Sin City: A Dama Fatal | Crítica | Sin City: A Dame to Kill For, 2014, EUA
Sin City: A Dama Fatal, continuação do filme de 2005, é tecnicamente perfeito e acerta nas adaptações dos quadrinhos. Mas as originais deixam a desejar.
Com Mickey Rourke, Jessica Alba, Josh Brolin, Joseph Gordon-Levitt, Rosario Dawson, Eva Green, Powers Boothe, Dennis Haysbert, Ray Liotta, Jaime King, Christopher Lloyd, Christopher Meloni, Juno Temple, Bruce Willis e Lady Gaga. Roteirizado por Frank Miller, baseado na própria obra. Dirigido por Frank Miller e Robert Rodriguez.
Desde os quadrinhos que admiro a coragem de Frank Miller em Sin City. E quando a adaptação passou para as telas no filme de 2005, aquela violência que fazia parte do universo torpe da cidade de Basin se manteve, reafirmando a coragem do autor ao manter o ar original de sua obra, mesmo que isso comercialmente fosse perigoso, pois a censura seria alta. Nove anos se passaram, e em Sin City – A Dama Fatal a proposta se manteve. Não é tão marcante quanto à produção anterior, mas esse neo-noir melhorou em estética e nos efeitos especiais e trouxe de volta personagens marcantes.
Divido em quatro segmentos que coexistem, mas que não se interferem, o filme é tanto um prequel quanto uma sequência dos fatos vistos em 2005. Em Apenas Outra Noite de Sábado, Marv (Rourke) vai à caça de uns adolescentes problemáticos sem saber exatamente por que; em A Longa Noite, Jhonny (Gordon-Levitt) chegam a Basin para quebrar a banca de pôquer local; em A Dama Fatal, Dwight (Brolin) reencontra a lindíssima Ava (Green), que está em busca de ajuda para se livrar do marido abusivo; e em A Última Dança de Nancy (Alba), a dançarina está perdida por causa da morte de John Hartigan (Willis) e busca se vingar do Senador Roark (Boothe).
A história dá um justo destaque à Marv, de longe o personagem mais interessante das tramas, ao coloca-lo num conto curto onde ele é o protagonista – e lhe dando mais tempo de tela duas outras histórias, sendo tanto parceiro de Dwight quanto de Nancy –, onde o brutamonte pode exercer toda a sua persona do Bom Caótico. Ele pode ser feio, violento e alcóolatra, mas não se importa o que os outros pensam dele, ao mesmo tempo em que pode ser benevolente. Impossível não gostar dele do modo que é apresentado por Miller e Rodriguez quando ele salva – do seu jeito – um morador de rua de ser queimado vivo por um bando de adolescentes. Nós não sabemos o que aconteceu para Marv estar machucado no meio da rua e, numa sacada genial, ele também não sabe. Aos poucos, o personagem vai se lembrando junto da audiência. Ótima maneira de identificar o público com alguém que, moralmente falando, não é um exemplo a ser seguido.
Em segundo lugar, Dwight aparece como um personagem com síndrome de Dr Jekyll e Sr Hyde, uma dualidade que já vimos em outros personagens. As melhores linhas de diálogo são desse personagem, simplesmente louco por Ava. E quem não ficaria? O mundo dele também é violento, mas assombrado por esse personagem de olhos verdes profundos e penetrantes – algumas cores destacadas – e dona de um corpo perfeito. Dwight, assim como outros homens idiotas, se deixam levar por essa personagem que é quase uma deusa para eles.
Miller e Rodriguez praticamente usam a HQ como storyboard do filme, então, os planos significantes saíram antes da mente de Miller. Tanto que Rodriguez se coloca como “filmador e montador”, ao invés de se creditar como diretor propriamente falando. Cenas como Dwight subjugado e ajoelhado aos pés de Ava num ângulo incomodamente inclinado, ou as silhuetas dos dois enquanto transam são tão plasticamente incríveis que não houve necessidade de mudar de uma mídia para a outra. Isso é muito significativo, pois existem casos que isso não funciona – do livro para cinema ou para a TV –, mas em Sin City, esses elementos foram pensados de maneira universal, o que fez o passo de uma mídia para a outra ser suave. Quem é fã, não sente falta da estética, e quem não é, gosta de como o esquema de cores.
