Duna (Dune, 2021) • Crítica
Duna foi tão importante para o universo fantástico que você pode achar ecos dessa influência em inúmeras produções, desde Star Wars até Matrix. E com uma adaptação fraca nos anos 1980 e outra frustrada em 1975, Villeuneve chegou com uma missão bem ingrata – e esse peso foi demais para o diretor. A sua Duna tem sim elementos próprios e é muito superior a versão com Sting no elenco, mas cai por uma série de decisões que poderiam ser contornadas e outras que não mostram confiança de quem eventualmente for ver o filme, achando que não conseguiria entendê-lo. Sem dúvidas, é tecnicamente impecável. Mas faltou um pouco de ousadia ao contar uma história já clássica.
Pode parecer óbvio, mas é bom reforçar: Duna é uma obra anti-imperialista. Arrakis é a África e o Imperium são todos as nações que cresceram e se desenvolveram pela exploração dos recursos naturais do planeta – no caso da obra de Herbert, a Especiaria – que não por acaso tem um povo chamado Fremen (contração de “free men”, homens livres). Isso é importante de se destacar porque é algo a ser cobrado de Villeuneve. É provavelmente por isso que ele achou que era preciso ir no caminho didatismo muitas vezes óbvio do que está sendo mostrado na tela. Isso acontece desde o prólogo, que parece mais um livro de História do que filme.
Vejamos por exemplo como o diretor aborda como Paul Atreides (Chalamet) vai aprendendo sobre Arrakis. É literalmente isso, o jovem estuda o planeta por meio de holofilmes porque ele sabe que, eventualmente, precisará herdar essa responsabilidade do pai, Leto (Isaac), depois que o Barão Harkonen (Skarsgård) e toda sua casa é removida da responsabilidade de extrair a Especiaria de Arrakis. E isso é colocado na narrativa, aprendemos junto com o protagonista. Então, por que não integrar isso com o desnecessário prólogo, se haveria uma oportunidade melhor para isso na própria trama – inclusive reforçando as visões de Paul com Chania (Zendaya) – é uma coisa que não entra na minha cabeça.
Isso acontece porque Villeuneve não acredita tanto na capacidade do espectador. E o pior é que há momentos que sim, ele confia. Para quem viu o filme, pense em todas as vezes que algo é explicado desnecessariamente. Por exemplo, como exatamente funciona a Voz? É algo metafísico, basta treino, ou tem a ver com tecnologia? Sinceramente, isso não é importante e fica no ar. Nem mesmo a mãe de Paul, Jessica (Ferguson), tenta explicar isso para o filho – e consequentemente para nós. Mas na sua gana de esticar uma mitologia grandiosa em dois filmes, sendo o primeiro livro uma obra de mais de 500 páginas, o diretor toma de atalhos rasos.
Essa confusão/falta de confiança é nítida especialmente na cena em que Duncan Idaho (Momoa) tem que proteger a vida de Paul e Jessica de um ataque. Numa medida desesperada, o soldado trava a porta que é o único acesso ao herdeiro e sua mãe para que os dois tenham tempo de fugir. Isso é claro e óbvio, mas, sem nenhum bom motivo, o diretor faz que Harah (Obiano) narre isso para a plateia. E dois minutos depois, sem exagero nenhum, ela usa de um bate estaca para atrair a atenção de um verme de areia. E, vejam só, ela não precisa explicar o que está acontecendo exatamente porque Paul já tinha estudado sobre o assunto.
Essa flutuação entre confiar e não confiar na plateia acaba sendo a tônica do filme, o que dá a entender que, na verdade, é Villeuneve que não confia tanto em si mesmo como diretor, ainda que filmes como Os Suspeitos (Prisioners, 2013), Sicario: Terra de Ninguém (Sicario, 2015) e A Chegada (Arrival, 2016) provem o contrário. A impressão é que o diretor tem medo de que a maioria das coisas não fiquem tão claras, uma insegurança que se reflete nesses momentos. Uma coisa é explicar por que Stilgar (Bardem) cospe na mesa de Leto, outra é dizer com todas as palavras como foi que a ação de Jamis (Olusanmokun) salvou a vida de Paul e Jessica, algo que tínhamos entendido na cena de Harah.
Em linhas gerais, Villeuneve se vale da força da obra original para dar força ao seu filme. O que acaba sobrando é o visual interessante, com uma sociedade capaz de atravessar estrelas mistura tecnologias mais analógicas, grandes espaços que refletem o peso da solidão de Paul, tanto no planeta natal quanto em Arrakis, ou a cura do Barão Harkonen num líquido preto, cor que é compartilhada pela reverenda Gaius Helen Mohiam (Rampling, ainda que não exatamente pelos mesmos motivos); a música de Hans Zimmer que emula elementos não-europeus; o passeio entre visão e presente de Paul, dando uma feliz falta de linearidade para mostrar essa questão de um futuro sempre em movimento e que, pela própria situação insólita, não precisa ser explicada.
Porém, essa montanha-russa de momentos prejudica demais o filme. E é pior se pensarmos as oportunidades perdidas. Como comentado no começo, a obra é, em parte, uma crítica à exploração que fizeram civilizações não se desenvolverem tanto quanto os exploradores. Então, Villeuneve acerta demais em não escalar nenhuma pessoa branca no papel dos Fremen e fazer com que a língua deles seja parecida com árabe e se vestirem como beduínos por cima do traje especial que recicla a água. Mas quando é para escalar Paul, ele escolheu o padrão. Falemos a verdade, a escolha de um salvador branco para uma população majoritariamente de pele escura já é problemática, e faz tempo.
Há quem defenda que é assim porque é como Paul é descrito na obra. Mas, se Villeuneve deu um desenvolvimento maior a Jessica do que no livro de Herbert, não há motivo para não brincar com uma obra de ficção que não precisa ter nenhum lastro em obras passadas, como a de Cristo ter sido clareado para que uma população europeia se identificasse com a figura do salvador, apesar de ele ter nascido no oriente. Então, se o diretor e seus dois roteiristas conseguem reforçar que as atitudes do Barão Harkonen ao não vender a Especiaria, mas não tão rápido para que o preço não baixe (um capitalismo cru), seria bem importante em tempos como o que vivemos.
O que temos, portanto, em Duna é uma produção que mexe em temas importantes – exploração, escravização, destino – mas que não se aprofunda tanto neles. Aliás, em seus momentos finais, o filme, mesmo com suas duas horas e meia, se torna um tanto apressado, como se Villeuneve no momento de concluir precisou correr com algumas que serão deixadas para a continuação – e aposto que veremos numa versão do diretor para home-video com 3 horas pelo menos. O Barão Harkonen diz em determinado momento que Arrakis é a sua Duna. Pois não seria nada ruim mal se Villeuneve cuidasse um pouco melhor da dele.
Ficha Técnica
Elenco
- Timothée Chalamet
- Rebecca Ferguson
- Oscar Isaac
- Josh Brolin
- Stellan Skarsgård
- Dave Bautista
- Stephen McKinley Henderson
- Zendaya
- Chang Chen
- Sharon Duncan-Brewster
- Charlotte Rampling
- Jason Momoa
- Javier Bardem
Equipe
- Dennis Villeneuve (Direção)
- John Spaiths, Dennis Villeneuve, Eric Roth (Roteiro)
- Greig Fraser (Fotografia)
- Hans Zimmer (Trilha Sonora)
- Legendary Pictures (Produtora)
- Warner Bros Pictures (Distribuidora)