileira.
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