Tatuagem | Crítica | 2013, Brasil

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Tatuagem é um filme contestador, é verdade. Mas fica difícil dizer qual é a mensagem do filme exatamente.

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Com Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo García, Sílvio Restiffe, Sylvia Prado, Ariclenes Barroso. Roteirizado e dirigido por Hilton Lacerda.

7/10 - "tem um Tigre no cinema"Corajoso e contestador são bons elogios para “Tatuagem”. O mesmo pode-se dizer da direção de Hilton Lacerda, e de seus personagens nessa história de um relacionamento homossexual pouco explorado no cinema nacional. Porém, fica uma sensação de questionamento no ar, e não porque o diretor quis deixar a história em aberto: a pergunta é do que se trata o filme. Faltando um pouco mais de fio narrativo, é fato que quer se provar alguma coisa. O que funciona como uma tese, a discussão de uma ideia. Como cinema, é incompleto.

No fim dos anos 1970 e do governo militar no Brasil, Clécio (Santos) é um homossexual dono do cabaré Chão de Estrelas. Na periferia de uma cidade pernambucana, ele lidera uma trupe dos mais variados estilos de show, sempre prezando pelo libertário e ousado, com todo tipo intelectuais e artistas. A vida dele muda ao conhecer Arlindo (Barbosa), chamado também de Fininha, um rapaz de 18 anos prestando o serviço militar obrigatório. A atração imediata dos dois cria um confronto na vida de Clécio, já que seu show é uma resistência ao poder estabelecido de que Fininha faz parte, ao mesmo tempo em que o marca como uma tatuagem.

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Logo no começo, Lacerda alterna bons e maus momentos. Primeiro, ele mostra os bastidores do Chão de Estrelas com a voz de Clécio ao fundo – define o personagem como protagonista – e quando vemos Arlindo/Fininha pela primeira vez, ele é colocado entre os beliches do alojamento do quartel, criando visualmente barras para o personagem.  Ótimo, dois personagens distintos em seus mundos, um livre e outro preso. É de estranhar que logo em seguida Paulete (Garcia), que por um momento se confunde como protagonista, aparecer comendo uma banana. Não tem nada mais caricato que colocar um homossexual na tela com um objeto fálico para reforçar sua sexualidade. É muito mais sutil a magreza quase cadavérica da personagem. E diferente também todos os outros personagens do Chão de Estrelas que, mesmo nas condições de secundários, estão mais bem representados na sua arte e discussões filosóficas.

O filme apresenta várias contradições para reforçar o romance de Clécio e Fininha. Entre eles o fato do protagonista manter uma fé em São Sebastião e ter um filho. Ele nunca é julgado na história por isso, apesar do menino sofrer indiretamente com a história na escola. Fininha também tem as suas contradições, principalmente por ser visto numa instituição de repressão que era o Exército e se envolver com chamados contraventores. Lacerda mostra essa dualidade de modo muito poético na cena em que o rapaz está engraxando o coturno e usa uma máscara que seria usada em algum show performático de Clécio.

A parte mais interessante é que o Laceda não perde tempo com uma história de descoberta ou aceitação da sexualidade do soldado. Apesar da primeira cena quente de Fininha ser com uma mulher, os dois estão na penumbra, desfocados, com closes curtos. Ele fica excitado sim, mas pela situação. No Chão de Estrelas, depois de Clécio interpretar “Esse Cara”, uma canção no estilo eu-lírico de Caetano, a câmera se aproxima dos dois lentamente, sem desvio de olhares e entendemos que existe uma atração real entre eles. Ainda no campo musical, Clécio e Fininha dançam ao som de “A Noite do Meu Bem” (Dolores Duran) e a montagem faz com que as imagens casem, muito evidenciado na frase “ternura de mãos se encontrando”, o que acontece.

Então, há uma cena de sexo entre os dois, de um jeito que não me lembro de ter sido retratada no cinema comercial brasileiro antes. Como toda a produção é sem pudor e nada conservadora, pode chocar as audiências mais conservadoras. Lacerda faz da cena em plano sequencia uma entrega de Fininha, ao mesmo tempo abre uma discussão, mesmo que não intencional. Fora do moralista ou não, deve-se perguntar se ela era necessária ou se agrega à história. Também nos perguntarmos se a cena foi feita para o público-alvo – ao mesmo tempo em que mulheres seminuas e colantes o são no cinema clássico de ação – ou se existe isso. É uma cena plausível, apesar de suja, mas o filme não se sustenta nisso. Porém, o filme se perde ligeiramente na situação dos dois. Clécio é um tanto conservador com os sentimentos, e chega a reclamar dos encontros de Fininha com outros homens, que diz que eles nunca tiveram algum tipo de compromisso. Ao mesmo tempo em que parece que eles continuaram tendo algo intenso, aparenta exatamente o contrário. Lacerda não conseguiu construir nem sim nem o não entre os dois.

Como não poderia deixar de ser, o filme tem um traço político, mas que é expresso no fundo, como uma ameaça presente. É uma crítica à censura em geral, seja ela da sociedade ou das autoridades, mas, de novo, qual é a história que quer se contar? Lacerda parece não definir ser é a expressão artística de uma pessoa com espírito livre – belamente fotografada, e às vezes com simulação de câmeras Super 8 – um romance que marca como tatuagem, ou discussões a cerca de democracia e liberdade.

Tatuagem

“Tatuagem” quer ser em sua essência um filme de confrontos, mas a sensação é que o discurso em si não definiu a sua própria essência. É contestador, não ortodoxo e brinca com metalinguagem. Tecnicamente perfeito, vale também para que o público LGBT encontre voz em produções brasileiras, e não deixa de abrir discussão na sociedade machista e patriarcal que vivemos. Só não é a melhor produção para apresentar para aquele seu parente mais conservador. Claro que Lacerda, como diretor e roteirista, pouco se importa com isso.

Veja aqui o trailer de Tatuagem:

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".