O Homem Duplicado | Crítica | Enemy, 2014, Canadá-Espanha
O Homem Duplicado, adaptando Saramago, apresenta um thriller cheio de tensão e estranhamente sedutor.
Com Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Isabella Rossellini, Sarah Gadon. Roteirizado por Javier Gullón, baseado no romance de José Saramago. Dirigido por Denis Villeneuve (Os Suspeitos).
A vida não é fácil. E já que a vida imita a arte, encontramos também obras difíceis de destrinchar, o que torna a tarefa mais interessante e desafiadora. Assim é O Homem Duplicado, onde Denis Villeneuve, adaptando Saramago, apresenta um thriller cheio de tensão e estranhamente sedutor, e se firma como um excelente diretor. E de quebra, confirma que Jake Gyllenhaal nasceu para o ofício.
Adam Bell (Gyllenhaal) é um professor de história que descobre, assistindo à um filme, que tem um sósia idêntico chamado Anthony Saint Claire. Decido à descobrir que é o ator, Adam começa a seguir os passos do seu doppelganger e entra numa espiral onde há mais perguntas que respostas.
O filme abre como a frase “o caos é uma ordem por decifrar”. E essa história está repleta de imagens, signos e metáforas para serem discutidas, e é isso é fascinante. O filme é tenso, e muito, desde o início, onde a música composta por Daniel Bensi e Saunder Jurriaans com violinos parecem agulhas penetrando dolorosamente em nossas cabeças. A cena por si só já é incômoda, por causa da fotografia densa, e da mistura de fetichismo, voyeurismo e crueldade. E o foco nas mãos do homem, até então sem nome, levam à nos questionar na cena seguinte porque ele está sem a aliança. A tensão é tão tátil, que há uma tentação de querer jogar tudo fora, parar com aquela experiência. Mas os elementos que Villeneuve e Gullón colocam em cena são tão atraentes quanto repulsivas.
Junto de Villeneuve, o diretor de fotografia Nicolas Bolduc mostra a vida do professor – até o fim do primeiro arco sem nome – com toques muitos tristes: uma pálido amarelo, luzes baixas e muitas sombras são uma constante na vida dele. O figurino reflete isso, pois vemos que ele não deixa de lado o seu visual puído, no mesmo terno, mesma gravata, mesmo tudo. Uma repetição que até a namorada Mary (Laurent) faz sempre que o deixa sozinho à noite por algum motivo não explicado. Ele está preso em um ditadura, como o próprio explica para seus alunos, fadado a ser a mesma coisa vez atrás de outra. Uma cultura de pão e circo que não permite que ele veja além daquele apartamento.
O professor é, de fato, invisível. Não tem um nome por praticamente um terço do filme, e seus alunos não se dirigem à ele. E é por pena que um outro professor sugere que ele vá ao cinema, ou que veja um filme em casa pelo menos. Ele diz “eu quero ver algo alegre”, como se fosse um pedido de socorro para tirá-lo daquele marasmo, daquela paleta amarela arenosa, para um sorriso que seja. É ainda mais triste quando percebemos que até o mensageiro do hotel ganha um nome enquanto o protagonista ainda não tem. Até o ator de terceira linha – Anthony – tem nome, enquanto só descobrimos que o professor se chama Adam Bell quando os dois conseguem se falar.
É aqui que a história ganha novos rumos. O espectador começa a se questionar se a situação toda é loucura ou realidade com uma explicação lógica para tudo. Adam e Anthony são dois exatos no físico: mesma cor de olhos, cabelos, barba. Suas personalidades, porém, diferem. Há um certo pânico em Adam, enquanto Anthony parece lidar ligeiramente melhor com o cenário e é mais ousado – percebidos no jeito de vestir, por pilotar uma motocicleta; um é mais covarde, enquanto o outro tem traços de um psicopata.
Abrem-se dois paralelos na história. O que vemos pode ser verdade ou esquizofrenia, e o mais interessante é que uma coisa não anula necessariamente a outra. Mas até onde uma pessoa conhece a outra? Ou a si mesma? Helen (Gadon), esposa de Anthony, eventualmente vai atrás de Adam, e fica chocada com a semelhança do marido com o professor. Parece que temos a confirmação que são duas pessoas diferentes, mas o diálogo a seguir tem um tom que coloca mais dúvidas. Seguindo a fotografia, os elementos que vão sendo adicionados não jogam luz nenhuma na trama.
Filosoficamente falando, existe uma terceira – ou mais ainda – pergunta. O que faz uma pessoa ser única? A vida de Adam e Anthony antes era comum, e ambos se veem num mundo quase de fantasia. E os elementos em volta dos dois reforçam que alguma coisa não está certa naquele mundo que compartilham. Isso acontece tanto nos elementos fantásticos – por exemplo no sonho em que aparece uma mulher com cabeça de aranha – e nos reais – quando percebemos que na região onde Anthony mora existem prédios duplos com uma arquitetura singular. E há uma fala da mãe de Adam aqui, a reação da namorada ali, e uma foto que parece ser a resposta para a trama. Se você acha que existe essa necessidade. Ainda assim, não será preto no branco.
Além da fotografia, a montagem precisa ser elogiada. Os momentos em que os iguais dividem a tela são coesas e reforçam a dúvida imposta ao espectador. A cena em que a câmera sai do espelho, vai em direção à Anthony e depois à Adam, além de ser plasticamente bela, aponta um caminho para o trama: de que aquilo é um estado esquizofrênico. Mas, de novo e sem problema em se repetir, pode mostrar exatamente o contrário.
O Homem Duplicado carrega uma sensação de tragédia constante, mas é difícil prever de que lado e como virá. Sem dúvidas, o filme será mais lembrado pela cena final. Para qualquer um será uma surpresa o que encontramos no quarto quando o personagem dobra a esquina. Para ele, nem tanto. A reação que vem num gesto de um simples suspiro não carrega surpresa. Apenas afirma que ele entendeu tudo que estava passando até ali, um gatilho acionado por algum deslize. Talvez não seja a resposta que você esteja procurando nessa crítica. Mas é a que posso lhe dar no momento. Diferente de tantas outras obras mastigadas, esse é um filme que fomentará muita discussão. E Villeneuve foi extremamente feliz nisso.
Veja abaixo o trailer legendado de O Homem Duplicado:
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