Lua de Júpiter | Crítica | Jupiter Holdja, 2017
Lua de Júpiter pode ser marcante mais pelo uso dos sutis efeitos especiais, mas que praticamente não se perde na mensagem que quer passar: o drama dos refugiados.
Se existem milagres por aí, precisamos prestar mais atenção – essa é a força-motriz em Lua de Júpiter, um filme com toques de fantástico que nas suas diretas analogias e metáforas trata da urgente questão dos refugiados. Essa abordagem faz com que o filme do diretor Kornél Mundruczó seja menos poético, mesmo quando tenta ser, e mais afirmativo na questão dessas pessoas que fogem de uma vida até mesmo confortável em busca de um sonho e de possibilidades. Aliado à um belíssimo visual, alcançado por seus efeitos visuais práticos e sutis, é um filme que caminha no limite de ser lembrado mais pela parte técnica do que pelo seu roteiro, um desafio para a nossa empatia.
Mundruczó nos coloca na vida de Aryan (Jéger) e de seu pai um tanto de supetão, mas ele é o arquétipo do refugiado que busca a Europa como um recomeço, um lugar novo que pelo menos não teriam bombas caindo na sua cabeça. Passamos de cenas muito próximas aos personagens, reforçando a sensação de aperto que eles estão, para planos sequência que passam por terra, mar e lama. Essa preferência do diretor por planos longos tem motivos que passam o estético: sevem para vermos vários rostos, e lembrarmos deles depois, e criar uma conexão com essas figuras que são recebidas à bala.
E se pararmos para prestar atenção, a primeira vez que o diretor usa cortes mais curtos é quando o Dr. Stern (Ninidze) coloca Aryan dentro do seu carro para estuda-lo. Ali, ainda não há uma conexão entre os dois, apenas um interesse entre médico e paciente – um interesse em tons de cinza, pois Stern está mais preocupado em livrar o próprio pescoço de um problema financeiro. O jovem sírio, depois de ser alvejado László (Cserhalmi), ganha – ou desperta – a habilidade de levitar, e numa situação dessas, Stern encontra um desafio: seria Aryan um anjo, ou pelo menos se seres como ele que basearam muitas escrituras sagradas? Mas, como a maioria dos seres humanos, essas questões teológicas ficam no segundo plano quando o assunto é dinheiro.
Entre ser a prova de um crime – pois os tiros poderiam ser vistos como um abuso da força policial na figura de László – e a comprovação que milagres existem, Aryan é colocado numa situação que muitos fugidos se encontram. Sem documentos, família ou dinheiro, ele é cooptado para a primeira oportunidade razoável que encontra. Essa é, provavelmente, a analogia menos clara do filme, mas não quer dizer que seja um defeito. É que ela serve para lembrarmos do caso do outro sírio que escapou da triagem graças a Ster, que também sozinho e sem apoio, é levado para o outro lado: o do terrorismo.
É que para entendermos isso é necessário um pouco mais de conhecimento do que está acontecendo no âmbito geral, algo que trespassa a crítica. É uma questão de história. Basicamente, tais pessoas abandonadas pelo sistema e pelos governos – algo que acontece tanto com Aryan quanto o terrorista que rouba sua identidade – se aglomeram em quem lhes dá apoio. Então, se imaginarmos como muitos veem essas pessoas num grande amálgama, podemos ao menos entender como alguém assim, rechaçado e espancado (ainda que só psicologicamente), vai aceitar quem lhe dê a mão – algo que grupos como o Estado Islâmico sabem muito bem como fazer.
No entanto, tudo que a maioria dessas pessoas quer são coisas simples. Começamos pelo básico de poder dormir tranquilas sem que sejam perseguidas, como acontece no único momento que Aryan tenta deitar para descansar, como desejos que não são nada extraordinários: reencontrar o pai, ter uma casa de novo ou comer batatas fritas. Essa vontade é explicitada mesmo em cenas que parecem perdidas e banais, como quando Stern faz cena num restaurante chique, exigindo ser bem atendido apesar de sua grosseria, reforçando a busca de Aryan, que nesse momento se questiona a necessidade de nós, privilegiados, precisarmos de tanto. Se realmente precisamos de vários tipos de pratos, copos e talheres para uma coisa tão básica quanto comer.
Em alguns momentos, a trama empresta temas da ficção científica, ou de filmes de super-heróis. À medida que Aryan cresce no seu poder, ele percebe que a responsabilidade aumenta proporcionalmente – a cena em que ele descobre que pode não apenas flutuar, mas manipular a realidade em volta ao girar o ambiente que está, é digno de nota. Ali ele percebe o mal que pode causar e tem seu próprio arco de redenção, um que Stern ainda está trilhando. Curioso se pararmos para notar o simbolismo disso: é quando Aryan vira as coisas de cabeça para baixo que ele muda os rumos da trama e da própria história.
Apesar de ser uma história um tanto fantástica, Mundruczó deixa os pés no chão quando é preciso. O diretor não esconde o preconceito na caçada de László, que acredita que Aryan é um terrorista por causa do passaporte perdido pelo sírio – um trabalho mal feito de investigação, calcado em estereótipos, como se roteirista/diretor dissesse que para a lei, concentrada na figura do policial, todos os árabes são igualmente potenciais terroristas. Um medo que é replicado na população menos esclarecida. E para reforçar essa seriedade nas partes politizadas, o diretor escolhe usar trilha sonora só nos momentos mágicos da trama, o que faz que foquemos atenção neles.
A analogia mais fraca de Lua de Júpiter vem das palavras de Stern, quando o médico diz que estamos olhando muito para baixo e esquecemos de olhar para cima, perdendo assim os milagres como é Aryan. Ao invés de criticar a sociedade que escolhe não olhar em volta – algo desenvolvido por China Miéville em A Cidade & A Cidade –, o diretor prefere culpar a tecnologia, pelo menos em parte, e isso enfraquece um pouco a conclusão. Porém, não suficiente para ignorarmos o resta da mensagem, a que empatia é necessária e que esse mundo pode esconder coisas maravilhosas e que podemos encontra-las em qualquer lugar – basta abrirmos os olhos.
Elenco
Zsombor Jéger
Merab Ninidze
György Cserhalmi
Mónika Balsai
Péter Haumann
Tamás Szabó Kimmel
Direção
Kornél Mundruczó (Deus Branco)
Roteiro
Kornél Mundruczó, Kata Wéber
Fotografia
Marcell Rév
Trilha Sonora
Jed Kurzel
Montagem
Dávid Jancsó
País
Alemanha
Hungria
Distribuição
Future Film
Duração
123 Minutos
Aryan é um imigrante sírio que ao ser alvejado à bala por um policial ao tentar atravessar a fronteira com a Hungria, ganha misteriosamente a habilidade de levitar. ao se encontrar num campo de refugiados, o Dr. Stern descobre Aryan e seu poder, e nele enxerga a oportunidade de enriquecer ao explorá-lo, enquanto são perseguidos pelo diretor do campo, o mesmo que atirou em Aryan.
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