Camocim | Crítica | 2018
- TIAGO
- 12 de setembro de 2018
- 5/10, cinema brasileiro, cinema francês, Documentário, Filmes
- 0
- 2160
Apesar de mostrar um retrato brasileiro de um Brasil verdade, Camocim se perde no mal atual dos documentários nacionais de filmar a realidade controladamente.
Em Pernambuco, há uma Camocim de São Félix, há candidatos de uma eleição acontecendo nesse momento, como em todo o Brasil nesse setembro de 2018, assim como também nesse Camocim de Delaroche. O trabalho que por um lado podemos tratar como ficcional, pois aqueles partidos e candidatos não existem, também é documental por ser um retrato verdadeiro de uma cidade tranquila que a cada quatro se coloca em polos, vermelho e azul, mostrando que, assim como podemos ver em tantos casos, deixa pouco espaço para quem está fora desses extremos. Podendo inclusive ser categorizado como um mockumentary, a história é uma pintura de fatos tão particulares dessas cidades do interior do país, misturando fés, pessoas reais e como políticos tentam nos cooptar com seus discursos.
As primeiras cenas em Camocim de São Félix mostram um lugar de tradição e conservadorismo: a pessoas se deslocando com cavalos, reuniões em frente de igrejas e bandeiras azuis e vermelhas sendo balançadas. A opção de o diretor não fazer um documentário no sentido estrito da palavra, apesar de chamar a população da cidade para fazer parte do seu filme, nos parece confusa à princípio. É quase uma enganação, algo que para um estrangeiro poderia ser real, enquanto os brasileiros sabem que não é – ou pelo menos a maioria – com números que são próximos dos reais (14 e 55) para dizer que sim, o Delaroche está falando daqueles dois partidos.
Então, é como um voto de confiança que o diretor nos pede. Ao fazer uma viagem fictícia com tantos toques de realidade, ele se isola de uma responsabilidade de fazer acusações diretas, ficando somente no campo das ideias. E é nesse mesmo campo que Mayara (Gomes) quer eleger seu amigo César (Lucena), e onde Delaroche trabalha como uma pintura onde ele pode controlar as ações e caminhos que seus personagens passam. Porém, para não parecer tão contido e deixar um véu translúcido, podemos perceber problemas que atingiriam uma produção documental verdadeira, como problemas de captação de som, a câmera na mão e condições climáticas fazem parte da produção de ficção.
Essa decisão não é um problema para Delaroche, que a assume desde os primeiros momentos do filme, mas pode ser para quem assiste. As informações são conflitantes no nosso cérebro, como A Bruxa de Blair foi para os filmes de terror. Mas, diferente do filme da bruxa, o retrato ficcional é verdadeiro – e não seria nada estranho se, no começo, o filme abrisse com os dizeres “inspirados em fatos reais”. O interessante é notar que tudo nesse Camocim paralelo é verdadeiro: o uso das redes sociais com seus nomes verdadeiros, os 45 dias de política, cenas que poderiam ser de qualquer lugar no Brasil, a humildade das casas e dos comércios.
Há alguns momentos, porém, que Delaroche se trai nessa proposta. Se no começo o diretor tinha essa ideia de fazer algo perto da realidade, inclusive deixando a trilha sonora por uma roda de violão, no coro da igreja ou nos jingles dos candidatos, ele não faz o mesmo perto da conclusão do filme. Com três momentos de trilha sonora, Delaroche força um sentimento que já era bem claro pelas imagens que estava usando: um momento de tensão, briga e de catarse/transe de apoiadores dos partidos, a busca de votos de Mayara e quando chega a hora da verdade para descobrirmos se César conseguiu ser eleito. Não é uma questão se a música é boa ou ruim, mas é apenas o fato dela estar deslocada daquele cenário montado.
Porém, a história complica quando vamos pesquisar os fatos e descobrimos sim que César Lucena foi sim candidato a Vereador em Camocim de São Félix, e que Mayara Gomes foi sua cabo eleitoral. Ou seja, aqui há um nó difícil de desatar. Mas, como vimos em Ex-Pajé, parece um caminho que o cinema documental brasileiro está tomando, um documental que não é documental, com cenas dirigidas ao invés de captadas. Claro que a opção de mascarar o verdadeiro partido e número dos grandes participantes – no caso o cargo de prefeito – é para não fazer propaganda política, mas a discussão principal do filme, que é discutir política, quase se perde porque a audiência pode se perder, vendo uma verdade que não é exatamente verdadeira, algo intrínseco ao gênero do documentário.
Esse controle de narrativa funciona pelo menos em um momento: quando Delaroche justapõe uma pregação de uma denominação evangélica com a de um dos candidatos a prefeito, o que não poderia ser mais claro em relação a sua posição. Ali é onde, sem fazer julgamento de valor, ele coloca como podemos ser levados pelo poder da oratória, apenas porque quem está a nossa frente tem um poder – ou apenas a promessa de poder, pois tanto o pastor pode dizer que é um representante de Deus sem o ser, e o candidato é apenas isso enquanto não for eleito. Enquanto isso, problemas reais são ignorados, como a mãe de Mayara, que ao fundo do culto, pensa no filho preso e se vê no semblante dela que estar ali não mudaria esse fato.
O retrato de Camocim é quase uma caricatura da realidade, tomando mão do cinema de ficção para que Delaroche pudesse controlar o caminho da história que queria contar. Detalhes verdadeiros de como ninguém no Brasil consegue se eleger com posições extremistas, o perigo que é se isolar religiosamente nesse sentido e detalhes de campanhas que o público em geral não sabe dos detalhes de como funciona são os pontos fortes do filme. E para quem se pergunta se é possível não viver em extremos em tempos assim, com certeza serve de reflexo. Quanto à maneira que se apresenta, é cinema, com certeza. Só fica a dúvida se podemos chamar realmente de documentário.
Elenco
Mayara Gomes
César Lucena
Direção
Quentin Delaroche
Argumento
Quentin Delaroche
Felippe Fernandes
Fotografia
Quentin Delaroche
Trilha Sonora
Nicolau Domingues
Montagem
Quentin Delaroche
País
Brasil
França
Distribuição
Vitrine Filmes
Duração
76 minutos
A jovem Mayara quer fazer uma campanha limpa para eleger o amigo César em Camocim de São Félix, uma cidade que a cada quatro anos passa por uma curiosa polarização política.
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema
• Assine a nossa newsletter!
Apoie o nosso trabalho!
Compartilhe!
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para imprimir(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
- Mais