Philomena | Crítica | Philomena, 2014, Reino Unido – EUA – França
Com Judi Dench, Steve Coogan e Barbara Jefford. Roteirizado por Steve Coogan e Jeff Pope, baseado no livro de Martin Sixsmith. Dirigido por Stephen Frears (A Rainha).
Por quanto tempo a dor de uma perda pode durar? E como instituições que pregam o amor ao próximo se tornam algozes, subvertendo a lição de amor ao próximo? A busca, o amor e a amizade são os elementos que fazem de “Philomena” um filme doce e questionador ao mesmo tempo.
Philomena (Dench) é uma senhora que guardou um segredo por cinquenta anos: teve um filho na adolescência e foi forçada à dá-lo para adoção. O seu caminho cruza por acidente o jornalista Martin Sixsmith (Coogan) que, recém desempregado, quer escrever uma matéria de interesse humano. A busca de Philomena desafia sua própria fé, enquanto Martin aos poucos se afeiçoa pela idosa irlandesa e pelo seu espírito quase inocente.
Os paralelos traçados pelo roteiro e direção entre Philomena e Martin representam um discurso de fé e lógica. Ela é uma senhora que foi levada a acreditar que, até certo ponto, a vida dura que as freiras deram enquanto era jovem foi para o bem. O jornalista, mais esperto – o que não quer dizer necessariamente inteligente – é mais prático, e não faz questão de entender a fé de Philomena. Não é possível dizer quanto do público estaria de um lado e de outro, mas é plausível dizer que se tomaram lados, e Frears conduz naturalmente os espectadores a tomar um deles. Não que esse lado esteja certo, mas como Martin busca uma história de interesse humano, o diretor desvenda aos poucos o nosso interesse como humanos.
Isto é, de um jeito ou de outro, nos identificamos com Philomena e queremos o bem dela. Torcemos por cada pista do filho que aparece, por cada declaração espontânea e sincera da senhorinha. Como não sorrir quando ela não entende a piada que Martin faz sobre a bacia recém operada, ou, mais tarde na projeção, quando ela recorda como foi bom ter transado com o pai de seu perdido filho – esse também que nunca mais se teve notícia e, bem da verdade, nem é importante. De certo modo, Philomena era moderna para sua época. Mas na sua inocência, que chega ao ponto de não saber que ela poderia engravidar na primeira relação sexual, existe um vínculo tão grande que é impossível não torcer pela felicidade dela. Por isso que ficamos tão bravos quando Martin faz pouco caso do jeito que ela trata desconhecidos, ou até mesmo quando ele destrói um pouco da fé dela, mesmo partilhando da visão do jornalista.
O filme conta com símbolos interessantes: a fé em São Cristovão, santo que carregou Cristo e o peso do mundo nas costas; a comercialização dessa fé, quando Martin visita com Philomena a instituição que a fez adotar o filho, há uma bancada com peças à venda, o que é uma premonição do que virá à frente; pequenas críticas aos Estados Unidos, vista quando os dois descobrem que o filho perdido foi adotado por um casal americano, ela se questiona se ele morreu no Vietnã, ou se ficou obeso por causa das gigantes porções de comidas que os americanos estão acostumados; e o amor incondicional de uma mãe que não se importa pelo fato do filho ser homossexual.
Há também a beleza na fotografia e outros elementos visuais. A mais marcante é a imaginação/sonho de Philomena do filho, apresentada em 8mm. Além de evocar a época que a criança foi adotada, ela completa de uma maneira fora do comum a relação com o mundo real. Diferente de tantos outros que justificam os dizeres iniciais de “baseado em fatos reais” após o filme com fotos, o diretor intercalou o que estava fora do quadro (do cinema) com o que está dentro dele. E, por não sabermos que as filmagens são do verdadeiro filho da verdadeira Philomena, não se perde a relação intimista com o filme.
“Philomena” é uma bela história que mistura passagens dramáticas, comédia e reflexão. Altos e baixos, como a vida é. Stephen Frears dirige o filme magistramente, e parece saber perfeitamente o que público está pensando sobre aquela história toda. Perto da conclusão, o mais provável é que você estará fervendo de raiva, junto de Martin. Porém, a protagonista, ainda na sua doçura e sensibilidade, como uma avó carinhosa faria, nos desce daquele estado de torpor e ódio, e mostra que o perdão ainda é o que deve nos diferenciar. Então, nada mais justo de aguentarmos as idiossincrasias dessa e outras senhoras que conhecemos durante nossa vida. Ouvi-las, assim como ouvimos Philomena, é paz para o espírito.
Philomena concorre ao Oscar 2014 nas categorias Melhor Filme, Melhor Atriz (Judi Dench), Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Música (Alexandre Desplat).
Veja abaixo o trailer legendado de Philomena