Lady Bird: A Hora de Voar | Crítica | Lady Bird, 2017
Lady Bird toca no assunto de crescer e amadurecer, como várias outras produções, mas com algumas peculiaridades que fazem a trama se destacar.
Quem nunca esteve numa situação onde se encontrou preso pelas próprias limitações, ou aquelas impostas por outros, pode não se identificar com Lady Bird: A Hora de Voar – mas não parece ser o caso da maioria, só de uns poucos privilegiados. A vontade de qualquer um que se viu em situações parecidas se acha na posição de torcer para que tudo dê certo na vida da personagem, mesmo que pelo bem da narrativa existam exageros – e compreendendo depois que a protagonista tenha usado de mentiras e quebrado regras para isso. Algo que, em suma, é moralmente questionável. Entre as muitas primeiras vezes, a produção é uma ode ao processo que é crescer, com suas dores e as outras várias alegrias.
Quando Christine (Ronan) se atira do carro em movimento depois de uma discussão com sua mãe, Marion (Metcalf), acontecem duas coisas. A primeira, obviamente, é a restrição física por causa de um braço quebrado. A segunda, essa simbólica, é que a jovem que deseja ser chamada de Lady Bird está com a asa quebrada – consequentemente, sem a possibilidade de voar. Essa primeira interação nossa, da plateia, com a protagonista vai servir de base para os desafios do filme. Presa ao chão, Lady Bird tem que se virar como pode, algo que é refletido na limitação da escolha da faculdade, já que por ser de uma família pobre, ela é levada a crer que não poderia entrar em boas escolas por causa dessas limitações.
Sabemos pouco do passado da personagem, mas isso pouco importa. O importante é acompanharmos essa fase de transição dela e suas pequenas necessidades de contestações, como comer hóstias (antes de serem consagradas, mas ainda um símbolo) como se fossem salgadinhos. O que acontece é que apesar da história focar nesses poucos meses da vida da jovem, o filme todo funciona como uma metáfora da vida. A primeira parte é quase um sonho, dotada de uma inocência e narrativa simples das primeiras coisas: o primeiro namorado, o primeiro baile, o primeiro beijo, o primeiro cigarro, a primeira maconha e a primeira larica.
E existe outro elemento dessa mudança. Para Lady Bird, qualquer movimentação era bem-vinda, por isso ela ingressa nas aulas de teatro da escola. Porém, essa parte é a mais perdida da narrativa, por causa do Padre Leviatch (Henderson), um personagem sensível e que incentiva Lady Bird e os outros a serem dar seu melhor. A questão é que ele tem que se ausentar de suas tarefas por causa de uma doença – nunca mencionada, mas supomos que é câncer – e, ao se aconselhar com Marion, pede para que a mãe não conte para a filha o que está acontecendo. O problema é que, depois disso, LB não menciona novamente o padre, que simplesmente desaparece da história, indicando que algo ficou de fora na sala de montagem.
Depois, a diretora aproveita para quebrar essa parte mais simples com um elemento bem familiar, que é o namorado fazendo alguma coisa idiota, mas não da maneira que esperávamos. Isso deixa Lady Bird machucada, mas também é um impulso para a próxima parte da construção da personagem. Um período de revolta surge, onde ela começa a discutir mais com a mãe, deixa de lado amiga Julie (Feldstein) para fazer amizade com uma pessoa mais rica, fingindo uma ascensão social, e se envolver com um rapaz tão blasé que está sempre distante até daqueles que chama de amigos. O que é tudo uma grande fachada, mas servem, mais uma vez, para mostrar o desespero dela se desvencilhar daquele lugar.
Uma série de mentiras fazem a personagem imperfeita, mas tridimensional, e levanta questionamentos. Seria possível torcermos pela personagem que, na teoria, não mereceria estar ali? Afinal, um dos momentos mais questionáveis de LB é roubar as notas do caderno de matemática e forçar uma nota melhor mentindo. Isso é também um questionamento de nós como sociedade, nossas pequenas mentiras que são a própria sustentação de viver juntos. Ou seja, na visão da diretora, a mentira é uma correção, uma defesa para que a personagem possa contornar um sistema injusto que dá preferência a quem pode pagar – e essa parte é com a diretora que viveu aquela realidade.
A religião funciona da mesma maneira, é outro entrave para as experiências de LB e também de seus amigos. É por uma instituição tão tradicional que Danny não consegue assumir o que é, ou que relações interpessoais não são incentivadas (o que traz uma piadinha engraçada como “dê um espacinho para o Espírito Santo”). Porém, a diretora/roteirista sabe separar instituição de pessoas, pois enquanto a montagem no começo do filme justapõe aulas tradicionais entre missas e aulas de ensino religiosa, a madre-diretora não é aquele clichê ambulante da superiora ditatorial, levando na brincadeira as coisas que são, bem, brincadeiras.
No fim das contas, podemos nos perguntar o que difere esse filme de outros “coming of age“. É verdade que o tema já foi abordado um número grande de vezes, mas a cada ação LB parece tão espontânea – isso tem a ver também com a atuação de Saiorse -, suas mudanças de humor de um momento para outro, discutindo com a mãe sobre qualquer besteira, mas abrindo um sorriso ao ver que ela escolheu o vestido perfeito. O que acontece é que essa personagem pode descobrir seu lugar. Mas, apesar do nome, ela – e nem nós – somos pássaros e sair do ninho não quer dizer, necessariamente, abondar nossas raízes.
Então, há uma simplicidade poética em Lady Bird: A Hora de Voar, uma que é difícil de ser admirada logo de cara, mas que merece ser aprofundada, como é a missão da poesia – basicamente, não se entregar logo de cara. Depois de um tempo, depois da história ficar avoando nossa cabeça, é fácil nos afeiçoarmos e percebermos que dentro de uma personagem que poderia ser classificada como doida está alguém verdadeiro, cheio de falhas e qualidades, provavelmente, mais uma característica do que a outra – e é isso é algo que nos conecta. Não apenas plateia com filme, mas também nós com aqueles que nos acompanham na jornada de cada dia, buscando outros lugares para voar.
Lady Bird: A Hora de Voar concorre ao Oscar 2018 nas categorias Melhor Filme (Scott Rudin, Eli Bush e Evelin O’Neil), Melhor Diretora (Greta Gerwig), Melhor Atriz (Saoirse Ronan), Melhor Atriz Coadjuvante (Laurie Metcalf) e Melhor Roteiro Original (Greta Gerwig).
Elenco
Saoirse Ronan
Laurie Metcalf
Tracy Letts
Lucas Hedges
Timothée Chalamet
Beanie Feldstein
Stephen McKinley Henderson
Lois Smith
Direção
Greta Gerwig
Roteiro
Greta Gerwig
Trilha Sonora
Jon Brion
Fotografia
Sam Levy
Montagem
Nick Houy
Distribuição
A24
País
Estados Unidos
Duração
93 minutos
A personagem-título procura seu lugar no mundo enquanto quer experimentá-lo – mas suas características, principalmente a teimosia, a levarão a decisões e lugares que ela não necessariamente gostaria de estar.
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