Círculo de Fogo | Crítica | Pacific Rim, 2013, EUA
Círculo de Fogo diverte por ter robôs gigantes estapeando monstros, numa homenagem aos super sentai, mas tem um roteiro bem raso.
Com Charlie Hunnam, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day, Robert Kazinsky, Max Martini e Ron Perlman. Argumento de Travis Beacham. Roteirizado por Travis Beacham e Guillermo del Toro (Hellboy).
É essencial entender que, antes de tudo, “Círculo de Fogo” é uma homenagem de Guillermo del Toro ao gênero de monstros gigantes japoneses – como Godzilla, Gamera e Mothra. O termo kaiju usado no filme é o mesmo que representa o gênero de seres gigantescos e fantásticos que vem da Ásia. Depois, é um filme de ação extremamente empolgante, com lutas entre seres gigantes destruindo meia cidade pelo caminho. É uma catarse tão grande que fica fácil se perder. Apesar disso, falta profundidade e drama. Tanto que nem parece um filme com roteiro digno de del Toro.
Num alternativo 2013, seres gigantes invadiram o nosso mundo por meio de uma anomalia chamada “A Fenda” que surgiu nas profundezas do pacífico. O primeiro Kaiju foi abatido pelas Forças Aérea e Terrestre do planeta. Mas depois de sucessivos ataques dessas criaturas, vários governos se uniram para criar o programa Jaeger (caçador, em alemão): robôs gigantes pilotados por duas pessoas que se unem mentalmente. Quando a humanidade estava acostumada a vencer todos os monstros, uma nova leva de Kaijus mais poderosos começaram a virar o jogo. Em 2025, perdendo Jaegers muito rapidamente, os governos encerram o programa e tentam construir grandes muralhas para impedir o avanço dos monstros. Com o projeto desacreditado, o piloto da Gypsy Danger Raleigh Becket (Hunnam) é recrutado pelo General Pentecost (Elba) para fazer parte de uma equipe de elite com outros pilotos e os robôs gigantes remanescentes numa tentativa de fechar A Fenda e acabar com a guerra.
Os primeiros minutos do filme servem de introdução desses primeiros e difíceis anos dos ataques dos Kaijus. Enquanto a irritante narração off de Raleigh nos acompanha, descobrimos que ele pilotava a Gypsy Danger junto do irmão, e que no ataque de um Kaiju mais evoluído, ele foi morto enquanto ainda estavam mentalmente ligados. O evento afetou profundamente a mente de Raleigh, o que resultou nos seus anos de afastamento. A introdução é muito bem montada com flashbacks no estilo mockumentary: falas de políticos conhecidos – como Barack Obama – entrevistas, programas de TV e filmagens amadoras aproximam a fantasia da realidade.
Apesar de ser um filme onde a necessidade de efeitos CGI é necessária, del Toro ainda dá seu tom peculiar na produção. O diretor desenvolveu os trajes, construiu a cabine dos pilotos, e parte de fora da cabeça dos Jaegers – além dos restos do robô destruído – para misturar e deixar a experiência mais real, o que dá a sensação de que estamos dentro de um robô gigante de verdade. A sensação dos atores deve ter sido como estar num simulador. Do lado de fora, as batalhas são bem produzidas e os robôs apresentam movimentos lentos e realísticos. A mistura da câmera na mão, do zoom documental e as tomadas constantes de baixo para cima nos colocam no ponto de vista das pessoas, as maiores afetadas por um encontro titânico, que tem ares de luta de rua e improvisada: Raleigh e a outra piloto da Gypsy, Mako (Kikuchi), lutam com contêineres e um navio de carga. O que tiver na mão serve. E o 3D, apesar de ser convertido, funciona nas cenas de ação – mas falha nas dramáticas – já que todas as lutas entre Jaegers e Kaijus usam grande profundidade de campo, o que é fantástico para o efeito. Por isso, valerá a pena gastar um pouco mais na versão.
