A Garota no Trem | Crítica | The Girl on the Train, 2016, EUA

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A Garota no Trem é um thriller eficiente e que toca em assuntos necessários para a nossa sociedade.

A Garota no Trem (2016)

Elenco: Emily Blunt, Rebecca Ferguson, Haley Bennett, Justin Theroux, Luke Evans, Allison Janney, Édgar Ramírez, Lisa Kudrow | Roteiro: Erin Cressida Wilson (Homens, Mulheres e Filhos) | Baseado em: A Garota no Trem (Paula Hawkins) | Direção: Tate Taylor (Histórias Cruzadas)

8/10 - "tem um Tigre no cinema"Uma das grandes discussões em A Garota no Trem é até quando deveríamos nos prender, seja numa ideia ou numa pessoa. Pautado por diferentes pontos de vistas diferentes, mas todos femininos – com a acertada decisão de ter uma roteirista adaptando o trabalho da autora – o filme lida com solidão, tristeza, rebeldia e principalmente contra poderes pré-estabelecidos por uma sociedade machista. Assim como a protagonista, temos apenas pedaços de informação, o que nos transporta para os pés dela, vivendo, respirando e até seus apagões. O mistério apresentado por Taylor nos envolve e brinca com a dubiedade, o que faz que nos questionemos em quase todos os momentos.

A narrativa é como um quebra-cabeça com peças faltando. Essa é a representação de Rachel (Adams), uma personagem solitária com traços de voyeurismo e quase uma presença fantasmagórica na vida de Tom (Theroux), seu ex-marido, e Anna (Ferguson). Na sua primeira característica, ela idealiza a vida das pessoas no seu trajeto diário de trem, especialmente Megan (Bennet) e Scott (Evans). Porém, como a maioria dos voyeurs, ela não vê o quadro todo. Por isso a história é separada nos pontos de vista de Anna e Megan para que possamos montar melhor a imagem. O que justifica a narração off das personagens, que serve também para que cada uma conte sua história, ainda que esse seja elemento que nem sempre funciona.

Interessante como o caminho do trem se torna um signo. Não é só caminho de autodestruição que Rachel se encontra, mas também das outras, colocando-as em pontos diferentes, quase como estações de trem verdadeiras. Enquanto Rachel não pode ser mãe, Megan é uma mulher mais rebelde e intensa – mas não quer ser uma –, enquanto Anna é a mais tradicional, por assim dizer, e é mãe. E o trilho que une essas três personagens é uma das sutis pistas que a história nos dá do mistério. Junto com elementos visuais – a casa onde Rachel morava e hoje é de Anna e Tom parece menos convidativa que a do outro casal – e os lapsos de memória de Rachel é que montamos o mistério, como partícipes da desaparecida.

Dona de inúmeras perdas – a do marido, da capacidade de ter filhos e da própria mente – Rachel é tão solitária que quer proteger o que acha ser o casamento perfeito de Megan. Assistindo pela janela do trem o que ela imagina ser uma traição, e se colocando no lugar de Scott, Rachel age apenas com os pedaços de informação que tem. E isso nos faz questionar a sanidade da personagem, assim como ela mesma se questiona. No meio de lembranças confusas, Rachel está num labirinto. Então, a história é um mistério dentro de outro, onde precisamos de todas as informações dos outros pontos de vista para a compreensão.

Porém, não é tão difícil sacar qual é o culpado. Não por ser tão óbvio assim, mas é pelo elemento, esse já citado trilho, que une as personagens. Existem outros momentos sutis como a definição que a Megan diz a si mesma para seu terapeuta – ser ao mesmo tempo esposa, amante e puta – que são importantes peças do quebra-cabeça. A narrativa é feita para nos despistar dela, com alguns flashbacks que não são nada desonestos, mas, para uma compreensão da história, é preciso estar atento a uma série de elementos. Como qualquer bom filme de suspense, são os detalhes que fazem a diferença.

Mais interessante que isso é perceber que a questão do mistério a ser descoberto não é tão importante assim – o que justifica a entrega tão cedo. As três personagens femininas são mal tratadas durante a história de várias maneiras. Até mesmo no aparente casamento perfeito de Megan, onde o marido é um controlador que parece querer que a esposa seja mãe a qualquer custo. Rachel é rechaçada pelo ex-marido, e o mais impressionante no filme é o que descobrimos sobre o tratamento que ele lhe dava – o que, sem dúvida, se estende à atual esposa. Ou seja, apesar desse ser um thriller envolvente pelo mistério, é mais importante perceber o recado que é dado para uma sociedade que aceita que a palavra de um homem é mais forte simplesmente por ele ser homem.

A produção lida com perdas e culpas, mas também tem um viés social – e por isso deveria ter sido entregue para uma mulher dirigir, apesar de uma roteirista. Do lado fílmico, é bem estruturado, usando nuances na fotografia para acentuar sentimento dos personagens – a cena em que Rachel pega o bebê de Anna é um misto de terror com suspense incrivelmente embalado pela fotografia enevoada de Charlotte Bruus Christensen, do excelente A Caça (Jagten, 2012, Dir Thomas Vinterberg) – e os posicionamentos de câmera que isolam Rachel constantemente na viagem de trem. Há tropeços em decisões como deixar alguns elementos menos óbvios e repetições desnecessárias de cenas, como se o diretor acreditasse que apenas uma vez não fosse suficiente para entendermos o que acontece. Se melhor montadas, o filme teria um ritmo melhor.

É interessante que, mesmo com um homem dirigindo, os produtores tenham dado mais espaço para mulheres em A Garota no Trem. As já citadas Erin Cressida Wilson e Charlotte Bruus Christensen ainda nadam num mar predominantemente masculino, o que é, num certo nível, a discussão desse filme. A indústria dita as regras, assim como os homens da história tentam fazer com suas esposas – sejam antigas ou atuais. Vendo por esse prisma, a produção ganha mais brilho. Os pequenos deslizes do filme – e eles existem – devem ser levados em conta também, mas a discussão sobre a mensagem não pode passar em branco. Não é apenas admitir que as atuações de Blunt, Bennet e Ferguson são excelentes, mas ir além e perceber o que aqueles olhos profundos e tristes de Rachel verdadeiramente presenciaram. Assim como tantas mulheres já fizeram.

A Garota no Trem | Trailer

A Garota no Trem | Pôster

A Garota no Trem | Cartaz

A Garota no Trem | Sinopse

No suspense, Rachel (Blunt), que está desolada por seu divórcio recente, passa seu tempo indo para o trabalho fantasiando sobre o casal aparentemente perfeito que vive em uma casa onde seu trem passa todos os dias, até que em uma manhã ela vê algo chocante acontecer lá e se torna parte de um mistério que se desdobra.

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".