Família do Bagulho | Crítica | We’re the Millers, 2013, EUA
Família do Bagulho é um dos filmes sobre família mais subversivo que você vai ver por um bom tempo.
Com Jennifer Aniston, Jason Sudeikis, Emma Roberts, Will Poulter, Nick Offerman, Kathryn Hahn e Ed Helms. Roteirizado por Bob Fisher, Steve Faber, Sean Anders e John Morris. Dirigido por Rawson Marshall Thurber (Com a Bola Toda).
Imagine a família mais disfuncional que você conheceu. Pode ser até a sua. Pegue todos os momentos vexatórios que se tem notícia e junte na memória. Essas lembranças são a base de “Uma Família do Bagulho” – sim, o título nacional é cretino –, apesar dos Millers não serem uma. E essa subversão da imagem da família perfeita é a maior qualidade do filme. Os personagens são praticamente estranhos uns aos outros, mas acabam sendo parecido com seu irmão, seu pai, sua irmã, ou até a sua avó e sua tia. O roteiro escrito à quatro mãos tem problemas, mas é engraçado o suficiente para te deixar mais leve no fim da sessão, com suas situações desbocadas e nada moralistas.
David Clark (Sudeikis) é um traficante de drogas no mercado desde a época da faculdade. Chegando perto dos 40, não parece se incomodar muito com essa situação. Quando ele tenta ajudar o vizinho Kenny (Poulter) para que o jovem não apanhe de uma gangue, David tem todas as suas economias e estoque de maconha roubados. Sem dinheiro para pagar a dívida com Brad (Helms), chefe do esquema, este lhe dá uma oportunidade para que tudo fique quite: transportar uma pequena quantidade de maconha do México para os EUA. Para passar despercebido, David bola um plano para parecer ser um chefe de família comum passeando pelo país. Além de Kenny, ele contrata Casey (Roberts), uma adolescente que fugiu de casa, e a stripper Rose (Aniston). Os problemas começam quando os Millers descobrem que a quantidade da droga não é tão pequena assim, e que nem pertence à Brad.
Desde o começo, o filme dialoga com a atualidade. Então, assistimos juntos com David vídeos do Youtube, o que mostra como ele está antenado no mundo de hoje. Piadas com a o iPhone, Os Simpsons, e quando no escritório de Brad vê o plástico no chão, se desespera e grita “Eu vi Dexter”, são características irresistíveis do personagem. Junto dele, a graça também reside em Rose, uma stripper muito esclarecida com seu emprego – mas que tem limites, quando se nega a fazer sexo com clientes para acabar com a concorrência de uma Apple Store que abrirá do outro lado da rua –, mas que aceita a viagem apenas por necessidade financeira. Sabendo que qualquer deslize poderia acabar com todos na cadeia, os quatros conseguem fazer essa família falsa ser incrivelmente real, com brigas e reconciliações repentinas.
Durante a projeção é perceptível que a história foi escrita e reescrita. Normalmente, tantas mãos num roteiro não é sinal de qualidade, mas o quatro responsáveis se saíram bem. Quando os Millers encaram o primeiro desafio, que é sair da propriedade onde estão as drogas, você se pergunta aonde eles vão, que tipos de problemas eles enfrentarão até passar a fronteira. São situações clichês, como o policial corrupto, problemas mecânicos, a família normal que também está fazendo o mesmo trajeto, e o vilão que vai eventualmente caçá-los. Mas o desenvolvimento desses momentos é subversivo o bastante para alcançar boas risadas.
O sexo é uma ferramenta constantemente usada para a história seguir em frente. No momento onde a piada parece óbvia, você é surpreendido. Quando o policial mexicano pede alguma coisa em troca do suborno, você sabe que é sexo. Mais tarde, quando Casey ensina a Kenny como se beija uma garota – coisa que ele nunca fez – você sabe que eles vão ser surpreendidos por alguém da família Fitzgerald, que vai se chocar com a cena. Mas as situação vai se elevando à um ponto absurdo, que é difícil saber onde vai parar. Outras piadas são menos óbvias, como quando David e Rose invadem a barraca de Don (Offerman) – um ex-agente da Narcóticos – e da esposa Edie (Hahn) com planos de roubar a chave da van da família. Outro é quando a stripper tem que se virar com a explicação do pacote de maconha que foi confundido com um bebê, já que ela estava tão confiante e tão cheia de si que resolveria o assunto.
Lidando com temas tabu de drogas e sexo, o filme poderia facilmente enveredar para o machismo e conservadorismo. Ao contrário, eles são dispensados. Apesar de ter uma inesquecível cena de strip-tease protagonizada por Rose, as roupas mínimas dela não são uma diversão gratuita. Como poucas vezes vimos, uma mulher atraente usou do corpo para criar uma distração e salvar vidas. E ainda temos o momento onde David quebra a quarta parede, só com um olhar de “eu sei o que vocês estão pensando”.
Apesar de esbarrar na qualidade de atuação dos adolescentes, “Família do Bagulho” é um ótimo filme subversivo sobre a família que, ao invés de cair na tentação fechar com o modelo tradicional com todos vivendo felizes e alegres num subúrbio qualquer, encontra outro caminho, com um proposta nada moralista. Coisa rara de se ver.
E fique durante os créditos para ver uma engraçada piada envolvendo Jennifer Aniston.