38ª Mostra de Cinema de São Paulo | Especial | Dias 1 e 2

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38ª Mostra de Cinema de São Paulo | Especial

Críticas curtas dos dois primeiros dias da 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com os filmes El Cuarto Desnudo (México), Quando os Animais Sonham (Dinamarca), Crieg – Em Guerra (Suíça), Jack (Alemanha), O Retorno de Antigona (Grécia) e O Segredo das Águas (Japão).

• El Cuarto Desnudo (El Cuarto Desnudo | Dir Nuria Ibánez | México | 2013 | Exibições e sinopse)

O documentário foca em um problema pouco conhecido ou até que pensamos não existir: a depressão entre crianças e jovens. A diretora apresenta casos diversos de uma triste realidade, problemas que pensamos afetar os mais velhos. É triste perceber que tentativas de suicídio afetam até eles, mas filmes assim são necessários para mostrar que esses problemas não são contornáveis só com força de vontade.

A montagem do filme é eficaz ao mostrar várias histórias que vem e vão, e nos interessamos em cada uma delas e queremos saber seus desfechos. Com um estilo que pode ser chamado de cru, pois a pela captação das imagens parecem ser feitas para constar no prontuário dos pacientes, é uma produção importante para conhecermos melhor o sistema de saúde pública mexicana (7/10).

• Quando os Animais Sonham (Når dyrene drømmer | Dir Jonas Alexander Arnby | Dinamarca | 2014 | Exibições e sinopse)

O filme terá comparações inevitáveis com outra produção escandinava muito conhecida de 2010. O diretor cria um clima muito interessante ao mostrar cenários com uma fotografia densa e chuvosa, o que faz a cidade costeira não parece convidativa desde o início.

Há uma mistério a ser desvendado, mas que não levamos muito tempo para perceber a nova situação da protagonista Marie. As informações vem aos poucos, com uma foto roubada, uma espiada pela fechadura e curtos diálogos entre os moradores e vizinhos que não parecem ser muito amistosos com a família de Marie.

A relação com os pais é complicada, o que serve de metáfora do próprio filme. A mãe de Marie está presa à uma cadeira de rodas, e a filha teme que esse seja o seu destino também. Sem expor muito, a história não conta porque ela foi parar nessa situação. Podemos supor que é por causa dos remédios que ela toma, e por isso Marie não quer que o mesmo aconteça com ela.

E quando a própria Marie diz “Estou me tornando um monstro”, o diretor nos mostra, de modo simbólico, que a jovem está passando por uma fase de mudanças – puberdade, procura pela própria identidade – que no filme ganha traços de um filme de terror. Aliás nesse quesito, o filme aposta em poucos sustos, mas eles são simples e eficazes. Assim como a maquiagem que reflete a transformação sutil de Marie, prezando pela simplicidade.

Com ótimos momentos, o roteiro peca apenas pela relação construída entre Marie e o Daniel, que aceita muito rapidamente a mudança e atitudes da personagem (8/10).

• Chrieg – Em Guerra (Chrieg |Dir Simon Jaquemet | Suíça| 2014 | Exibições e sinopse)

Como o subtítulo diz, o personagem Matteo está em guerra: contra a sociedade hipócrita, um pai distante, uma mãe obesa e superprotetora. Ainda assim, ele tenta entender os dois, que acabaram de ter outro filho. O rapaz é solitário, tanto que se abre com o irmão – ainda recém-nascido – perguntando se ele será seu amigo quando crescer. É por isso que dói tanto ver que Matteo é responsável pelos primeiros machucados da criança, ainda que acidentais.

Nada que justifique o sequestro de Matteo, arquitetado pelo pai, que acha que a rebeldia do rapaz passará depois de alguns meses numa fazendo trabalhando para seu próprio sustento. Chegando lá, a vida do rapaz passa por um pequeno inferno na mão de outros três jovens que claramente tem graus de sociopatia. É uma situação assustadora, mas que serve de batismo para o jovem passar da adolescência para a vida adulta: essa é a grande metáfora do filme. Tudo que Matteo passa é uma alegoria para o corte do cordão umbilical que ainda o faz ser jovem.

