[Especial 36ª #MostraSP] Meu dia #4

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Fechando o ciclo de críticas, tive a o oportunidade de assistir a mais dois filmes. Não foi meu último dia de Mostra, porque separei duas sessões para os clássicos “Era uma Vez no Oeste” e “Lawrence da Arábia”, os quais não pretendo escrever. Pois bem, vamos aos finalmentes com “Miradas Múltiplas” e “Um alguém Apaixonado”

Miradas Múltiplas – O Universo de Gabriel Figueroa (Miradas Multiples – La Maquina Loca, 2012, México, França e Espanha). Com Vittorio Storaro, Affonso Beato, Darius Khondji, Lauro Escorel e Walter e Lula Carvalho. Roteirizado e dirigido por Emilio Maillé.

Gabriel Figueroa é a figura desse documentário: um diretor de fotografia mexicano que participou de mais de 200 filmes, e que foi o primeiro a ter seu nome creditado em um pôster. Todo filmado em P&B para dar uma unidade visual ao filme, e também homenageando a filmografia de Figueroa, o roteirista e diretor Maillé entrevista vários profissionais do ramo da cinematografia. Não para criar uma cinebiografia, e sim um encontro com fotógrafos. Maillé acredita tanto que a fotografia de Figueroa se sobrepunha ao roteiro e direção que quase não usa os sons originais do filme. Tudo é substituído por belíssima música anacrônica de Michael Nyman.

Durante a projeção, os entrevistados falam um pouco do trabalho deles, e como se passa  desapercebido, pelo menos conscientemente, do público em geral. Tecem elogios tremendos a Figueroa, dizendo que ele era alguém que conseguia “pintar” com o P&B de um jeito que muitos hoje não conseguem.

O filme também demonstra o legado deixado pelo mexicano até hoje. Também é uma ode à cinematografia, com declarações apaixonadas e mostrando que o trabalho deles é de extrema importância. Mostram o óbvio, que sem luz não se filma e que hoje qualquer um pode se chamar fotógrafo, já que existem até câmeras em celular. O filme serve de crítica à essa banalização da fotografia e uma tentativa de explicar ao espectador comum a importância dos trabalhos. “Miradas Múltiplas” só peca pela montagem inicial, que torna o filme cansativo nos seus primeiros minutos. No entanto, vale a pena pela história e para conhecermos melhor o processo técnico e criativo de um dos mais importantes cineastas da história. (8/10)

Um Alguém Apaixonado (Like Someone in Love). Com Tadashi Okuno, Rin Takanashi, Ryo Kase. Roteirizado e dirigido por Abbas Kiarostami (Cópia Fiel).

Para os ocidentais, o Japão pode parecer um país frio, e os relacionamentos acompanham essa visão estreita. Kirostami mostra que não é bem assim no seu filme multicultural “Um Alguém Apaixonado”. Em todo lugar as pessoas sofrem de carência, se apaixonam e buscam o amor. Mas também mentem para manter uma aparência e para tentarem segurar o máximo uma normalidade, e até se enganando. O filme é uma longa e às vezes incômoda reflexão sobre a solidão e o amor, ou pelo menos algo que os personagens acreditam ser.

A câmera subjetiva no início do filme mostra a visão da protagonista num bar. Akiko (Takanashi) está sozinha, observando o ambiente, acompanhada apenas por uma garrafa de vinho. Demora um pouco para notar, mas toda a subjetividade mostra que ela e uma amiga são prostitutas de luxo. O chefe de Akiko insiste que ela vá visitar um cliente “muito importante”, e que vá ainda naquela noite visitá-lo. Ela dá inúmeras desculpas, tentando até usar a questão de que a avó está na cidade para vê-la, mas cede à pressão. Kirostami faz esse primeiro ato um filme noturno, com cenas longas e contemplativas, que irão acompanhar toda a produção. O cliente de Akiko é um senhor idoso, o professor Takashi (Okuno). É interessante a visão de importância que é dada a esse senhor, e representa o respeito que os docentes têm no país. O velho senhor e a jovem tem uma conversa bem longa sobre arte e outras coisas da vida, e que lembra ligeiramente uma cena em “Uma Linda Mulher” (Pretty Woman, 1990). Takashi prepara um clima todo especial, com velas, músicas e até um cardápio baseado na região onde Akiko nasceu, o que mostra uma personalidade um tanto stalker do professor. Diferente da rua e do bar, a casa da Takashi tem uma fotografia bem mais aconchegante, auxiliado também pela música ambiente. Aliás, todas as músicas são só incidentais, não existe uma trilha propriamente dita, o que aumenta o clima de realidade do filme. A cena mais interessante do primeiro é ato é quando Akiko se deita na cama de Takashi. Ela começa com elementos eróticos, jogando as roupas de um lado para o outro do quarto enquanto o professor assiste, mas ela vira uma comédia enquanto ele insiste que eles tomem um vinho para relaxar e ela só quer saber de dormir. Akiko é mostrada só no reflexo da tela de TV de LED/LCD, que refletem com desfoque. É uma bela representação da visão já prejudicada de Takashi.

No dia seguinte, Takashi leva Akiko até a faculdade e diz que vai esperá-la, já que ele não tem nada demais para fazer mesmo. O professor vê a jovem discutindo com um homem, que logo depois se apresenta com o noivo Noriaki (Kase). Num impulso, ele começa a conversar com o professor, transformando-o em um confessor. Diálogos insólitos seguem a projeção, enquanto Takashi tenta esconder de Noriaki a verdadeira profissão de Akiko, ao mesmo tempo em que dá pequenos toques para que o noivo caia na real e de que ele não é avô de dela coisa nenhuma, em especial quando ele diz “eu me sinto tanto avó dela quanto sou de você”.

“Um alguém apaixonado” pode incomodar pela montagem, que usa vários planos-sequências. Apesar de parecer um jeito datado de se filmar, a contemplação é proposital, pois o incômodo dos personagens se reflete nessa inquietação que sentimos com a decisão do diretor usar poucos cortes. O filme também acerta com doses de comédia, e com a decisão de usar apenas sons diegéticos para criar o ambiente sonoro. Vejo de mal apenas a consequência que liga os personagens da avó de Akiko e de seu noivo, algo bem difícil de acreditar que possa acontecer numa cidade tão populosa como Tokio. Mas isso não faz cair a qualidade do filme, que vale principalmente por criar algumas risadas sem forçar, e fazer uma reflexão sobre o que é (ou não) amor e a solidão. (8/10)

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".