Depois dessa boa impressão toda, é difícil constar que os personagens e o roteiro em si sejam rasos. Raleigh, Mako e Pentecost não tem carisma nenhum, e é bem provável que nenhum espectador se identifique com os o trio, ou mesmo crie empatia com eles. Nem mesmo a história entre o general e a japonesa, que foi salva por ele quando era criança, é de algum interesse. Os roteiristas colocam como antagonista passageiro de Raleigh outro piloto, Chuck Hansen (Kazinsky), que é tão detestável e caricato que torcemos quando os dois finalmente lutam. Falando em caricaturas, o general Pentecost tem o mesmo problema: fala demais, alto demais, e faz questão de ser tratado como militar de alta patente apesar de não estar mais numa missão do exército. Também tem signos muito óbvios, quando, por exemplo, os irmãos Becket usam trajes brancos – e gastos, ainda bem, diga-se de passagem – para pilotar, e sabemos que as roupas seguintes serão escuras. Isso não prejudica o filme, mas dá uma sensação de que vamos ser muito pouco surpreendidos.
Definitivamente, o filme perde o ritmo durante o segundo ato. É muito falatório, muita explicação em voz alta – para substituir a voz em off no início – e pelo menos um insulto à inteligência do espectador, quando o Dr Newton Geiszler (Day) afirma que os Kaijus tem cérebros grandes como os dos dinossauros. E já faz algum tempo que pesquisas indicam que esses lagartos terríveis tinham o órgão não maior que uma bola de tênis. Junto do Dr Hermann Gottlieb (Gorman), dois lados de um cérebro genial, um racional e ou outro mais criativo, a dupla se torna um alívio cômico. É a mesma coisa com Hannibal Chau (Perlman), que está no filme como um easter egg de del Toro.
O maior trunfo da produção são os Jaegers, que são concebidos com ótimos detalhes. O Cherno Alpha – da primeira geração dos robôs – é o mais avariado, pesado, pintado com cores verdes militares e seus golpes são puramente pneumáticos. O Striker Eureka é mais limpo e moderno dos três. Já Gypsy Danger é o sonho de qualquer um que assistia os chamados super sentai e tokusatsus japoneses – Jaspion, Changeman e Flashman, para a minha geração – e é de vibrar quando numa das lutas o robô saca uma espada para enfrentar os monstros. A memória afetiva vem a mil nessa hora, e é quase impossível não levantar os braços de alegria.
Eis que, apesar dessa diversão e empolgação toda, o roteiro é preocupante. Há uma curta reflexão sobre política, mas não é desenvolvida. Existem diálogos fraquíssimos, como o discurso de Pentecost, que parece ter sido tirado de Independence Day (de 1996). O desenvolvimento dos personagens é fraco, ao ponto de não nos importarmos muito com o destino deles. Os efeitos especiais também tem algo que incomoda: as lutas acontecem debaixo da água ou da chuva. Isso normalmente acontece para mascarar os problemas técnicos. Tanto que, apesar deles saberem que precisam ir ao fundo do oceano, ninguém pensou em instalar holofotes mais potentes nos Jaegers, o que faz a luta final passar despercebida e não se vê quase nada.
“Círculo de Fogo” foi concebido mais para divertir do que para refletir, apesar de isso não ser necessariamente um defeito. Mas, conhecendo o cineasta por seus trabalhos anteriores, percebemos que falta a dualidade que del Toro tanto explora em seus outros filmes. Nas mãos de outro roteirista acostumado com blockbusters, passaria despercebido. Mas quando o responsável é alguém que trouxe coisas tão complexas e profundas, e que questionam a própria condição humana, ficou aquém do estamos acostumados. Apesar da diversão garantida, faltou drama, e até um pouco de coragem no final. Esse não é exatamente o del Toro que conhecemos, mas com certeza é um del Toro que Hollywood precisa. Se todos os blockbusters tivessem a qualidade de direção que ele tem, o cenário atual seria bem mais interessante.
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