A Travessia | Crítica | The Walk, 2015, EUA

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Em A Travessia Robert Zemeckis mostra sua melhor forma na técnica 3D, sem deixar de lado contar uma boa história. Leia a crítica!

A Travessia

Com Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley, Charlotte Le Bon, James Badge Dale. Roteirizado por Robert Zemeckis e  Christopher Browne, baseado no livro de Philippe Petit. Dirigido por Robert Zemeckis (De Volta Para o Futuro).

8/10 - "tem um Tigre no cinema"Temas como dominar o próprio medo, sempre ir à frente e desafiar-se são bem comuns em todo o tipo de narrativa. Robert Zemeckis é competente ao contar essa história misturando fatos e poesia, além de prender a audiência por um fio, até mesmo para aqueles que já conhecem a história desse audacioso equilibrista. Embalado por qualidades técnicas como a montagem, o uso funcional do 3D e a fotografia, A Travessia é uma divertida produção que pode tanto ser apreciada por suas qualidades narrativas e visuais – algo que o documentário deixa para a nossa imaginação – quanto por sua mensagem de superação.

Philippe (Gordon-Levitt) conta sua história em tons quase quixotescos. A comparação não é exagerada visto que qualquer um, em seu juízo perfeito, demoraria alguns poucos segundos para taxa-lo de louco. É como na história de Cervantes, as torres gêmeas do World Trade Center têm tanta personalidade quanto os moinhos de vento. Percebemos que elas não são apenas um objeto de desejo de um maluco. No universo fílmico, Zemeckis as tornam antagonistas do equilibrista, algo tão impossível de ser vencido quanto as do homem da Mancha. Diferentemente dos semideuses que vemos na avalanche recente no cinema, o nosso protagonista é humanizado por um elemento básico da nossa natureza: o medo que precisa ser encarado.

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Na sua narração, que é válida na maioria das vezes, mas que encontra alguns problemas no caminho, o diretor apresenta não apenas a história de Philippe, mas sua percepção do mundo. São nesses momentos que a montagem e a fotografia fazem seu papel narrativo. No primeiro flashback de Philippe, o cinematografo Dariusz Wolski filma uma Paris preto e branca, com alguns pequenos detalhes em cores, como um pãozinho que o protagonista rouba para matar a fome – mostrando desde então sua personalidade transgressora – e que só ganha cores quando ele descobre a construção das Torres Gêmeas.

Em outra viagem por suas memórias, o reflexo de um vidro faz a transição para a infância de Philippe, num transporte simbólico para o momento mais importante de sua vida: uma apresentação que marcou a mente do rapaz, como percebemos no dourado que ilumina as botas de Papa Rudy (Kingsley). A montagem atrai nossa atenção em outros momentos como no treinamento de Philippe onde vemos o desaparecimento das cordas embaixo de seus pés num plano sequência, com efeitos especiais de maneira muito mais hábil que a narração off faz. Aliás podemos notar esse contraste entre passagem de tempo e narração com muito mais força no fim do segundo ato, quando Philippe e seus comparsas tentam usar os elevadores do WTC para levar os equipamentos do equilibrista para o topo do prédio. Chega a ser incômodo ouvirmos a voz de o protagonista dizer que o tempo está correndo mais devagar, sendo que o diretor já nos mostra isso visualmente desacelerando o filme.

Browne em conjunto com Zemeckis nos apresenta uma miríade de personagens, cada um ligando-se a Philippe de maneira singela e justificada. Annie (Le Bon) entra na vida dele por meio de uma divertida transgressão à lei. Assim como Papa Rudy, que ainda tem o bônus de se tornar uma figura paterna depois que os pais de Philippe o deserdam. Os outros coadjuvantes entram na vida do equilibrista de variadas maneiras, mas é a sua personalidade cativante que dá vontade de segui-lo, mesmo que o custo seja alto – desde um simples tempo na prisão ou até mesmo a morte.

Quando o filme se aproxima de seu desfecho, Zemeckis já conduziu toda a audiência para esse evento épico, seja lá qual for o resultado. E ainda que você ou qualquer outra pessoa saiba como foi o fim da aventura de Philippe, já estamos tão apaixonados pela sua paixão que sofremos e amamos a cada passo dado na corda de aço que liga as extremidades dos prédios. Câmeras que passeiam no vazio – uma assinatura do diretor desde que ele começou a brincar com o CGI em filmes 3D – nos dão uma sensação de imersão diferente de tudo o que já vimos em sua carreira. Então, esse é o filme mais maduro da filmografia de Zemeckis, que une narrativa à tridimensionalidade que usa apropriadamente a grande profundidade de campo.

Esse equilíbrio entre beleza poética e história tornam filme em algo que dificilmente saíra da sua cabeça. A produção não é isenta de problemas, sendo a duração um deles – não faria nada mal dez minutos a menos. Ou quando Philippe se encontra contemplando o vazio, e ele pensa que estavam ali só ele o silêncio, faltou um pouco de finesse para naquele momento interromper a trilha sonora de Alan Silvestri. Trilha que tem inúmeras qualidades que percebemos quando o compositor cria músicas com toques de jazz, tons de filmes de espião e um pouco de música clássica.

Zemeckis consegue dentro dessa leveza e poesia tocar no angustiante assunto dos ataques de 11 de setembro. Esta é uma parte que naturalmente o espectador se pergunta quando irá aparecer. O diretor prefere abordar o assunto de uma maneira menos gráfica, porém não é menos tocante vermos Philippe se dirigindo à câmera com os olhos visivelmente marejados, uma lembrança que é sobre um antagonista e também sobre todas as vidas perdidas naquele covarde ataque. Algo que os três – diretor, ator e autor – colocaram em cena.

A Travessia | Pôster Brasil

Mesmo que Zemeckis seja lembrado por outros grandes filmes e personagens, A Travessia deve figurar no rol de seus trabalhos memoráveis representando a alma de um grande artista. O pioneiro diretor está na sua melhor forma no quesito efeitos especiais. E o melhor é que não há detrimento da história em relação a isso – então, faça questão de assistir o 3D que te fará, inconscientemente, desviar da tela. Estamos tão acostumados com o efeito sendo usado como perfumaria e para inflar a venda de ingressos que é importante apontar quando ele é bem feito. E ainda bem que não é só um filme de efeitos especiais. O coração veio junto.

Revisão: Tatá Snow (LadyFreak) | @ladyfreakpop

Sinopse oficial

“A Travessia é a história real de um jovem sonhador, Philippe Petit, e um grupo de recrutas improváveis que, juntos, alcançam o impossível: uma travessia ilegal sobre cabo no imenso vazio entre as torres do World Trade Center. Com pouco mais de coragem e ambição cega, Petit e sua desorganizada equipe superam obstáculos assustadores, traições, inúmeras situações arriscadas e todas as adversidades para vencer o sistema e executar seu plano maluco.”

Veja o trailer de A Travessia

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".