A fotografia pesada e invernal, junto da ausência de trilha sonora – que poderia forçar um motivo artificial – trazem uma estética realista à história dos quatro jovens delinquentes. O roteiro também é uma crítica à relação entre pais que veem nos filhos uma massa para moldá-los à sua imagem e perspectivas, mesmo que eles não façam mais isso. Há uma cena muito interessante que Matteo ouve sons que parecem o vai e vem de um casal transando e nós, da plateia, somos levados à pensar que o jovem irá pegar os pais no ato. Mas vem a surpresa ao descobrir que aquele é o som do pai se exercitando numa esteira, como se estivesse afastando da esposa que não se cuida mais. Esse momento é reforçado no começo do terceiro ato, quando Matteo e os outros descobrem um segredo do pai.

O diretor sabe dosar momentos doces na trama para a experiência não ficar tão pesada, como na cena em que Matteo e Ali cuidam se preocupam com o destino de um bebê cabra perdido nas montanhas. Fechando com um grito desesperador, este é um filme que lida com descobertas, perdas e cortes de laços. Um dos destaques da 38ª Mostra (10/10).

• Jack (Jack | Dir Edward Berger | Alemanha | 2014 | Exibições e sinopse)

Outro filme sobre as dificuldades da passagem da vida de criança para a adulta. Diferente do filme anterior, Jack tem somente dez anos e é bem mais responsável do que a mãe, e cuida melhor de seu pequeno irmão, Manuel. A mãe dos dois se porta como uma adolescente, saindo muitas vezes durante a noite e deixando o filho mais novo aos cuidados do mais velho. O diretor mostra a jovem mãe como alguém amorosa, mas a aparência é que ela gosta dos dois mais como colegas de quarto do que como filhos propriamente dizendo. Ela os alimenta com porcarias, e não se preocupa em ser discreta em suas relações sexuais. E quando Jack comete um erro quando está cuidando do irmão, ela tem a reação mais condizente com essa persona adolescente ao entregar Jack a um lar adotivo.

A história tem um ponto de virada interessante. Começando com a não adaptação de Jack ao novo lar – costumeira de outros filme que lidam com o tema – o jovem resolve fugir para procurar a mãe, que quebrou a promessa de ir vê-lo durante um feriado. A trilha sonora é pontual na história, só aparecendo nos piores momentos da narrativa, quase como um anti-clímax: ao invés da música trazer bons sentimentos, ela marca negativamente a história.

Jack se mostra muito corajoso ao atravessar Berlim, mas é só uma criança. E os erros que comete acabam nos lembrando de quem ele é filho. Na cena do shopping, onde some por ter roubado uma binóculos, Jack se mostra muito como a própria mãe: egoísta ao ponto de esquecer o pequeno Manuel à própria sorte.

Há idas e vindas desnecessárias no roteiro, e é um tanto difícil de acreditar que de todos os adultos que viram a situação andarilha de Jack e Manuel apenas assistam passivos sem tentar ajudar os dois que, claramente, passavam por problemas. Com exceção de apenas um adulto. E que, mesmo assim, não teve forças para levar adiante o plano de cuidar das crianças, quando era uma situação resolvida de modo bem simples. Ele poderia não abrir a porta do carro, ou ainda carregar os dois até a delegacia. E o diretor poderia encurtar o filme alguns minutos se não insistisse na decisão de Jack de deixar o irmão sozinho na esquina antes da casa deles para ver se a mãe desaparecida voltou.

Os filmes enganam a gente, mas os espectadores mais experientes sabem que existem as histórias em que o protagonista começa numa situação A, vai para B, mas quer voltar para a A – em contrapartida, existem os que saem de A e querem ir para B. Jack definitivamente quer voltar para a A, mas um choque de realidade tão triste, representado por uma caixa de óculos cheia de papeis, destrói esse universo em que ele uma vez fez parte (8/10).

