Assassinato no Expresso Oriente | Crítica | Murder on the Orient Express, 2017
Ao se afastar bastante do que já foi feito, o novo Assassinato no Expresso Oriente encontra uma identidade e se diferencia das outras versões.
Lendas memoráveis sempre acham uma maneira de voltar, sendo elas verdadeiras ou não. É o caso do detetive belga de Agatha Christie e o Assassinato no Expresso Oriente, um filme que encontra na megalomania shakespeariana de Kenneth Branagh algo de moderno, mantendo a alma clássica. O diretor se afasta das outras versões do personagem – seja a do filme de Sidney Lummet, a encarnação de Peter Ustinov ou da série britânica com 13 temporadas com David Suchet – mudando trejeitos, alguns traços da personalidade e adicionando um humor que existe de maneira bem mais sutil na obra da escritora britânica, entregando uma obra que chama o interesse exatamente por tais exageros.
Para se diferenciar de outras interpretações, esse Hercule Poirot (Branagh) ganha tons mais pitorescos ao começar pelo bigode, marca registrada do detetive. Antes preto e fino, agora é ele é largo e se liga às costeletas. Essa marca visual é uma tentativa de se afastar de comparações, assim como o jeito mais caricato do belga e sua obsessão por equilíbrio que nos traz algumas cenas divertidas; como a figura da justiça, ele quer pesar as coisas e tudo que é fora do nível, do sim ou não, o incomoda – por mais nojenta que a situação seja. É interessante apontar que o primeiro caso de Poirot é um establishing shot da personalidade dele e não do lugar que está.
Com esse prólogo rápido para quem, por acaso, não conheça a figura genial que Poirot é, Branagh começa a colocar suas peças no tabuleiro, mostrando que o detetive deve contar com um pouco de sorte e descuido dos personagens – mas somos partícipes dessa investigação e Poirot não nos esconde nada. Por exemplo, quando ele deduz que Ratchett (Depp) não é quem ele diz ser, o belga preenche lacunas com a história pregressa de um sequestro e assassinato para que possamos continuar nossa jornada com ele: tudo o que o detetive sabe, nós sabemos – isso não quer dizer que esse é um mistério fácil e não por acaso é o caso mais conhecido do personagem.
Notamos também que existe algo de onírico na primeira parte da história, antes do assassinato, onde o cinematógrafo Haris Zambarloukos pinta o céu com cores vivas e fortes, como saídas de uma pintura romântica de Wlliam Turner, indicando que é quase providencial que Poirot estivesse no Expresso do Oriente, um lugar que em breve se torna palco do assassinato de um figura detestável – e é bem simbólico que tal personagem seja interpretado por alguém que hoje caiu em desgraça por causa de suas ações – com ares clássicos de vilões como ser rude com seus empregados, as cicatrizes e a ideia de que o dinheiro pode comprar tudo.
E quando o trem e seus ocupante encontram o caminho coberto por neve, a fotografia tem tons mais duros e com quase nada dessa fantasia – a realidade chega e o drama começa. Para aliviar um pouco a sisudez da trama, Branagh se coloca caindo, tropeçando e até sendo uma figura fisicamente ativa – aqui é menos Poirot de Christie, o que incomoda um pouco quem está acostumado com as aventuras nos livros e em outras adaptações. O que não é algo ruim, pois esse Poirot não é um baixinho atarracado, mas tampouco é um jovem capaz de altas proezas. É sim algo menos interessante que o jeito que suas células cinzentas trabalham; mas ao mesmo tempo condiz com a figura do ator.
E graças ao fantástico material original, esses deslizes são relevados. Sem falar, claro, na força do elenco. Entre caras mais experientes e novas no cinema, cada um daqueles doze personagens conta suas histórias entre mentiras e verdades, confinados com um caçador de mentes. A maior qualidade na interpretação de cada um é a frieza com que a maioria conta a própria história para Poirot, cada um firme como pedra, ainda que cheio de mãos para cima e para baixo, numa história que ganha por ser perfeita ao mesmo tempo que não é. É difícil até mesmo destacar um acima de outro em questão de qualidade, com exceção de dois ou três que praticamente somem da narrativa.
Apesar de não ser cansativo, pois o filme precisa gastar algum tempo pelo menos em cada um dos personagens, a produção fica um tanto tediosa no desfecho, de novo com o exagero teatral de Branagh ao colocar todos os suspeitos numa mesa que remete à Última Ceia de Leonardo da Vinci e nas ações mais físicas, apesar de poucas, e não de raciocínio por parte de Poirrot, onde o perfeccionismo é tratado mais como piada para animar o clima do filme do que algo que realmente sirva para a narrativa. O que não é um defeito, mas quando falamos modernizar, parece que intrinsicamente seja preciso inserir piadas para que o gosto seja aceitável para o grande público.
E isso não são palavras para descreditar a obra. Pois se fosse mais parecido com os filmes e séries citadas na introdução dessa crítica, a nova versão de Assassinato no Expresso Oriente seria mais alvo de comparações indevidas. A modernização de visual e a introdução de mais piadas é sim para deixar a história mais atrativa para quem não está acostumado com o gênero policial, mas é preciso entender que esses momentos são verdadeiramente engraçados. E é bom perceber que, apesar dessas mudanças, o DNA da autora britânica está presente e continua tão evidente quanto o bigode daquele que é, talvez, o maior detetive do mundo.
Elenco
Kenneth Branagh
Penélope Cruz
Willem Dafoe
Judi Dench
Johnny Depp
Josh Gad
Derek Jacobi
Leslie Odom Jr.
Michelle Pfeiffer
Daisy Ridley
Direção
Kenneth Branagh (Thor)
Roteiro
Michael Green (Blade Runner 2049)
Baseado em
Assassinato do Expresso Oriente (Agatha Christie)
Fotografia
Haris Zambarloukos
Trilha Sonora
Patrick Doyle
Montagem
Mick Audsley
País
Estados Unidos
Distribuição
20th Century Fox
Duração
114 minutos
Um assassinato ocorre no Expresso Oriente, um trem de renome internacional. Todos do vagão são suspeitos. Essa é uma missão para um passageiro de última hora, aquele que talvez seja o melhor detetive do mundo: Hercule Poirot.
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