Elysium | Crítica | Elysium, 2013, EUA
Elysium trata de temas delicados por meio da ficção científica numa produção interessante, apesar das falhas no desenvolvimento de roteiro e personagens.
Com Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Alice Braga, Diego Luna, Wagner Moura, William Fichtner. Roteirizado e escrito por Neill Blomkamp (Distrito 9).
Na mitologia grega, Elísio é equivalente ao paraíso – enquanto o Tártaro é o inferno. A dicotomia desses mundos é a base do diretor Neill Blomkamp para “Elysium”. Esse novo mundo é mais próximo à mitologia original, um lugar destinado aos heróis, sacerdotes, semideuses e outros seres importantes. A crítica da estação espacial inalcançável para a maioria das pessoas lida com temas de superpopulação, separação de classes e programas de saúde, tratando temas delicados – e tão em voga – por meio de uma ficção científica eficiente. Existem erros de percalço na construção de personagens e no desenvolvimento da trama, praticamente artificial em alguns momentos. Mas deve ser dar o devido crédito para a história que foi criada especialmente para o cinema.
O cenário de 2154 é de superpopulação e falta de recursos, o que dividiu o planeta em duas classes sociais sem meios-termos. Enquanto os ultra-ricos vivem na estação espacial Elysium, os pobres vivem numa super-populosa Terra. Lá em cima, os humanos são servidos por robôs mordomos, e aqui embaixo só existem autômatos cruéis que constituem a força policial. Nesse cenário árido vive Max da Costa (Dammon), um ex-ladrão de carros residente nas ruínas de Los Angeles, que depois de um tempo na cadeia tenta levar uma vida honesta. Em Elysium, a secretária de defesa Jessica Delacourt (Foster) mantém com mão de ferro a segurança da estação, até mesmo abatendo espaçonaves com refugiados que tentam chegar ali. Quando Max sofre um acidente de trabalho que o expõe à um dose letal de radiação, ele entra em contato com Spider (Moura) para que ele o ajude a chegar à Elysium para que possa ser curado lá. No seu desespero, Max aceita um trabalho perigoso para pagar o contrabandista.
Blomkamp usa os primeiros momentos do filme para mostrar a diferença entre os dois mundos. O planeta, na visão do diretor, virou uma grande favela, com direito aos nossos conhecidos puxadinhos até nos prédios altos. Os ricos, na sua tendência de se mudarem cada vez para mais longe, criam em Elysium o extremo desse pensamento. O diretor usa dessas metáforas mais uma vez para expor os problemas que nosso mundo passa, em especial a política dos EUA em relação à saúde: se você tem dinheiro, pode modificar sua aparência quanto quiser, até mesmo para aquela ruga praticamente invisível. Mas quem é da população mais pobre, o destino para doenças graves é com certeza a morte. Nesse século XXII, a medicina evoluiu tanto que qualquer enfermidade é curável em questão de minutos. Como deuses do Olimpo, os mais poderosos seguram essa dádiva para si próprios.
Existem pelo menos mais duas poesias visuais que diferenciam a Terra de Elysium. Vocês podem perceber que enquanto no planeta a direção de arte aposta num visual árido e com o diretor usando uma câmera constantemente trêmula, a estação é limpa, quase estéril e estável no jeito de filmar. Em Elysium só ouvimos tocar música clássica, o que reforça o mundo elitista. Apesar de, convenhamos, muito simplório. Assim também é a personagem Jessica Delacourt, maniqueísta demais, sem profundidade. A impressão é que a qualquer momento ela diria para o CEO John Carlyle (Fichtner) que iria tentar conquistar o mundo. Com todas as palavras.
Max é o representante da humanidade no filme. Seu trabalho é baseado na rotina, qualquer reclamação tem que ser feita diante de máquinas. As cenas em que ele é abordado por robôs policiais e depois ter que se justificar com um oficial de condicional que não passa de um manequim são fantásticas em vários aspectos, desde a insatisfação que hoje temos com o telemarketing até a luta que as pessoas tem contra o sistema. Por isso, em especial, que a força policial não foi representada por humanos. Mas o protagonista não é nenhum tipo de herói. Ao contrário, já que a vida está para acabar em cinco dias, ele se perde em seu egoísmo ao ponto de nem mesmo tentar ajudar Frey (Braga), um antigo amor de infância, a ajudar a filha que tem leucemia. Imperfeito, Max se torna mais humano e nem tão distante de Spider, que só ajuda aos que o procuram mediante pagamento. Durante a missão para roubar os dados da mente de Carlyle, Delacourt contrata o assassino de aluguel Kruger (Copley) para impedir o grupo de Max no roubo dos dados. É um interessante personagem, quase um ninja – ou um ronin –, usando espadas e shurikens. Seu visual composto de implantes cibernéticos o torna um escravo consciente daquele sistema opressor. Feito para ser o oponente de Max quando este começa a usar um exoesqueleto, aproximando os dois personagens, Kruger é experiente e cheio de recursos.
O filme, infelizmente, tem problemas de roteiro, e que complicam a experiência do espectador. Primeiro, o plano de Delacour. Ela simplesmente reescreveria o programa, assumiria como presidente e ninguém notaria que saiu um hindu e entrou uma mulher americana branca no lugar? Se fosse em período de eleições, seria compreensível. O outro é na transição do segundo para o terceiro ato, onde Max consegue embarcar na nave de Kruger para a estação, ameaçando explodir a cabeça com uma granada e mandando para os ares a informação que foi carregada para seu cérebro roubada de Carlyle. Então, numa decisão para criar um conflito que seria necessário entre a secretária de defesa e o presidente, os capangas de Kruger atacam Max que acaba detonando a granada próximo ao solo de Elysium. Não havia motivo nenhum para fazerem isso, e serviu apenas para criar um pretexto em que Delacourt instaurasse lei marcial, colocando de lado o poder do presidente. A mesma conveniência aparece quando Max está preso à uma maca enquanto a informação é descarregada de seu cérebro. A sequencia mostra que era impossível desligar o exoesqueleto sem afetar o plug cerébral, o que parece que não ter sentido nenhum.
“Elysium” se perdeu em meio à personagens rasos e falhas no roteiro. Mas também está longe de ser uma história ruim. A mistura de ficção científica com crítica social e a direção de Blomkamp são belas qualidades. E Max, como protagonista, cresce naturalmente, salvando o rol de atores. E ainda brincando com a mitologia grega, ele não se torna um samurai, oposto de Kruger, mas sim um Prometeu futurista, dentro de um mundo povoado por deuses autoproclamados.
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