O Amante Duplo | Crítica | L’Amant double, 2017
- TIAGO
- 22 de junho de 2018
- 7/10, cinema francês, Críticas
- 0
- 2365
Ozon desfia o espectador em O Amante Duplo, nos jogando certezas para depois toma-las, enquanto nos coloca dentro da mente de alguém que grita por ajuda.
Entrar num filme de Ozon é um misto de experiências. Algumas incomodam, outras fazem querer entender o que está acontecendo afinal de contas, mas não passam sem nos afetar de alguma maneira. Essa sensação é algo presente praticamente do começo ao fim de O Amante Duplo, um filme que consegue te levar de certezas à incertas, de risos ao pânico, como se viajássemos pela mente de uma pessoa que precisa de ajuda, acima de tudo – e como alguém, mesmo dizendo que diz amar, pode perturbar uma vida. Essa é uma produção difícil de ser assimilada, tem ecos em outras obras e seria bom ter um psicanalista do lado para comentar, o que pode fazer, pelo menos inicialmente, afastar obra do espectador.
Desde o começo, Ozon nos convida para entrar na mente da protagonista, Chloe (Vacth). Primeiro por uma mudança no visual da personagem, olhando para nós e depois por uma cena polêmica. Com um corte, vemos a vagina da personagem num close, durante um exame ginecológico. Assim como grande parte do filme, é uma cena incômoda – principalmente para mulheres –, reforçando que iremos passear dentro da personagem. Exagerado, mas vale a pena tentar destrinchar essa cena em especial. Como esse é uma produção com muitas cenas de sexo, essa aproximação em especial passa a mensagem de que, apesar disso, o clima dessas cenas será de anti-erotismo. A questão é a maneira que o diretor escolheu fazer essa aproximação.
E para entrar na psique de Chloe, precisamos ouvi-la, o que Paul (Renier) se dispõe a fazer, começando a tratar das aflições da paciente. Mas desde cedo, ele deseja se aproximar fisicamente de Chloe, uma vontade expressada pela montagem, sobrepondo quadros do filme. Ainda preso pela ética, Paul mantem a distância e só se permite tocar a paciente quando não consegue mais separar o pessoal do profissional, abrindo aqui uma questão ética. Fica um questionamento no ar, que mesmo dispensando a protagonista da análise profissional, ela estava frágil, precisando de ajuda e não de um namorado (pelo menos não o seu terapeuta) – e sabemos que sempre há consequências quando quebramos regras.
Por um momento naquela vida apagada, Chloe se sente bem. Se antes Ozon mostrava a personagem com roupas escuras num fundo escuro, portanto apagada, agora mais confiante, ela se destaca quando é mostrada em fundos brancos – uma cor que ainda vai ter outra função na narrativa. Mas assim como um machucado basta uma coceira para abrir de novo, as preocupações voltam à mente de Chloe por causa de segredos que o agora namorado esconde e ao acreditar ter visto Paul conversando com uma estranha na rua. Inquieta como qualquer um ficaria, ela conhece Louis (Renier), gêmeo de Paul. Diferente do irmão, ele é mais formal, frio – elementos que vemos pelo consultório – e até violento, mas também é um psicanalista.
A verdade é que muita gente se intromete na vida de Chloe: a vizinha, a presença não-física da mãe, e agora Louis que, por falta de definição melhor, é um cretino. A intromissão se torna inquietação, que se torna dor e depois um desespero que a joga nos braços do manipulativo gêmeo. A partir desse momento da história é que começamos a prestar mais atenções nos signos em volta, uma construção de cenário que fazem parte da história e da narrativa. Isso representa o interior de Chloe – algo não foi ajustado ali e a virada, suspeita e investigação farão a personagem duvidar da própria sanidade.
Podemos perceber elementos como um espelho rachado, uma casa simétrica, o quarto de Louis ser adjacente ao seu consultório – como se ele misturasse o profissional com o particular – informações escondidas da plateia que representam o que se passa na mente da personagem e uma imensidão branca e amplos espaços que reforçam o isolamento de Chloe, onde a cor entra dessa vez remetendo ao seu estado mental. A própria cena que ela troca de cadeira com Louis e ali começa a analisa-lo é cheia de simbolismos, como se ela encarasse o espelho de si mesma, uma tentativa de colocar as coisas em linha e entender a própria alma.
Podemos dizer que sair de O Amante Duplo é uma experiência. Pode ser estranha ou recompensadora, depende de como absorvemos a mensagem – mas é algo difícil de passar. Entre certezas e incertezas, duvidas de quem somos e como nossas relações nos moldam, inclusive subvertendo o conceito de família, essa é uma produção que pode ser discutida por muito tempo, provavelmente com interpretações tão distintas quanto quem participar das discussões. Ozon nos deixa com aquela sensação de coceira, mesmo dando respostas para o seu intrigante quebra-cabeças, algo que nem todos os cineastas conseguem.
Elenco
Marine Vacth
Jérémie Renier
Jacqueline Bisset
Direção
François Ozon
Roteiro
François Ozon
Baseado em
Lives of the Twins (Joyce Carol Oates)
Fotografia
Manuel Dacosse
Trilha Sonora
Philippe Rombi
Montagem
Laure Gardette
País
Bélgica
França
Distribuição
California Filmes
Duração
107 minutos
Chloé acredita que as dores que tem no estômago são de origem psicológica, por isso procura a ajuda de Paul. Depois do tratamento, eles se tornam amantes. Mas quando as dores voltam, ela resolve se tratar com outro profissional: Louis, o irmão gêmeo de Paul, desconhecido para ela até então.
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema
• Assine a nossa newsletter!
Apoie o nosso trabalho!
Compartilhe!
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para imprimir(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
- Mais