Zama | Crítica | Zama, 2017
- TIAGO
- 6 de abril de 2018
- 7/10, cinema argentino
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Zama é uma lembrança de um período onde as coisas aconteciam mais devagar, mas que mesmo assim tem uma semelhança com os dias de hoje.
A coisa mais marcante em Zama é a maneira que Martel usa o tempo como narrativa, pois, de certa maneira, essa é uma produção incômoda de ser assistida. Levando ao extremo a questão de cinema de época, a diretora não faz isso apenas por meio de figurinos, da fotografia pálida em lugares sem luz natural e nos diálogos – ela faz isso também por meio da montagem, emulando um cinema mais próximo do começo do século passado, investindo em menos cortes e tomadas mais longas. Essa monotonia é problemática de encarar, sem dúvidas. Porém, se levarmos em conta que a intenção da história é passar o que o protagonista esquecido está passando, podemos encarar a situação com outros olhos.
Nesse lugar de mistura de crenças, o tempo que demora para passar e com grandes períodos de ócio, Zama (Cacho) vive dessa maneira: tentando se desvencilhar desse lugar que suga seu espírito, se segurando na esperança que a Coroa Espanhola o tirará de lá por seus serviços prestados. Apesar de sua posição mais privilegiada, é bem fácil se identificar com o protagonista, um funcionário público que tem que esperar a boa vontade de homens mais poderosos, que nos seus cargos apenas enriquecem e engordam, além de levar espólios da própria administração. E, como podemos conferir mesmo hoje, se você não se dobrar a certos caprichos, a tendência é ser deixado cada vez mais de lado.
Entre retratos de poder e dominância, Zama escreve cartas que nunca são respondidas, perde disputas por carinhos de mulheres que deseja e ainda tem que viver à sombra do fantasma de um tal Vicuña Porto, um personagem que juram estar morto, mas que ainda assim invade a casa de jovens para violenta-las. Esse mundo esquecido, tanto quanto o próprio Zama vai se tornando, é um retrato da América espanhola que, assim como a portuguesa, é um mar de corrupção. Um lugar com estranhezas peculiares, que cada vez mais puxa o protagonista para dentro de si, o que dá ao filme, em alguns momentos, ares de terror. Por exemplo, quando Zama é forçado para se mudar por causa de seus vencimentos atrasados – um lugar onde sombras se movem e riem de seu infortúnio.
O personagem, sempre servindo à Coroa, lembra uma frase conhecida, “o patriotismo é o último refúgio de um canalha”. Esse esforço todo não dá frutos ao oficial, assistindo todo um futuro infrutífero e ligado a esse poder além-mar. Descartado como alguém com uma doença contagiosa – e perseguido pelas sombras, seja na construção da fotografia ou quando uma enfermidade o acomete – Zama se encontra numa situação de ter de perseguir o fantasma que assolou a cidade-colônia. Como um novo Conquistador, porém muito acabado com o passar dos anos, a luta se torna a última tentativa desesperada de uma entidade que foi só promessas.
Por um momento, somos levados a crer que Zama tem algo de especial, algo evocado nas palavras de um jovem, rasgando elogios ao funcionário, algo que chama nos chama a atenção pela inserção de uma dissonante trilha sonora, pois esse elemento praticamente não é usado pela diretora, deixando a trama o mais natural possível. Porém, pelo alto nível humano dessa produção, as palavras são tão vazias quanto a boa-vontade dos políticos Zama serve. O que faz um paralelo inclusive conosco, que em certos momentos nos achamos merecedores de todo o tipo de favor, especiais ao ponto do universo se voltar para nós – mas dolorosamente descobrimos que nada conspira ao nosso favor, uma sensação que para Zama vem junto da morte.
E podemos perceber que Zama é um lutador, mas um que não logra sucesso. Seja contra seu poderoso senhor ou contra a ameaça da personificação de um monstro como Vicuña Porto, é uma batalha contra algo mais forte, situações que ao invés de salvar o protagonista, o arrastam mais ainda para o interior, mesmo tentando desesperadamente sair de lá – uma desventura que o deixa sem forças, algo exprimido figurativamente nos momentos finais, numa estado letárgico que deixa uma pergunta interessante no ar: “você quer viver?”, pergunta um jovem índio à Zama. Ao não dar uma resposta, Martel a deixa para o público, que poderá fazer seu próprio julgamento.
Elenco
Daniel Giménez Cacho
Lola Dueñas
Matheus Nachtergaele
Juan Minujín
Direção
Lucrecia Martel
Roteiro
Lucrecia Martel
Baseado em
Zama (Antonio di Benedetto)
Fotografia
Rui Poças
Montagem
Miguel Schverdfinger
Karen Harley
País
Argentina
Distribuição
The Match Factory
Duração
115 minutos
Zama aguarda a transferência de seu posto de trabalho, algo que só pode ser concedido pela coroa espanhola. Quando todos seus planos são frustrados, ele é levado a uma decisão extrema: caçar um perigoso bandido e assim cair nas graças do rei.
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