A Partida | Crítica | おくりびと, 2008, Japão

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A Partida fala da naturalidade da morte, colocando sensibilidade num assunto que muitos preferem não pensar.

A Partida

Com Masahiro Motoki, Ryoko Hirosue, Kazuko Yoshiyuki e Tsutomu Yamazaki. Escrito por Kundo Koyama. Dirigido por Yōjirō Takita.

Muitos temem a morte. Pelo medo do desconhecido, saber que o destino que os espera não é dos melhores, ou pelo simples fato do ser o fim. Mas a preocupação dos que se foram acaba, e é a missão dos que ficam de cuidar dos receptáculos daqueles que partiram. A Partida mostra a morte como ela é: algo natural e que não deve ser negada ou esquecida e a difícil tarefa dos profissionais que trabalham como agentes funerários (no Japão, “nokanshi”). Com lindas paisagens, uma trilha sonora com toques clássicos e uma história com muito sensibilidade, o filme se firma como uma grata surpresa do cinema oriental.

Algumas pessoas podem achar que certos trabalhos são indignos. Quando Daigo (Motoki) deixa de a posição de violoncelista numa orquestra que foi desfeita em Tóquio, ele volta para a sua cidade natal, Sakata, junto da esposa. Lá ele tem que arranjar um novo emprego, e acreditando que o instrumento se tornou um peso, o deixa de lado. O trabalho perfeito aparentemente existe, mas trata de cuidar dos mortos, no chamado “rito do acondicionamento”: deixar a aparência dos falecidos mais próxima possível de quando estavam em vida e prepará-los para a próxima vida. O plano inicial do filme nos coloca numa imensidão branca causada pela neve, como dizendo que a morte é a paz que todos merecemos nesse mundo. Mas a paz nem sempre tem um caminho fácil, e é isso que Daigo aprende durante os 130 minutos do filme. Não existe um conforto inicial para o personagem. O salário é ótimo, mas a sensação que Daigo está entrando numa situação nada confortável é clara, e é aumentada pela trilha sonora, pela visão que temos quando chega à funerária (entre grades, preso), e pela posição dos caixões, grandes e numa posição superior a todos os personagem da NK Agent, essa com um tom fúnebre desde sua entrada. Para completar a situação, Daigo nem consegue dizer Mika (Ryoko) qual é a sua nova profissão, e se isola na entrada do seu quarto. Ali não é dos lugares mais agradáveis, pois a sensação que se passa nesse plano em especial é que ele mesmo está dentro de um caixão.

As próximas situações não facilitam a vida de Daigo. Além de servir de modelo para um vídeo institucional, tornando-se ele próprio um morto, e depois ter que cuidar de um corpo de uma pessoa que morreu há uma semana, ele não acha muito conforto em casa, quando a mulher serve de jantar uma galinha morta e decepada “que pode ser comida crua”. Até acho que galinha piscou, num último sopro simbólico. A visão lhe causa tanto desconforto que ele tem a necessidade de possuir a mulher logo, na necessidade de sentir alguém vivo ao seu lado.

Aos poucos Daigo se sente melhor com sua nova profissão, que é encarada como um missão e bastante nobre. Se sentindo mais leve, Daigo retorna a atenção ao seu antigo violoncelo, e as memórias de seus pais quando pequeno voltam num travelling muito suave, mudando a câmera para a esquerda; um jeito bem clássico de mostrar uma volta no tempo. As cenas se tornam contemplativas, mas cheias de informação que perceberemos depois, como as roupas que a mãe de Daigo usa e a visão embaçada do pai, que o deixou quando ainda era menino. Apesar da mãe ter dito que o ele os abandonara, as lições ainda estão presentes e fortes na memória do filho, como as pedras que eles trocam. E mesmo com todas as razões para detestar o marido, a mãe de Daigo mantem a casa do jeito que ela sempre foi, inclusive mantendo os discos preferidos este homem que foi embora, e que diziam ter sido por outra mulher.

A Partida continua nos mostrando conflitos, vindo de amigos e da mulher de Daigo, mostrando que o trabalho é visto com maus-olhos até mesmo por uma cultura que vê a morte com olhos diferentes de nós ocidentais. E apesar das cenas de Daigo e Mika serem sempre recheadas de certa doçura e iluminadas de um jeito cálido, ela não entende a vontade dele nesse trabalho. Apesar de ser algo necessário e que dá alegria a Daigo, Mika não consegue compreender, e o deixa. Depois disso, o inverno chega, voltando à cena inicial e mais uma vez à paz. Não só a de Daigo, mas a que ele consegue passar para alguns de seus clientes.

O filme continua cheio de metáforas da relação entre vida e morte. Em certa altura o chefe de Daigo diz ao preparar uma refeição “infelizmente é gostoso”. É uma pena que o fim de uma vida sirva para nos alimentar e ainda por cima seja tão bom. Ao nos aproximarmos do fim da projeção a sensação que a morte é uma passagem já é compreendida e aceita, sendo que até ela pode reunir amigos e familiares. Com uma conclusão cheia de memórias, reflexões e perdões, a vida continua. As pedras, que são recorrentes no filme funcionam como “anti-flores”, algo que não vai murchar e desaparecer. Alguns levam grandes pedras, como é do pai de Daigo. Um belo símbolo dos motivos que o fez deixar a família. No fim, precisamos lidar com elas e passá-las para frente com o entendimento devido. O filme se encerra com uma cena pós-créditos que vai diminuindo como a vida, indo embora, o que eventualmente acontecerá com todos nós.

A Partida conta com uma direção e fotografia impecáveis. A trilha sonora de Joe Hisaishi nós traz grandes belezas que acompanham o cenário e fazem parecem que os sons fazem parte dos ritos e das conversas, fazendo dessas cenas grandes poesias visuais completas. Uma história sensível, tratando de um tema que é visto como tabu por tantos, mas que não deveriam nos incomodar.

Veja o trailer de A Partida

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".