Eternos (Eternals, 2021) • Crítica
Depois de 26 filmes no UCM, Eternos traz discussões e cenas que até agora não vimos em produções da Marvel no cinema. E nos quesitos técnicos – montagem, cenas de ação, efeitos especiais – o estúdio continua se mantendo bem. O mesmo não pode se dizer de algumas atuações, mas é compreensível num plantel tão inchado, onde alguns personagens engolem outros. O grande problema do filme é a época que aparece, o que não quer dizer que se a produção tivesse aparecido dez anos antes seria melhor. A questão mesmo é o conceito. Os seres ultrapoderosos são parte de um passado preconceituoso que já deveria ter sido abandonado, ainda que haja desenvolvimentos importantes.
É preciso dar o braço a torcer ao mesmo tempo que eu o tomo de volta. A escolha dos Eternos é bem representativa, isso é óbvio. Com exceção dos padrões branco/europeu de Ikaris (Madden) e Thena (Jolie) como os membros mais poderoso – num paralelo com Superman e a Mulher Maravilha – e Druig (Keoghan), o time tem como líderes num segundo momento Sersi (Chan, de pais nascidos em Hong Kong) com seus olhos puxados e antes Ajak (Hayek, mexicana) com traços latinos. Soma-se Phastos (Henry) com um sobrepeso pouco típico de super-herois, Gilgamesh (Lee, com ascendência coreana) e Kingo (Nanjiani, de ascendência paquistanesa) com traços nada hollywoodianos; e em especial Makkari (Ridlof) sendo surda; uma produção seja marcante no quesito representatividade – pena que demorou tanto tempo.
Deixando de lado a celeuma que foram as críticas infundadas de um ser perfeito ser surdo, há problemas no próprio cerne dos Eternos em si. Toda a existência dos personagens tem um pé em “Eram os Deuses Astronautas”, de Erich von Däniken. Há todo um discurso de que os humanos teriam que evoluir em seu próprio caminho, mas simples presença desses seres quase divinos tem o mesmo problema do livro de Däniken. Mesmo uma ajuda pequena é uma ajuda. Por isso que o filme é ultrapassado, por pegar carona numa ideia de que alguns acreditam ser verdade, de que a população original desse planeta não iria para frente sem ajuda de uma raça mais avançada. E por população original, sim, quer-se dizer a África.
O que é uma contradição em si, maior até do que termos Duende (McHugh) como uma eterna criança sem que ela fosse propriamente uma – quase uma vampira saída dos livros de Anne Rice. Ou ainda uma personagem tão poderosa quanto Thena ter que ser protegida por Gilgamesh sem nem um pio de reprovação da personagem. É verdade que a regressão (ou perdição) da personagem que, naquele universo, inspirou a deusa Athena merecia atenção especial de alguém para que não se tornasse potencialmente um perigo, mas para um filme que prega tanto pela diversidade e força das mulheres no elenco, merecia um pouco mais de carinho nesse quesito.
Porém, é bom notar que algumas coisas mudaram nesse universo que já está bem inchado. Além da questão de representatividade racial, e salvo engano, é a primeira vez que temos uma cena de sexo num filme da Marvel – todos os relacionamentos até agora foram bem pudicos, no máximo vemos alguns personagens sem camisa –, como também é a primeira vez que há um personagem abertamente homossexual (ou pelo menos não heterossexual) com peso importante. Claro que não dentro de certos limites: Sersi e Ikaris transam numa fotografia bem escura e Phastos e seu esposo não trocam um carinho sequer. É bom sim, mas já passou da hora da Marvel dar passos de bebê nesses assuntos.
Partindo para o grande desenho das coisas, o plano do vilão é o mesmo de tantos outros – destruir o mundo por um motivo que lhe é conveniente, junto de um assecla que se vê de longe. Apesar de Zhao ser bem feliz na montagem, usando flashbacks para mostrar onde cada um dos personagens tomou caminhos diferentes, como se se lembram dos motivos naquele momento propício, a nada surpreendente virada é entregue cedo demais. Manter a opção de mostrar a lembrança que muda tudo num momento mais tarde faria mais sentido.
Ainda assim, a diretora acerta conceitualmente em outros bons momentos, em especial na presença de Arishem (Kaye). Notem como ele se mostra na primeira vez: imponente, tão grande que não podemos vê-lo completamente na tela. Em oposição quando revela seu plano para Sersi, onde então conhecemos seu plano e sua figura total, ainda gigantesca. Zhao também acerta na reação de Dane (Harington) quando descobre a capacidade dos poderes de Sersi. Podemos até estranhar que ele leva na esportiva a mudança, mas para quem já viu o mundo passar por invasões alienígenas e ver metade do universo desaparecer, namorar um ser com a habilidade de transformar matérias com um toque, não parece tão improvável.
Ainda que tenha bons momentos, é muito difícil engolir que seres como os Eternos se condicionassem ao mundo humano sem pertencerem a ele – como ter que se mudar de lugar a cada cinco anos, ainda que Kingo tenha encontrado uma maneira muito criativa de se manter em cena, duplo sentindo intencional. Ou como seres com a experiência que tem ficarem aguardando pacientemente ordens superiores por cinco milênios. Poderíamos argumentar que seres tão superiores nunca ficam entediados, mas não é o que Makkari, por exemplo, aparenta quando é encontrada. Ou ainda a frustração sexual de Duende.
Mais uma vez lembrando da importância da questão histórica, é bem triste – para não dizer covarde e problemático – Phastos se culpar pela explosão da bomba atômica na Segunda Guerra Mundial, como se passasse pano para os verdadeiros culpados pela morte de 140 mil pessoas. Então, é Hollywood sendo Hollywood. Ou melhor, EUA sendo os EUA. Percebam como nem num filme de ficção é permitida a tal autocrítica. Isso sim seria demais para os padrões de uma indústria que basicamente faz filmes e mais filmes sobre alistamento militar – e este é outro exemplo disso.
Pode ser que Zhao não tenha notado isso, afinal o UCM é mais a visão de Kevin Feige do que a dos diretores individualmente, ou talvez tenha aceitado esse papel. A questão é que Eternos não falha por sua representativade, a solução piegas – que mesmo com essa característica é a primeira vez que é usada num filme da Marvel – ou pelas suas novidades, como a cena de sexo e no suicídio que acontece. Mas é porque os personagens têm um fundamento errado. Qualquer filme Marvel que não dar bilhão na bilheteria, ou perto disso, é considerado um fracasso para a empresa. Isso faz com que alguns caminhos fáceis sejam trilhados. E considerando o barulho que fez numa sociedade ainda bem conservadora, fica o receio de que as coisas boas sejam abandonadas em prováveis sequências.
E, como de costume, não saia até o fim dos créditos.
Ficha técnica
Elenco
Salma Hayek (Ajak)
Gemma Chan (Sersi)
Angelina Jolie (Thena)
Richard Madden (Ikaris)
Lauren Ridloff (Makkari)
Kumail Nanjiani (Kingo)
Don Lee (Gilgamesh)
Lia McHugh (Duende)
Brian Tyree Henry (Phastos)
Barry Keoghan (Druig)
Equipe
Chloé Zhao (Direção)
Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo, Kaz Firpo (Roteiro)
Ben Davis (Fotografia)
Craig Wood, Dylan Tichenor (Montagem)
Ramin Djawadi (Trilha Sonora)
Marvel Studios (Produtora)
Walt Disney Studios Motion Pictures (Distribuidora)