As duas histórias criadas para o filme – dos personagens Jhonny e Nancy – são originais, e não baseadas nas HQs de Miller. E ambas tem problemas. Não é a montagem que prejudica o andamento. Ao contrário, ela nos deixa mais apreensivos para saber o resultado. É uma tática inteligente, mas usada nas histórias erradas. Seria muito mais proveitoso usar o esquema na história que dá nome ao título – e ao não fazer isso, Miller e Rodriguez depreciam o próprio conto dito principal. Mercadologicamente, é compreensível que a trama feche com os pesos de Bruce Willis e Jessica Alba, mas num filme que já tem censura 18 anos, essa é uma solução desnecessária, pois o nome dos dois já estampa o pôster. Por exemplo, o confronto entre Marv e Manute (Haysbert) é preferível ao resultado do jogo de Jhonny ou da decisão de Nancy.
Jhonny não é um personagem carismático, e sua motivação é autodestrutiva demais numa cidade que ele sabia que só poderia haver um resultado. Ganhar de Roark com certeza iria humilhar o Senador, mas isso não tem um resultado prático. Se, de alguma maneira, isso se encaixasse nos planos de vingança de Nancy, a existência do personagem seria justificada. Melhor ainda seria se fosse uma história totalmente à parte, mostrando um lado de Basin que ainda não conhecemos. A história conta com uma participação apagada de Lady Gaga – irreconhecível por sua normalidade – e de Christopher Lloyd, quase um alívio cômico.
Ainda assim, é o arco de Nancy que mais incomoda. Esse filme não precisava do retorno de Hartigan. Pelo menos não do jeito que é: um fantasma. Apesar do figurino do personagem funcionar, com roupas desgastadas e marcas de bala onde levou os tiros no filme anterior, essa abordagem trai toda a mitologia de Sin City, um lugar real e sujo, onde o bem dificilmente prevalece. E é praticamente imperdoável a participação ativa de Hartigan no desfecho. Sem falar da providência que são as armas que Marv e Nancy precisam para a investida contra Roark, que praticamente caem do céu. Um atalho bem cretino do roteiro.
Além disso, a história parece ter um erro cronológico. O conto de Marv em Sin City: A Cidade do Pecado (Sin City, 2005, Dir Frank Miller e Robert Rodriguez) acontece depois da morte de Hartigan (como podemos ver pela placa da cidade que aos poucos vai perdendo a parte onde se lê “BA”, ficando apenas “SIN”). No entanto, quando Goldie (King) vai buscar a proteção de Marv, Nancy está bem no palco e sem cicatrizes. Faltou um esmero para ligar essas histórias. Outra coisa que se perdeu foi o uso do vermelho no sangue. Enquanto no primeiro filme quem sangra é o personagem importante ou aquele inocente, nessa produção isso se perde em determinado momento, e até vilões se banham com a cor. E é uma pena que Clive Owen não reprisou o papel do novo Dwight por problemas de agenda.
Sin City – A Dama Fatal é, tecnicamente, um filme espetacular. O 3D funciona na maior parte do tempo, principalmente no arco solo de Marv – com pulos, e a lembrança dele invadido seu espaço – e no de Dwight, usando com sabedoria a grande profundidade de campo. É estranho ver que a história de Nancy não usa desse recurso, apostando mais de uma vez no rack focus – desfocando sem trocar a câmera o assunto na tela. Isso aconteceu, provavelmente, porque os dois diretores que não acertaram esses detalhes na produção. O maior tempo de tela para Nancy não é justificado e tirar o foco da história principal enfraquece o resultado. Uma pena, porque esperamos tanto por uma continuação digna do original. Em algum tipo de Director’s Cut, poderemos tirar essa gordura e ter um filme enxuto, mas eficiente.
Veja o trailer Sin City – A Dama Fatal
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