O Retorno de Antigona (Na kathesai kai na koitas | Dir Yorgos Servetas | 2013 | Grécia | Sinopse e exibições)

É sempre bom ver mulheres fortes no cinema, e a personagem Antigona se identifica com parte da plateia ao explicar como foi crescer nos anos 1980. O cinema grego tem refletido a situação econômica do país – bons exemplos são Todos os Gatos São Brilhantes e Miss Violence em especial – e nota-se um descontentamento geral, que é representado pela oposição entre vítimas e os perpetradores.

A violência é inerente aos personagens da história, mas quem sofre mais são as mulheres da trama. Antigona tem uma amiga – Eleni – que tem um caso com Nodas, um homem casado. Ela é cleptomaníaca e tratada como prostituta pelo amante, um homem perigoso e que gosta de tratar a todos como capacho. Ele se esconde atrás de uma cortina de amizade, mas gosta quando todos sejam submissos a ele, em especial às mulheres. Misógino até a espinha, esse personagem detestável se desagrada com a presença da determinada Antigona.

O filme também toca na ilusão que muitos temos de que a vida em cidades pequenas do interior é pacata. O ócio – além da crise financeira em especial na Grécia – transformou o lugar, que agora obedece à lei do mais forte ao invés de ser democrático. É, pelo menos em parte, uma crítica de como o governo grego está cuidando de sua população.

É uma pena que o roteiro não entregue a promessa de uma mulher forte até o fim. Terminando com uma conveniência monstruosa, o diretor deixa nas mãos de um homem a resolução da situação. Seria bem mais conciso se a força da mulher tirasse Antigona de sua situação, e o filme fecharia com chave de ouro. Mas esse desfecho covarde não permite (6/10).

O Segredo das Águas (Futatsume no Mado | Dir Naomi Kawase | 2014 | Japão | Sinopse e exibições)

O cinema é a reflexão do que as pessoas vivem, seja em drama, ficção, comédia ou romance. Esse filme japonês mistura alguns gêneros – uma história de vários amores e dramas marcantes – num país recentemente afetado pela tragédia de um tsunami. Kaito, nosso protagonista, diz não apenas ter medo do mar: ele tem nojo. Representando talvez muitos japoneses que perderam tanto, o jovem traduz o sentimento perturbante, considerando que o Japão é pouco maior que uma ilha, e com uma costa tão grande que é praticamente impossível não lidar com a água.

A namorada de Kaito, Kyoko, tem um papel fundamental na jornada de Kaito. A relação dela com o mar é diferente, e determinado ponto ela se compara com ele, o que faz Kaito se afastar dela, relacionando a ideia de morte inerente aos oceanos com a jovem. Ainda que Kaito fuja da ilha de Amami-Oshima para Tóqui com a desculpa de ir visitar o pai, sua casa não sai da cabeça por causa da morte de um jovem que se afogou.

O filme lida com tradições – algumas chocantes como a morte de uma cabra – danças tradicionais, vida, morte e, claro, o amor. Kaito e Kyoko vão fazendo essas descobertas juntos, com tudo que uma relação tem direito: beijos, inseguranças, confidências, brigas e entrega.

A história mostra um retrato atual e comparativo do Japão. Quando Kaito vai a Tóquio visitar o pai, este lhe diz que nunca sairia da metrópole porque lá tudo a diferente: a cidade pulsa, lá ele consegue se expressar. O contraste é dado pelo bisavó de Kyoko, um senhor que pode apenas passar sua experiência ao casal por meio de longas exposições.

A diretora apresenta cenas belíssimas e inesquecíveis, dignas de emoção profundo. A mais tocante é perto da morte da mãe de Kyoko: o plano sequência onde a moribunda pede que toquem uma canção que diz “Você tem mesmo que ir embora” e “É doloroso também para quem vai embora” trará muitas lágrimas nos olhos.

Com um final poético e de – mais uma vez – grande entrega, o filme se resolve como poucos, e é outro destaque da 38ª Mostra e que terá o lançamento comercial no começo de 2015 (10/10).

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".