Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa | Crítica | Birds of Prey (and the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn), 2020
Recheado de caos e cores, Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa é um conto muito particular uma personagem única - e que traz consigo um discurso importante.
Para quem reclamava da falta de cores no Universo Estendido DC, não terá o que desaprovar depois da sessão de Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa – e um pouco mais. Um filme desses acaba se valendo de uma catarse, onde explosões de todos os tipos, muita violência e diversão podem mascarar um roteiro fraco. Felizmente, não é o caso. Cathy Yan usa esses elementos a seu favor, sem dúvidas. Porém, a diretora não esconde questões importantes como protagonismo feminino, misoginia, sexismo e tantas outras dores particulares às mulheres. Ao fazer isso, ela passa um recado azeitado com alguns merecidos chutes nos testículos de uma sociedade machista.
O principal ponto que pode afastar, talvez até irritar parte do público, é a narrativa um tanto caótica que Yan dá ao filme. Se a protagonista fosse outra além de Harley Quinn/Arlequina (Robbie) essa reclamação faria mais sentido – o que não quer dizer que tenha alguma lógica. Sendo essa personagem meio amalucada a nossa protagonista, parece justo que a sua história seja contada dessa maneira, indo e voltando quando Harley se lembra de algum detalhe, algo que quase perdoa as narrações off, que nos cansam depois de alguns minutos. Essa história é uma visão muito específica de uma personagem cheia de idiossincrasias.
Tais particularidades fazem momentos como a explosão numa indústria de químicos ser colorida, quando a realidade é mais próxima do que a Detetive Renne Montoya (Perez), ou Harley escolher uma hiena para ser seu animal são parte de uma surrealidade que ainda não tínhamos visto nos outros filmes do Universo Estendido DC, com direito a personagem quebrar a quarta parede. Aqui, piadas são esperadas e bem-vindas, diferente se o Homem-Morcego fosse o personagem principal – do Batman, esperamos, no máximo, um sorriso de canto de boca. Há uma grande liberdade em trabalhar com personagens assim, e Yan aproveita muito bem isso.
Entre esses elementos estéticos, incluindo aí a violência – ossos quebrando, tiros na cabeça e flechas no pescoço são constantes -, há um discurso que merece destaque. Tanto Harley quanto Renne, Dinah Lance/Canário Negro (Smollett-Bell) e Helena Bertinelle/Caçadora (Winstead) são jogadas à sobra de outro homem: seja o Coringa, um colega levando crédito que não devia, Roman Sionis/Máscara Negra (McGregor) ou um conhecido assassino da máfia. Pode parecer óbvio, mas mesmo essa obviedade precisa se apontada. A história também é uma luta contra uma sociedade essencialmente patriarcal.
Mas há um conflito desse ser tanto um filme de origens quanto um solo da Arlequina. Aquele incomodo comentado no segundo parágrafo é verdade aqui. Quando Harley conta as histórias das outras mulheres, há uma quebra que se torna uma segurança da personagem. Sabemos que ela está lá na “não-cena-pós-créditos” rindo da gente, numa dessas mágicas do cinema. Isso não quer dizer que é uma falha, só a maneira que é feita que é um tanto desonesta, pois Harley conta a história às vezes sabendo o desfecho, outras vezes, não. Por outro, podemos deixar isso pela já citada característica não-linear de Harley.
É importante destacar o papel dos homens na trama – melhor ainda, escancarar o que convencionamos a chamar de masculinidade tóxica. Temos o mais óbvio, a relação abusiva entre o Coringa com Harley, de Roman com Dinah, e de Montaya com praticamente toda a força policial que a silencia apesar de todas as provas que ela tem contra o Máscara Negra. Então, cada explosão, desobediência e chute no meio das pernas é um ato mais de justiça do que vingança. Até mesmo os roubos de Cassandra Cain (Basco) são um tipo de fugas da injustiça. Vejamos a cena onde Harley encontra a criança num bloco cheio de homens e isso é outra mensagem: devemos nos perguntar que sistema permite isso.
De certa maneira, a escolha de Dinah como uma das personagens tem algo de interessante, um elemento que transcende o fato de a personagem também fazer parte dos quadrinhos. O poder do grito não é apenas um poder, mas uma revolta. Por isso ela usa apenas quando acuada, num momento de desespero e para ajudar Arlequina e as outras – e quando se sentiu segura com elas. Mais curioso é a figura de Zsasz (Mess) como um Grilo Falante às avessas e como isso se opõe a Dinah – ele é uma voz que incentiva a mente doentia de Roman, mas suave, quase um sussurro. Então é sim uma guerra – uma que as mais improvavéis mulheres de passados e (des)virtudes tem que se unir, mesmo que seja pra descer a mão.
Felizmente, a história não segue o caminho mais fácil. Yan usa violência, drogas e umas leves insinuações sensuais – mas nunca sexualizando suas personagens – para entregar um filme diferente do que estamos acostumados no DCU. Essa é uma história de personagens que precisam se adaptar as adversidades, seja de maneira simbólica, com Harley andando com apenas um sapato, ou com Dinah deixando de ser a canário de Roman para ser sua motorista. E são alguns detalhes que nos conquistam: por exemplo, em que filme não dirigido por uma mulher teríamos uma cena de uma personagem oferecendo para outra um elástico de cabelo numa hora de necessidade?
Apesar das referências aos outros filmes, Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa consegue andar com suas pernas – enquanto quebra outras. Você vai encontrar por aí uma série de palavras elogiosas, ou nem tanto, para definir a produção, e isso é bem injusto. O que não quer dizer que essa seja uma produção que vai mudar a sua vida, o cinema ou mesmo os filmes de herói. Ao mesmo tempo, não é uma produção que merece seu desdém. E que seja um marco na diversidade que tanto precisamos: todos merecemos um pouco mais de cor na vida.
Elenco
Margot Robbie
Mary Elizabeth Winstead
Jurnee Smollett-Bell
Rosie Perez
Chris Messina
Ella Jay Basco
Ali Wong
Ewan McGregor
Direção
Cathy Yan
Roteiro
Christina Hodson
Baseado em
Aves de Rapina (Jordan B. Gorfinkel, Chuck Dixon) e Arlequina (Paul Dini, Bruce Timm)
Fotografia
Matthew Libatique
Trilha Sonora
Daniel Pemberton
Montagem
Jay Cassidy
Evan Schiff
País
Estados Unidos
Distribuição
Warner Bros Pictures
Duração
109 minutos
Data de estreia
06/fev/2020
Cena Extra
Depois de terminar com o Coringa, e com isso sair de um relacionamento abusivo, Arlequina precisa ganhar o respeito do submundo de Gotham por si própria. O problema é que a personalidade caótica de Harley Quinn vai atrair tanto atenção do crime quanto da lei.
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